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Sonho de Alencar de governar Minas ficou para trás

Ao se lembrar da época de militância política, Alencar se comparava a Lula, que foi líder sindical: "só que meu sindicato era patronal"

José Alencar: em 1998, foi eleito senador pelo PMDB (Arquivo)

José Alencar: em 1998, foi eleito senador pelo PMDB (Arquivo)

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Da Redação

Publicado em 29 de março de 2011 às 19h42.

Brasília - O ex-vice-presidente da República José Alencar dirigiu o Sistema Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (Fiemg) e uma série de entidades patronais antes de chegar à capital federal. Em 1994, disputou pela primeira vez uma eleição, para governador. O sonho de assumir o Palácio da Liberdade, sede do governo de Minas, lugar ocupado, segundo sempre ressaltou, por Juscelino Kubitschek, Milton Campos, Tancredo Neves e Magalhães Pinto, nunca se concretizou. Alencar morreu nesta tarde, de acordo com o oncologista Paulo Hoff, do Hospital Sírio-Libanês.

A fase de representante de classe sempre foi vista por Alencar como período de militância política. "Muita gente, quando fala na história do Lula, diz que ele foi um líder sindical. Eu também fui. Só que o meu sindicato era patronal. Fui presidente do Sindicato da Indústria de Fiação e Tecelagem de Minas Gerais, da Federação das Indústrias de Minas Gerais. E, antes disso, rapazinho, era da Associação Comercial", disse, em entrevista à Agência Estado.

Ele contou que começou a trabalhar em campanhas políticas em 1950, quando apoiou Getúlio Vargas para Presidência da República e Juscelino para governador de Minas. Em 1955, ajudou nas campanhas de Juscelino para presidente e de Bias Fortes a governador. Na disputa de 1960, defendeu Henrique Teixeira Lott e Tancredo Neves, para os respectivos cargos. Em 1989, na primeira eleição presidencial depois do golpe militar, votou em Ulysses Guimarães no primeiro turno e em Lula, no segundo turno.

Mesmo com a presença cada vez mais constante nas tribunas das entidades empresariais a partir da década de 1960, Alencar ficou fora da lista dos defensores do regime instalado com o golpe de 1964 contra o presidente João Goulart. O nome de Alencar não consta na relação de empresários mineiros ligados ao Instituto de Pesquisa e Estudos Sociais (Ipes), entidade que promoveu eventos conspiratórios contra Goulart -, levantada pela pesquisadora Heloísa Starling, autora do livro "Os Senhores das Gerais", um estudo sobre a atuação dos mineiros no período.

Em 1998, Alencar se elegeu senador pelo PMDB com mais de três milhões de votos. No Senado, mantinha conversas com colegas de partidos e correntes políticas diversas, como Heloísa Helena, à época no PT, Marina Silva (hoje no PV) e Agripino Maia, do então PFL, hoje DEM. A relação com Agripino, um adversário ferrenho do governo Lula, seria mantida mesmo nos momentos de clima exaltado entre o Planalto e a oposição. Eles se aproximaram quando Alencar montou uma fábrica da Coteminas no Rio Grande do Norte, ainda nos anos 1980.


Prático

Embora tenha mantido o discurso explosivo contra a equipe econômica, as interinidades do vice, na maioria das vezes, foram tranquilas. A única vez que abriu o gabinete de Lula à imprensa foi no fim de janeiro de 2004 para dar explicações sobre o fato de ter orientado um hospital a dar prioridade a uma neta de um eleitor que precisava de transplante de medula óssea. O jeito prático de resolver as coisas de Alencar trombou numa rara ocasião com a opinião pública. Foi acusado de furar a fila, embora nesse caso não haja fila. Os transplantes levam em conta características do doador e do paciente.

Meses antes, em setembro de 2003, Lula viajou para os Estados Unidos e deixou para Alencar assinar uma polêmica Medida Provisória (MP) que autorizava o plantio de soja transgênica, um tema que dividia o governo. Alencar, porém, antes de assinar, marcou uma série de reuniões com técnicos da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), ambientalistas e técnicos do Ministério do Meio Ambiente e, claro, chamou a imprensa. "Mineiro demora um pouco para tomar decisão", disse, em entrevista, irritando Lula e o então chefe da Casa Civil José Dirceu.

Alencar só deixou de almoçar no restaurante do Planalto, frequentado por funcionários, assessores, militares, visitantes e jornalistas, quando precisou recorrer a uma dieta especial por causa do tratamento da doença. O restaurante é um dos poucos locais do palácio onde os jornalistas podem ter acesso a alguma autoridade.

Imprensa

No primeiro mandato, Lula optou por uma relação distante e conflituosa com a imprensa. Alencar, por sua vez, fez questão de não fugir de entrevistas e atendia repórteres que batiam em seu gabinete sem marcar com antecedência. O chefe de gabinete da Vice-Presidência, Adriano Silva, funcionário que acompanha Alencar há mais de 30 anos, respondeu também como assessor de imprensa. O acúmulo de tarefas levou o assessor a passar por duas cirurgias de ponte de safena em 2006.

Como vice, sempre atendeu jornalistas nas portarias de ministérios ou do hospital. Certa vez, na portaria do Ministério da Defesa, pasta que Lula implorou para ele assumir num momento de crise militar, em 2005, Alencar chegou a apartar uma briga entre repórteres e militares. Depois de ordenar que os militares não colocassem as mãos nos "meninos", o vice virou-se para os repórteres, segurou as mãos deles e deu uma bronca de avô: "Não quero que vocês briguem com os meus seguranças!"

No setor da segurança privada da Presidência da República, trabalhar na proteção de Lula e da primeira-dama Marisa Letícia sempre foi visto como um "desafio", enfrentar momentos de tensão e mau humor do casal. Já atuar na segurança de Alencar e sua mulher, Mariza, passou a ser algo agradável, diziam profissionais que trabalhavam no palácio.


Alencar surpreendia repórteres enviando longas cartas escritas do próprio punho em papel de seda, como se fazia nos "tempos antigos", para parabenizar por alguma reportagem ou trabalho especial. Aos visitantes, gostava de oferecer garrafas de Sagarana e Maria da Cruz, cachaças produzidas em seu alambique.

Quando no governo, depois de dar uma longa entrevista a um repórter com ataques às medidas tomadas pelo governo para combater a crise financeira internacional, Alencar chamou o jornalista ao Palácio do Jaburu. De sandálias de dedo, camisa polo surrada e bermudão, disse qual era o único temor com a publicação da entrevista: "Eu mencionei a cidade de Muriaé. Não citei Carangola. O pessoal de Carangola, que me deu um título de cidadão, vai ficar zangado", disse, com semblante sério. "Quero pedir para não citar nenhuma cidade, pois também recebi título de Ubá."

Mensalão

O ex-vice-presidente e o filho Josué Gomes da Silva, que desde 2002 está à frente da Coteminas, só foram citados nos escândalos políticos que derrubaram figurões do governo e do PT em 2005. O então tesoureiro do PT Delúbio Soares não contabilizou um repasse de R$ 1 milhão feito em maio daquele ano como parte do pagamento de uma dívida de R$ 12 milhões com a compra de 2,75 milhões de camisetas para campanhas municipais. Em entrevista no Planalto, o então vice defendeu a Coteminas, que fez o registro do depósito, e afirmou que quem devia explicar a história era o PT. E ainda cobrou a dívida do partido.

No auge do escândalo da crise do "mensalão", em 2005, quando o publicitário Duda Mendonça confirmou ter recebido dinheiro do exterior na campanha de Lula em 2002, Alencar manteve postura de apoio ao presidente, mas sem exaltações. "A coisa está ruim, está tudo esquisito, até a vaca estranha o bezerro", avaliou com bom humor, enquanto petistas viviam inferno astral e o partido desmoronava como cartas de baralho.

Empolgados com a possibilidade de Lula deixar o poder, parlamentares mineiros chegaram a ensaiar a montagem de um grupo de apoio a uma eventual posse de Alencar na Presidência. O vice, porém, manteve-se distante. Em 2006, Lula foi à forra pelo que classificou de apoio "discreto" de Alencar durante a crise. O presidente prolongou até o prazo final o anúncio de que Alencar seria novamente seu vice.

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