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Suposto coiote chegava a cobrar US$ 20 mil para levar brasileiros aos EUA

No início de junho, a Polícia Federal brasileira prendeu Chelbe Moraes, um empresário que teria fugido com sua filha de 3 anos ao perder a custódia para sua ex-companheira

Brasileiro Chelbe Willams Moraes escreve em documento ao ser expulso do Paraguai. (Dirección General De Migraciones Paraguay/Handout/Reuters)

Brasileiro Chelbe Willams Moraes escreve em documento ao ser expulso do Paraguai. (Dirección General De Migraciones Paraguay/Handout/Reuters)

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Reuters

Publicado em 12 de outubro de 2021 às 09h50.

Última atualização em 12 de outubro de 2021 às 09h50.

Números recordes de brasileiros foram presos na fronteira sul dos Estados Unidos este ano, como parte de uma crise imigratória dos EUA. A polícia acredita que uma disputa sobre a guarda de uma criança a levou a um dos contrabandistas que transportam os imigrantes para o norte.

No início de junho, a Polícia Federal brasileira prendeu Chelbe Moraes, um empresário que teria fugido com sua filha de 3 anos ao perder a custódia para sua ex-companheira. Depois de grampear os telefones de pessoas próximas a Moraes, os policiais começaram a suspeitar que ele era um contrabandista veterano, ou "coiote".

Em um boletim policial de 25 de junho enviado a um juiz federal e visto pela Reuters, eles pediram que acusações criminais de tráfico de crianças, contrabando de pessoas e conspiração criminosa fossem feitas contra Moraes.

A polícia o acusa de cobrar de brasileiros sem vistos válidos dos EUA cerca de 20.000 dólares cada para entrar nos Estados Unidos via México. Para conseguir isso, Moraes construiu uma rede internacional que inclui autoridades e policiais corruptos, além de membros da família nos EUA, segundo o processo judicial.

A Reuters conversou com mais de 20 pessoas com conhecimento do caso, incluindo policiais, autoridades da imigração, associados de Moraes e três pessoas que alegaram ser clientes dele. Essas entrevistas pintam o quadro de um contrabandista experiente cujo negócio prosperou em meio à turbulência política e econômica no Brasil.

Moraes, que declarou inocência à polícia, disse à Reuters que dirige uma consultoria legítima aconselhando pessoas sobre pedidos de asilo nos EUA em seu Estado natal, Minas Gerais. Ele afirma que atendeu até 200 clientes ao longo de uma carreira de 20 anos, cobrando dos clientes que preenchem os critérios dos EUA até 100.000 reais para ajudá-los a migrar.

"A assessoria que eu cobro é cara pra caramba, porque eu conheço a legislação americana”, disse ele.

Durante os primeiros 11 meses do ano fiscal norte-americano de 2021, 46.280 brasileiros foram apreendidos na fronteira sul dos EUA, mostram dados da Alfândega e Proteção de Fronteiras (CBP) dos EUA, em comparação com 17.893 em todo o ano de 2019. Embora isso seja apenas uma fração dos mais de 550.000 mexicanos que foram capturados até agora este ano, os brasileiros ocupam agora a sexta posição entre as nacionalidades detidas em 2021.

Eles fazem parte de uma onda de imigrantes latino-americanos que fogem de uma região devastada pela Covid-19 e esperam um tratamento mais brando desde que o ex-presidente Donald Trump deixou o cargo neste ano. As apreensões na fronteira sul atingiram os níveis mais altos em 20 anos, causando dores de cabeça para o presidente norte-americano, Joe Biden.

“Tivemos fluxos com brasileiros que eu vi no passado, mas não até esse ponto”, disse Ramon Romo, chefe da unidade de investigação da Imigração e Fiscalização Alfandegária dos EUA.

Em 7 de julho, o Ministério Público Federal acusou Moraes, de 60 anos, de tráfico de crianças por fugir para o vizinho Paraguai com sua filha. Moraes se declarou inocente, dizendo que era uma viagem de trabalho pré-planejada. Agora de volta ao Brasil, Moraes continua em liberdade enquanto aguarda julgamento. Nenhuma denúncia foi registrada em conexão com sua suposta operação de contrabando; o procurador concedeu à polícia mais tempo para investigar o celular, o disco rígido do computador e outros documentos apreendidos de Moraes.

Duas pessoas familiarizadas com sua suposta armação -- um ex-cliente e um ex-associado -- disseram à Reuters que Moraes ensina seus clientes a se passarem por turistas ao chegarem ao México, às vezes conseguindo a entrada com a ajuda de funcionários da imigração mexicana subornados.

Moraes então leva os brasileiros para o norte, onde eles pulam a fronteira com a ajuda de coiotes mexicanos contratados ou buscam asilo nos EUA usando documentos falsos e histórias elaboradas que Moraes criou para eles, disseram as fontes.

O Instituto Nacional de Imigração do México, a agência federal de imigração do país, não respondeu a um pedido de comentário.

Pessoas que podem provar que enfrentam perseguição em seu país por causa de raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opinião política podem ser elegíveis para asilo nos EUA. O acúmulo de casos nos tribunais de imigração dos EUA pode fazer com que aqueles que entram muitas vezes permaneçam nos Estados Unidos por anos enquanto seus processados tramitam.

Moraes disse que aqueles que afirmam que ele comandava uma operação de contrabando foram "induzidos" a fazê-lo pela polícia ou tinham inveja de seu sucesso.

Mas ele reconheceu estar se beneficiando dos problemas do Brasil. "Quanto piora o governo aqui, para mim é melhor.”

Sem precedentes

A migração brasileira para os Estados Unidos aumentou desde 2018, quando o presidente Jair Bolsonaro foi eleito. Pouco mais de 1.500 brasileiros foram detidos na fronteira sul dos EUA em 2018. No final do ano fiscal seguinte, quase 18.000 tinham sido detidos.

O Brasil tem enfrentado múltiplas crises sob o comando de Bolsonaro. Mais de 600.000 brasileiros morreram de Covid-19, o segundo maior número de óbitos do mundo, atrás apenas dos EUA. O desemprego está em torno de 14%, enquanto a inflação anual atingiu os dois dígitos e a pobreza aumentou.

"O brasileiro médio está desiludido com tudo", disse Daniel Fantini, delegado que comanda a investigação sobre Moraes.

O Palácio do Planalto não respondeu aos pedidos de comentários.

Para entrar nos EUA em caráter temporário --seja para turismo, trabalho, estudo e intercâmbio--, os brasileiros precisam de um visto de não imigrante. Esse processo ficou mais rígido devido à Covid-19 e ao crescente número de viajantes que ultrapassam o prazo de validade dos vistos, disseram três autoridades norte-americanas à Reuters. Muitos brasileiros agora estão se voltando para os coiotes, dizem imigrantes, policiais e autoridades.

Lenilda dos Santos, uma enfermeira brasileira, morreu de sede em setembro após cruzar para o Novo México. Seu irmão, Leci Pereira, disse à Reuters que ela concordou em pagar 25.000 dólares a um contrabandista, prometendo a casa como segurança. O suposto contrabandista, que só dá a seus clientes o apelido de "Piskuila", não respondeu aos pedidos de comentários.

Na Califórnia, os agentes da Alfândega e Proteção de Fronteiras estão acostumados a falar espanhol, idioma do México e grande parte da América Latina. Mas eles estão com dificuldades para lidar com o que a agência chama de um salto "sem precedentes" no número de brasileiros falando português sendo parados na fronteira. Esforços diplomáticos estão em andamento para diminuir o fluxo.

Os brasileiros não precisam de visto para entrar no México, o que torna mais fácil para os contrabandistas levar os imigrantes para lá e transportá-los para o norte. O governo Biden quer que o México imponha exigências de visto aos brasileiros para complicar esse caminho, disseram à Reuters duas fontes familiarizadas com a situação.

As negociações começaram em julho, mas o México tem resistido, citando o lucrativo turismo brasileiro e a possível ação recíproca de Bolsonaro, disse uma das pessoas.

O Departamento de Estado dos EUA se recusou a comentar sobre as "discussões diplomáticas em andamento".

As chancelarias do México e do Brasil não responderam aos pedidos de comentários.

Investigação ativa

Depois que Moraes fugiu do Brasil com sua filha, a Polícia Federal interrogou seus supostos associados.

Geisiane Batista, que as autoridades afirmam ter administrado as finanças da operação de contrabando, ajudou Moraes a administrar uma fábrica de lingerie em Minas Gerais, segundo seu depoimento no relatório policial visto pela Reuters. Ela disse à polícia que pessoas querendo migrar, nenhuma com visto dos EUA, costumavam visitar a fábrica para encontrar Moraes e arranjar passagem.

Moraes negou a declaração de Geisiane, que não foi encontrada para comentar.

José Martins trabalhava como motorista de Moraes, levando imigrantes ao Rio de Janeiro e São Paulo para pegar voos para o México, disse ele em depoimento à polícia. Ele afirmou que Moraes cobrava 100.000 reais para "colocar alguém nos Estados Unidos" e ofereceu a ele uma comissão de 1.000 reais para cada novo cliente que ele trouxesse.

Entre os que Martins disse ter transportado estavam Ismael da Silva e a mulher. Segurança desempregado, Ismael contou em seu depoimento que vendeu carro, móveis e ferramentas para ajudar a financiar a viagem de 17.000 dólares.

O casal nunca conseguiu. Autoridades mexicanas negaram a entrada deles depois que pousaram em Cancún em maio, disse Ismael à polícia. Contatado pela Reuters, ele não quis comentar.

Outros tiveram mais sorte. Martins, o motorista, contou à polícia que o casal da Silva fazia parte de um grupo de 12 imigrantes brasileiros naquela viagem, seis dos quais chegaram aos Estados Unidos. Martins não quis comentar.

Evidências de escuta telefônica sugerem que Moraes depende de alguns parentes residentes nos EUA, incluindo uma filha adulta, Janaina Moraes, para ajudar a deslocar os imigrantes, de acordo com o relatório policial. A polícia brasileira não a acusou de irregularidade.

Janaina Moraes, que mora perto de Boston, disse à Reuters que ocasionalmente usava seu telefone para fazer check-ins em hotéis para clientes de seu pai ou para comprar comida, mas negou trabalhar para ele.

Uma porta-voz do Departamento de Segurança Interna dos EUA se recusou a comentar o que disse ser uma investigação ativa.

Famílias falsas

O imigrante brasileiro Bruno Lube, agora com 41 anos, declarou à Reuters que contratou Moraes em 2016, mas foi pego por agentes dos EUA após escalar o muro da fronteira perto de El Paso com um coiote mexicano. Ele disse que passou quase cinco meses preso nos EUA antes de ser deportado de volta ao Brasil, onde denunciou Moraes à Polícia Federal.

Um porta-voz da PF confirmou a queixa de Lube em 2017 contra Moraes, dizendo que estava sob investigação.

Moraes negou as acusações de Lube, dizendo que não o conhecia. A Alfândega e Proteção de Fronteiras não quis comentar.

Moraes tem tido mais sucesso em ajudar famílias a entrarem, segundo a polícia brasileira e uma fonte com conhecimento de sua operação.

Centro-americanos e mexicanos com crianças muitas vezes são expulsos para o México ao chegarem na fronteira com os EUA, como parte de uma política dos EUA iniciada durante a pandemia. Em contraste, quase todos os brasileiros que viajam com menores que chegam à fronteira sul em busca de asilo são admitidos para aguardar suas audiências em solo norte-americano.

Até agosto deste ano fiscal, 99,2% das famílias brasileiras puderam entrar, mostram dados da Alfândega e Proteção de Fronteiras, em comparação com 15% das famílias mexicanas, 57% das da Guatemala e 66% das famílias hondurenhas. Quando a política de expulsões começou, o México disse que só aceitaria mexicanos e centro-americanos expulsos dos Estados Unidos, mas desde então tem aceitado algumas outras nacionalidades.

Para enganar o sistema, disse a fonte, Moraes criou "famílias" falsas de adultos e menores não aparentados, fornecendo-lhes papelada falsa, bem como histórias fictícias de violência doméstica ou ameaças de gangues para reforçar seus pedidos de asilo.

Moraes negou essas acusações, dizendo que só aconselhou famílias de boa fé.

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