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Risco de uma nova Guerra Fria é real, diz especialista

Se situação na Ucrânia não acalmar, clima entre Rússia e Ocidente pode piorar. Para especialista, contudo, ocidentais precisam da ajuda russa em outras questões


	Rebeldes pró-Rússia mantêm dezenas soldados ucranianos como reféns: cessar-fogo com governo ucraniano foi assinado nesta sexta-feira
 (Alexandr Osinskiy/AFP)

Rebeldes pró-Rússia mantêm dezenas soldados ucranianos como reféns: cessar-fogo com governo ucraniano foi assinado nesta sexta-feira (Alexandr Osinskiy/AFP)

Gabriela Ruic

Gabriela Ruic

Publicado em 5 de setembro de 2014 às 12h29.

São Paulo – A conversa entre o governo da Ucrânia e rebeldes pró-Rússia parece ter surtido o efeito desejado pela comunidade internacional. De acordo o presidente ucraniano, Petro Poroshenko, um acordo de cessar-fogo entre as partes foi assinado nesta sexta-feira.

Para Fabiano Mielniczuk, doutor em Relações Internacionais, diretor da Audiplo e professor da ESPM-Sul e Uniritter, o armistício é positivo para evitar um agravamento ainda maior da crise que afetou ferozmente a relação entre a Rússia e o Ocidente.

De acordo com ele, se o clima na Ucrânia piorar, o conflito entre separatistas e forças ucranianas poderia evoluir para uma invasão russa, antes que o país liderado por Poroshenko pudesse se aproximar ainda mais da Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte). “Neste caso, teríamos uma nova partilha do mundo, semelhante à que existia entre as duas Alemanhas”, disse.

Mielniczuk concedeu uma entrevista a EXAME.com, na qual avaliou cenários para a crise daqui em diante e analisou as possíveis intenções do presidente russo, Vladimir Putin. Confira abaixo.

EXAME.com - Já podemos falar que uma nova Guerra Fria está acontecendo ou está na iminência de acontecer?

Mielniczuk - Se não houver um processo rápido de retomada da normalidade na Ucrânia, acredito que os riscos de uma nova Guerra Fria são bastante reais. Porém, é bastante difícil pensar em como o Ocidente resolverá os problemas relacionados ao Iraque e a Síria e ao Programa Nuclear do Irã sem o auxílio da Rússia. Caso o problema da Ucrânia não seja resolvido logo, o mundo sofrerá as consequências em todas as regiões.

EXAME.com - Esta crise, que até o momento envolve apenas embargos e sanções comerciais, poderia evoluir para uma guerra entre Rússia e as forças da Otan?

Mielniczuk - Esse é um cenário muito improvável, mas não é impossível. O problema é que uma guerra desse nível envolveria armas nucleares e, caso isso acontecesse, teríamos uma tragédia inaudita na história da humanidade. Por isso, resolver o problema da Ucrânia é fundamental para a paz mundial.

EXAME.com – Estamos diante de uma política de expansão territorial por parte da Rússia? Crê que esta estratégia esteja no radar de Putin?

Mielniczuk - Em política internacional, tudo é possível, mas não acho que seja essa a intenção da Rússia. Pelo menos não em relação aos outros países. Já em relação à Ucrânia, dados os acontecimentos recentes, acho que uma invasão russa é bastante provável.

EXAME.com – O presidente russo chegou a anunciar um plano de paz, rechaçado pela Ucrânia, sob a justificativa de que Putin “deseja confundir a comunidade internacional”. Afinal de contas, qual é o objetivo da Rússia nesta crise e até que ponto Putin está disposto a ir?

Mielniczuk - Ao que tudo indica o apoio russo aos rebeldes cresceu após a ofensiva de Kiev contra as forças “terroristas”, fato que aumentou significativamente o número de mortos nas últimas semanas (a maioria civis). Este apoio resultou em vitórias militares importantes dos rebeldes nos últimos dias, o que solapou ainda mais a legitimidade do governo da Ucrânia frente aos setores mais radicais. Por conta desta pressão, Poroshenko anunciou que a Ucrânia gastaria mais de dois bilhões de Euros na área de defesa.

O plano de paz da Rússia surgiu nesse contexto de fraqueza do governo ucraniano. A aceitação por parte do governo Poroshenko iria prejudicar ainda mais suas bases de legitimidade, pois implicaria em aceitar a federalização do país, posição que o governo se recusa a discutir desde o início. Putin, por sua vez, manterá essa postura para não perder sua legitimidade perante a população russa, que considera fundamental que a defesa dos russos que vivem no leste da Ucrânia.

EXAME.com - A relação entre a Rússia e o Ocidente se deteriorou ferozmente nos últimos meses. Como você enxerga o papel de cada lado neste desgaste?

Mielniczuk - A União Europeia e os Estados Unidos se precipitaram em reconhecer um governo interino que assumiu o poder após a derrubada de Yanukovich (ex-presidente ucraniano deposto em fevereiro de 2014). O que seria uma vitória pró-ocidental, para favorecer a adesão a um acordo comercial em curto prazo, tornou-se fonte de instabilidade na região.

Como as forças que precipitaram o golpe não se identificavam com os líderes do governo interino, o processo eleitoral foi vencido por um presidente que assume uma postura pró-ocidental, mas que, em nenhum sentido, representa os valores liberais e democráticos da UE (basta lembrar de que se trata de um dos homens mais ricos da Ucrânia – país marcado pela corrupção de seus empresários e que havia participado do governo deposto).

Respaldado pelo Ocidente, esse governo investiu contra os rebeldes do leste do país, e o ciclo de violência foi alimentado pelo apoio russo aos separatistas/federalistas. A Rússia reagiu a uma ação incentivada pelos Ocidentais.

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