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Reino Unido: uma eleição à deriva

Verônica Sesti, de Londres O distrito de Vauxhall, às margens do Rio Tâmisa, em Londres, é ideal para ter uma amostra de quão complexas serão as eleições parlamentares britânicas marcadas para esta quinta-feira. No centro-sul da capital, o distrito hospeda toda a pluralidade da sociedade britânica: ricos, pobres, imigrantes, comerciantes, estudantes, idosos, famílias, e uma […]

KATE HOEY E NIGEL FARAGE: a postura pró-Brexit pode custar a reeleição da parlamentar / Jeff Spicer/Getty Images
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Da Redação

Publicado em 7 de junho de 2017 às 16h23.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h04.

Verônica Sesti, de Londres

O distrito de Vauxhall, às margens do Rio Tâmisa, em Londres, é ideal para ter uma amostra de quão complexas serão as eleições parlamentares britânicas marcadas para esta quinta-feira. No centro-sul da capital, o distrito hospeda toda a pluralidade da sociedade britânica: ricos, pobres, imigrantes, comerciantes, estudantes, idosos, famílias, e uma forte comunidade LGBTs. Vauxhall tem boates gays, bares underground, um pujante mercado financeiro e uma infinidade de parques e escolas.

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Desde 1989 seus moradores elegem a trabalhista Kate Hoey como sua representante para o parlamento. Hoey é uma senhora de 70 anos com o histórico ligado ao esporte – foi campeã norte-irlandesa de salto em altura e trabalhou em times de futebol populares de Londres como Arsenal e Chelsea. O problema, para os moradores de Vauxhall, é que no último ano ela foi uma das maiores defensoras do Brexit, a saída britânica da União Europeia. Chegou a aparecer num barco singrando o Tâmisa ao lado de Nigel Farage, líder do partido nacionalista UKIP. Agora , a deputada faz coro por uma saída intempestiva do bloco. Acontece que 75% dos moradores do distrito votaram por permanecer na União Europeia.

Agora, a poucas horas de irem as urnas, os eleitores de Vauxhall estão determinados a tirar Hoey da cadeira que ocupa há 28 anos. É uma mostra de como o Brexit embaralhou a política interna britânica, numa nova dinâmica que faz as já complicadas eleições parlamentares serem totalmente imprevisíveis.

Sendo a Grã-Bretanha uma monarquia constitucional, nesta quinta-feira os britânicos não votarão diretamente em seus candidatos a premiê, mas sim, em suas lideranças locais. Em cada distrito elege-se um membro parlamentar, que representará sua região tomando um dos 650 assentos na House of Commons, o parlamento britânico. Desta forma, o partido que eleger 326 ou mais representantes fará seu líder primeiro ministro — Theresa May no caso do Partido Conservador, os Tories, e Jeremy Corbyn pelo Partido Trabalhista.

No referendo de 2016, o Reino Unido se viu completamente dividido e optou pela saída do bloco europeu com uma pequena maioria de 51,9% dos votos. A divisão também se deu dentro dos partidos e a níveis locais, nos distritos. Via de regra, os Tories defendem a saída e os Trabalhistas a permanência — mas muitos de seus membros, como Hoey, optaram por fazer campanhas contrárias à posição oficial de suas legendas. Regiões habitualmente conservadores, como Chipping Barnet, votaram majoritariamente para permanecer na União Europeia, assim como áreas predominantemente trabalhistas, como Wolverhampton South East, optaram pela saída.

“Nossa representante simplesmente não nos representa”, afirma a estudante Pearl Pandya, que mora em Vauxhall. “Ela é a favor de diversas medidas de que discordamos, como a legalização da caça de raposas e do porte de armas. O acordo do Brexit que ela procura é o pior para nós. Não é o que queremos por aqui”.

“O mais importante para mim nessas eleições é que coloquemos alguém que verdadeiramente represente esta parte de Londres. Alguém que reflita nossa cultura europeia e aberta, nossos aspectos globais”, diz David Ham, professor na Imperial College London

Para o cientista político John-Paul Salter, da King’s College London, o que está em jogo é a decisão se o eleitor ou determinado distrito é mais a favor da União Europeia ou da manutenção do voto em um partido político. “O meu distrito, por exemplo, Kingston, é conservador, mas é muito mais a favor da permanência e de boas relações com o bloco europeu. Então é provável que o distrito vote em qualquer outro partido, para tentar um Brexit mais moderado ou, até mesmo, um segundo referendo. Possivelmente se elegerá o candidato dos Democratas Liberais desta vez”.

A posição de Hoey na campanha pró-Brexit impactou sua relação com o Partido Trabalhista, chegou-se a especular que a legenda não a deixaria se candidatar novamente pelo partido. Quando Theresa May convocou as eleições antecipadas em abril, os trabalhistas foram pegos de surpresa, e tiveram de permanecer com Hoey devido aos longos processos necessários para organizar a substituição de candidatos e líderes partidários regionais.

De acordo com Salter, o caso de Vauxhall é extremamente complexo, porque ao mesmo tempo em que o distrito quer votar nos trabalhistas, também quer relações próximas com os europeus e talvez um segundo referendo. “Vauxhall se vê diante de uma representante trabalhista totalmente a favor do Brexit de Theresa May. Eles são o melhor exemplo desta disputa do que é mais importante: a sua posição no Brexit ou suas predisposições políticas”, disse.

Propondo um segundo referendo, no qual a população poderá decidir a maneira que se dará a saída da UE, os Democratas Liberais se tornaram a grande alternativa para muitos eleitores descontentes com seus candidatos habituais. Em sua campanha, os Lib-Dems têm travado uma luta contra parlamentares pró-Brexit, principalmente em distritos que votaram pela permanência no bloco. E a região de Hoey é uma de suas grandes apostas nesta quinta-feira. O pequeno partido pretende ganhar pelo menos alguns assentos a mais nestas eleições e conta com o apoio de organizações anti-Brexit como a Open Britain, a European Movement e a Britain for Europe, que enxergam nesse conflito entre parlamentares e distritos uma oportunidade de mudança.

O objetivo final não é a liderança nacional, mas impedir a eleição de uma maioria parlamentar a favor de uma saída rígida do bloco europeu. Apesar disso, o cenário é tão complexo que a tática dos Lib-Dems vem sendo questionada: segundo dados da YouGov, desde abril a intenção de voto no partido caiu de 12 para 9%.

As eleições gerais, previstas para 2020, foram lançadas em abril para aproveitar um momento de grande popularidade de Theresa May e seus conservadores. No dia seguinte ao anúncio da primeira ministra, as pesquisas de intenção de voto apontavam a vitória incontestável dos Tories com 48% dos votos, contra apenas 24% para os Trabalhistas. Ao convocar o pleito, May ambicionava eleger uma maioria esmagadora de conservadores no parlamento afim de evitar uma oposição que se colocasse entre seus planos de governo e de saída do bloco europeu.

A manobra política faz água a cada dia. As margens de diferença entre Trabalhistas e Conservadores estão cada vez mais estreitas nas enquetes, chegando neste final de semana a somente 1 ponto percentual, de acordo com uma pesquisa do instituto Survation. Outras pesquisas, como do instituto YouGov, dão quatro pontos percentuais. O grande problema é entender o que este parlamento, ainda mais dividido, significará para as negociações do Brexit. Com as opiniões de líderes e eleitores divergindo até nos próprios partidos, o futuro do Reino Unido, fora da União Europeia, continua um mistério.

Hoey continua defendendo o Brexit. Mas, para recuperar parte da credibilidade perdida, jura de pés juntos que nunca concordou com as políticas de Farage. “Se alguém for fotografado ao lado de Idi-Amin [ditador da Libéria], isso não significa que ela é favorável a ele”, afirmou recentemente. O futuro de Hoey é tão incerto quanto o do Reino Unido.

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