ONU: "O sr. Ghosn foi detido em condições que provavelmente o obrigariam a fazer declarações que o implicassem, o que viola seu direito à presunção de inocência" (AFP/AFP)
AFP
Publicado em 23 de novembro de 2020 às 15h29.
Última atualização em 23 de novembro de 2020 às 18h15.
A "privação de liberdade" do ex-magnata dos automóveis Carlos Ghosn no Japão foi "arbitrária", garante o Grupo de Trabalho da ONU sobre Detenção Arbitrária, que exige que o ex-chefe da Renault e da Nissan seja indenizado.
Esses especialistas independentes, que se reportam ao Conselho de Direitos Humanos, não falam em nome das Nações Unidas.
O governo japonês considerou esta opinião "totalmente inaceitável" e enfatizou que "não é juridicamente vinculativa".
Em sua opinião publicada em 20 de novembro, mas divulgada para a mídia apenas nesta segunda-feira, os especialistas concluem que "o processo de prisão e detenção do sr. Ghosn em quatro ocasiões foi fundamentalmente injusto, porque o impediu de recuperar sua liberdade e beneficiar de outros direitos a um julgamento justo, em particular o direito de se comunicar livremente com um advogado".
E acrescentam: as "violações do direito a um julgamento justo foram de tal gravidade que conferiram à detenção do sr. Ghosn um caráter arbitrário".
Além disso, sublinham, "o sr. Ghosn foi detido em condições que provavelmente o obrigariam a fazer declarações que o implicassem, o que viola seu direito à presunção de inocência".
Os especialistas da ONU enfatizam que sua opinião não está relacionada às acusações contra Ghosn no Japão, mas às condições sob as quais os processos foram conduzidos.
A este respeito, o Grupo de Trabalho da ONU é de opinião que "a privação de liberdade de Carlos Ghosn de 19 de novembro de 2018 a 5 de março de 2019 e de 4 a 25 de abril de 2019, em violação dos artigos 9, 10 e 11 da Declaração Universal dos Direitos Humanos e dos Artigos 9, 10 e 14 do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, foi arbitrária".
Observa, em particular, que as condições de fiança impostas a Ghosn "parecem ter sido excepcionalmente estritas, em particular a proibição, durante o segundo período de fiança, de qualquer contato com sua esposa, exceto por meio de seus advogados, sem prévia autorização do tribunal e por prazo indeterminado".
"Dadas todas as circunstâncias do caso, o remédio apropriado seria conceder ao sr. Ghosn o direito exequível à compensação e outras reparações, de acordo com o direito internacional", afirma.
Para os advogados de Ghosn, François Zimeray e Jessica Finelle, esta opinião "é uma decisão corajosa que constitui um ponto de inflexão decisivo", e que "estabelece irrefutavelmente o que denunciamos sobre a prisão do sr. Ghosn: detenção arbitrária, negação de seu direito a uma justiça imparcial, um tratamento indigno e degradante".
O Grupo de Trabalho insta o governo japonês a garantir "uma investigação completa e independente das circunstâncias que cercam a detenção arbitrária do sr. Ghosn e a tomar as medidas cabíveis contra os responsáveis pela violação de seus direitos".
Os especialistas, que trabalharam em elementos fornecidos por uma "fonte" não identificada, pedem a esta e ao governo japonês que lhes informem sobre as medidas tomadas, em particular no que se refere à indenização, em um período de seis meses.
O ex-chefe da fabricante de automóveis Renault-Nissan-Mitsubishi Motors foi preso em 19 de novembro de 2018 quando desembarcou em Tóquio, sob a suspeita de não ter declarado grande parte de sua renda às autoridades do mercado de ações entre 2010 e 2015.
Em 5 de março de 2019, um juiz japonês aceitou sua libertação sob fiança, com proibição de deixar o Japão, mas algumas semanas depois, em 4 de abril, ele foi preso novamente, acusado de usar 5 milhões de dólares para benefício pessoal antes de ser libertado sob fiança em 25 de abril.
Carlos Ghosn, que nega as acusações, chegou a Beirute no dia 30 de dezembro após fuga do Japão, que ele teria deixado escondido em uma caixa de equipamento de música.