Sanders, e o encontro das gerações
A esta altura há poucas dúvidas da vitória de Hillary Clinton no processo de escolha do candidato do Partido Democrata à Presidência dos Estados Unidos. Ex-primeira-dama, ex-secretária de Estado e ex-senadora, Clinton é uma política experiente e comanda a máquina de campanha mais azeitada entre todos os postulantes à Casa Branca, incluindo os rivais republicanos. […]
Da Redação
Publicado em 29 de abril de 2016 às 17h52.
Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h25.
A esta altura há poucas dúvidas da vitória de Hillary Clinton no processo de escolha do candidato do Partido Democrata à Presidência dos Estados Unidos. Ex-primeira-dama, ex-secretária de Estado e ex-senadora, Clinton é uma política experiente e comanda a máquina de campanha mais azeitada entre todos os postulantes à Casa Branca, incluindo os rivais republicanos. Mas poucos esperavam que ela suasse tanto para garantir a indicação. O desempenho do senador Bernie Sanders pegou muitos observadores – e correligionários de Clinton – de calças curtas.
Mais surpreendente que o sucesso do autodenominado socialista só mesmo a composição demográfica do seu eleitorado: ele é de longe o preferido dos jovens.
O Circle, instituto de pesquisas que estuda o comportamento e o engajamento político dos jovens americanos, estima que Sanders tenha obtido 1,9 milhão de votos dos eleitores entre 17 e 29 anos nas diversas primárias já realizadas. É mais que o dobro da soma do segundo e do terceiro colocados, Donald Trump (747 000) e Hillary Clinton (728 000). Caso coloque a mão direita sobre a Bíblia e preste juramento como o 45º presidente americano, em janeiro do ano que vem, Sanders, que completa 75 anos em setembro, será o mais velho vencedor de uma eleição presidencial do país.
É altamente improvável que isso venha a acontecer. Mas o fenômeno Bernie entre os jovens, assim como a candidatura de Trump, faz da corrida presidencial deste ano uma das mais fascinantes em décadas.
Parte do apelo de Sanders junto aos jovens se explica por suas propostas. O senador promete criar um sistema de saúde público universal e oferecer educação superior gratuita. As duas ideias ecoam junto a uma camada da população que entra no mercado de trabalho carregando enormes financiamentos estudantis e que também tem de se preocupar com o altíssimo custo da saúde americana. Isso se houver empregos, claro. Os mais jovens têm a situação de maior vulnerabilidade depois de períodos de retração econômica, como a grande recessão do fim da década passada.
Sanders, nascido no Brooklyn em 1941 e filho de imigrantes poloneses e russos, construiu sua carreira defendendo os pobres e oprimidos. Seus discursos inevitavelmente falam em uma “economia viciada” e em políticos trabalhando em nome das grandes corporações. Essa atitude de enfrentamento contra o 1%, contra o sistema que aumenta cada vez mais o abismo entre os mais ricos e os mais pobres, ecoa junto a uma parcela do eleitorado que está desencantada com a política tradicional (outros tantos mencionam razões parecidas para justificar a preferência por Donald Trump). Se um Sanders presidente conseguiria aprovar esse tipo de políticas progressistas no conservador Congresso americano, é outra história.
A figura de Sanders também ajuda. Ele sempre aparece meio descabelado, com os óculos tortos, como se não houvesse um marqueteiro calculando qual é o tom exato da gravata que mais combina com sua pele (provavelmente não há mesmo). No início deste ano, o instituto de pesquisas Frank Luntz perguntou a 1.000 americanos com quem eles gostariam de jantar. De uma lista de 20 nomes, Bernie Sanders ficou entre os três primeiros entre 22% dos entrevistados, bem à frente do rapper Kanye West (8%) e do cantor Justin Bieber (7%). A mesma pesquisa indicou que Sanders é o político que eles mais respeitam: 31%, seguido por Barack Obama (18%) e Hillary Clinton (11%).
O entusiasmo com Sanders se confirmou nas doações de campanha, um dado fundamental em qualquer eleição nos Estados Unidos. Em junho do ano passado, Clinton tinha recebido 47,5 milhões de dólares de seus apoiadores, e Sanders, apenas 14 milhões. No fim de março, o senador empatou a disputa da arrecadação: ambos contabilizavam 182 milhões de dólares. Clinton tem uma organização estruturada e experiente em coletar dinheiro. Sanders financia sua campanha com doações inviduais feitas por meio de seu site oficial, literalmente um crowdfunding político. A contribuição média é de 27 dólares. Embora Hillary na prática tenha mais dinheiro (pois ela também conta com recursos dos chamados Super PACs, organizações independentes que colhem milhões de dólares de empresas e indivíduos), esse empate nas doações diretas tem gosto de vitória para Sanders.
Dois terços dos eleitores de Sanders dizem que votarão em Clinton em novembro caso ela seja vitoriosa nas primárias. Como as opções seriam ou o ultraconservador Ted Cruz ou o imprevisível Trump, a ex-primeira-dama deve mesmo herdar o voto jovem. Mas a voz da geração do milênio, e seu improvável paladino de cabelos brancos, não vai se calar tão cedo.
(Sérgio Teixeira Jr., de Nova York)