Teste norte-coreano seria mensagem à China, dizem especialistas
Com o último teste, Kim Jong-un parece querer pressionar os líderes chineses a convencerem os EUA a mudarem sua postura sobre Pyongyang
AFP
Publicado em 4 de setembro de 2017 às 10h51.
Apresentado como um desafio aos Estados Unidos, o último teste nuclear norte-coreano pode ser percebido como uma forma de pressionar a China a convencer Washington a abrir um diálogo com Pyongyang.
O sexto teste atômico de Pyongyang, de longe o mais potente, coincidiu no domingo (3) com a abertura na China da cúpula do Brics (acrônimo para se referir a Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul).
Ao realizá-lo, o líder norte-coreano, Kim Jong-un, roubou o protagonismo do presidente chinês, Xi Jinping, enquanto Pequim continua a ser, teoricamente, o principal aliado do regime de Pyongyang.
Sinal do desconforto do regime chinês frente a essa afronta, o teste nuclear norte-coreano foi mencionado de forma protocolar nesta segunda-feira na imprensa oficial do país. Já o Pentágono evocou "uma resposta militar enérgica", agitando a possibilidade de uma guerra às portas da China.
Com esse último teste, Kim Jong-un parece querer pressionar os líderes chineses, observa David Kelly, do centro de pesquisa China Policy, com sede em Pequim.
"Suma mensagem é: ninguém brinca com a minha cara", diz esse especialista em questões geopolíticas.
Segundo ele, Kim Jong-un tem a impressão de que é "a vítima do jogo entre Washington e Pequim".
No início de 2017, a China suspendeu a compra de carvão da Coreia do Norte, uma fonte de receita crucial para a dinastia dos Kim, e aprovou as sete séries de sanções adotadas este ano pela comunidade internacional.
Destinatário de 90% das exportações norte-coreanas, o gigante asiático continua, porém, na mira do presidente americano, Donald Trump, que exige mais pressão sobre o turbulento vizinho.
Trump ameaçou suspender as relações comerciais com os países que fazem negócios com a Coreia do Norte.
Nesse sentido, Pyongyang procura mostrar que "novas sanções vão ter o mesmo efeito", ou seja, novos testes nucleares e de mísseis, explica Kelly.
Entre a cruz e a espada
Do ponto de vista de alguns analistas, a China está em uma posição desconfortável: sob pressão de Washington, que quer obrigá-la a convencer seu aliado de abandonar seu programa nuclear, e sob pressão de Pyongyang, que quer obter por seu intermédio a abertura de negociações com os americanos.
Agora que demonstrou a potência de seu arsenal, a Coreia do Norte vê seu poder de barganha aumentado.
"Acredito que Kim Jong-un poderia embarcar em uma operação de sedução para tentar abrir negociações com os Estados Unidos. É um jogo de bilhar", observa o especialista em China Jean-Pierre Cabestan, da Universidade Batista de Hong Kong.
Ao fazê-lo, o líder norte-coreano corre o risco de despertar a ira do presidente chinês, uma vez que este se aproxima de um evento político crucial: o Congresso do Partido Comunista Chinês, que será aberto em 18 de outubro.
"Xi Jinping, que forjou uma imagem forte, está contra a parede. Ele é forçado a reagir", diz Cabestan, considerando que uma possível reação, como um embargo ao petróleo, pode ser adiada até o Congresso.
Se exigir o fim do programa nuclear de Kim Jong-un, Pequim terá o direito de cobrar uma "dupla moratória": a suspensão simultânea dos testes norte-coreanos e das manobras militares dos Estados Unidos e da Coreia do Sul.
O Mnistério das Relações Exteriores da China condenou fortemente o último teste de Pyongyang, mas não pediu novas sanções.
A imprensa chinesa, que havia previsto uma suspensão das exportações de petróleo para o pequeno vizinho, também se mostrou comedida em sua reação nesta segunda-feira.
"Se as atividades nucleares da Coreia do Norte não contaminarem as regiões (fronteiriças) do nordeste da China, a China deve se abster de impor sanções muito agressivas à Coreia do Norte", afirmava o editorial do jornal nacionalista "Global Times".
"Sanções, incluindo a suspensão das exportações de combustível, não vão resolver fundamentalmente o problema", observa Wang Dong, especialista em questões internacionais na Universidade de Pequim.
"Acreditar que sanções podem resolver tudo é falso. Na História, sua taxa de sucesso não passa de um terço", assegura.
O tremor sísmico provocado pela explosão da bomba testada no domingo foi sentido no nordeste da China. As autoridades chinesas, que imediatamente acionaram seu sistema de controle de radiação na fronteira, asseguraram hoje que "nenhum impacto" sobre o meio ambiente, ou sobre a população, foi detectado.