Itália: embora não seja possível comparar o referendo ao Brexit, "deve ser entendido como um pedido aos gritos por mudança" (Getty Images)
AFP
Publicado em 5 de dezembro de 2016 às 13h11.
Última atualização em 5 de dezembro de 2016 às 13h23.
A grande derrota de Matteo Renzi no referendo na Itália deste domingo sobre a reforma constitucional foi provocada por vários fatores, da antipatia pelo primeiro-ministro aos protestos contra a crise econômica, passando pela defesa da Constituição.
"A alta participação e o percentual elevado de eleitores que rejeitaram a reforma mostram que há um povo que deseja se rebelar", afirma Maurizio Molinari, do jornal La Stampa.
"O povo rebelde é formado pela classe média empobrecida, pelos jovens desempregados, por operários que sentem que estão ameaçados pela chegada dos migrantes e os trabalhadores com salário insuficiente para viver", explica Molinari.
"É o mesmo que foi favorável ao Brexit na Grã-Bretanha, que votou em Donald Trump nos Estados Unidos e que afora colocou em crise um dos países fundadores da União Europeia", afirma.
O site Natixis, de temas econômicos, afirma que, embora não seja possível comparar o referendo ao Brexit, "deve ser entendido como um pedido aos gritos por mudança".
"A questão econômica não foi um elemento neutro. Nos 100 distritos com índice de desemprego baixo, o sim venceu com 59%. Nos 100 distritos com maior desemprego o não recebeu 65,8%. O sul (região mais pobre da Itália) votou em peso pelo não", afirma o site.
Assim como em 2006, quando os italianos rejeitaram com 60% dos votos outra reforma da Constituição promovida por Silvio Berlusconi, muitos italianos expressaram que não querem alterar o complexo equilíbrio alcançado entre os poderes pela Constituição de 1948, um texto que muitos consideram sagrado, redigido em 1948, após a Segunda Guerra Mundial e os 20 anos de governo fascista, e que teve como objetivo evitar o surgimento de outro ditador como Benito Mussolini.
"Foi um patriotismo constitucional", afirma o editorialista Antonio Politi.
"A Constituição venceu contra a arrogância, a intimidação, a falta de respeito à soberania popular e aos direitos dos cidadãos", comentou Carlo Smuraglia, 93 anos.
A Constituição foi "escrita por pessoas iluminadas, não como os políticos de agora", disse Emanuela Carosi, vendedora de ovos em Roma.
A Constituição italiana contém uma série de garantias sociais e começa com uma frase que para alguns parece subversiva: "A Itália é uma República democrática fundada sobre o trabalho".
"Um referendo sobre um assunto complexo e técnico se transformou em ato político, em uma eleição política", disse Giovanni Orsini, professor de Ciências Políticas da Universidade Luiss de Roma.
"A personalidade de Renzi, sua arrogância, suscita antipatia", afirmou Antonio Noto, diretor do instituto de pesquisas IPR Marketing.
"Votaram contra o establishment, mas também contra seu estilo de governar" completou.
"Seus dois anos de governo foram um desastre. Fez apenas discursos", opinou a advogada Cecila Carrara à AFP