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Papa compara pedofilia com práticas antigas de sacrifício humano

Em reunião, o pontífice se comprometeu a combater todos os casos de abuso sexual na Igreja com a "máxima seriedade"

Papa: o pontífice disse que o abusador "é um instrumento de satanás" (CTV/Reuters)

Papa: o pontífice disse que o abusador "é um instrumento de satanás" (CTV/Reuters)

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AFP

Publicado em 24 de fevereiro de 2019 às 10h26.

Última atualização em 24 de fevereiro de 2019 às 10h31.

O papa Francisco se comprometeu neste domingo a combater todos os casos de abuso sexual na Igreja com a "máxima seriedade", no último dia da reunião histórica para debater a luta contra a pedofilia na instituição.

Em um longo discurso, o pontífice comparou a "praga" dos abusos sexuais de menores de idade com as práticas religiosas do passado de oferecer seres humanos em sacrifício e reconheceu que este é um problema "universal e transversal que infelizmente se observa em quase todas as partes".

"Gostaria de reafirmar com clareza: se na Igreja for descoberto um só caso de abuso - que por si só representa uma monstruosidade -, este caso será enfrentado com a máxima seriedade", declarou as líderes das 114 conferências episcopais de todo o mundo, secretários de congregações, bispos e cardeais reunidos na Sala Regia do Vaticano.

O pontífice, que ao abrir na quinta-feira os três dias de debates prometeu "medidas concretas e eficazes", anunciou que a Igreja se compromete a aplicar as estratégias das organizações internacionais, incluindo a ONU e a Organização Mundial da Saúde, para erradicar a pedofilia "da face da Terra".

O pontífice disse que o abusador "é um instrumento de satanás", antes de recordar que a Igreja está diante de uma manifestação do mal "descarada, destrutiva e agressiva".

"Não se pode, portanto, compreender o fenômeno dos abusos sexuais contra menores sem levar em consideração o poder, p quanto estes abusos são sempre a consequência do abuso de poder, aproveitando uma posição de inferioridade do indefeso abusado", afirmou.

"O abuso de poder está presente em outras formas de abuso dos quais são vítimas quase 85 milhões de crianças, esquecidas por todos: os meninos soldados, os menores prostituídos, as crianças desnutridas, as crianças sequestradas e frequentemente vítimas do monstruoso comércio de órgãos humanos, ou também transformados em escravos, as crianças vítimas da guerra, os menores refugiados, as crianças abortadas e assim sucessivamente", disse o pontífice.

"Diante de tanta crueldade, diante de todo este sacrifício idolátrico de crianças ao deus do poder, do dinheiro, do orgulho, da soberba, não bastam meras explicações empíricas, estas não são capazes de nos fazer compreender a amplitude e a profundidade do drama", admitiu.

"Vamos adotar todas as medidas possíveis para que tais crimes não se repitam. Que a Igreja volte a ser crível e confiável", afirmou uma hora depois, durante o Angelus na praça de São Pedro.

Também disse que a Igreja pretende colaborar com a justiça de todos os países, "sem acobertar ou subestimar".

O discurso foi mal recebido por algumas vítimas presentes em Roma, que esperavam uma resposta mais contundente.

"Apenas bla, bla, bla. Tudo culpa do diabo. Não me surpreende, me decepciona", declarou o suíço Jean Marie Furbringer, de uma associação de vítimas.

Durante a reunião inédita, a cúpula da Igreja fez um mea culpa e admitiu os próprios erros depois de acobertar o fenômeno durante décadas.

Apesar da falta de previsão de um documento final, o papa enumerou os pontos essenciais da luta contra a pedofilia: seriedade impecável, verdadeira purificação, formação, reforçar diretrizes das conferências episcopais, acompanhar as pessoas abusadas, atenção ao mundo digital e combater o turismo sexual.

Durante a conferência, muitos bispos que discursaram admitiram a necessidade de estabelecer um código de conduta obrigatório que inclua informar a justiça de cada país.

Também pediram o aumento do nível de formação, capacitação e seleção dos seminaristas, assim como o acesso a profissionais especializados, inclusive laicos, como psicólogos e assistentes sociais, para detectar os abusos.

Horror e dor

O encontro, o primeiro sobre o tema organizado na história da Igreja, foi marcado pelas histórias de horror e dor narradas a cada dia por algumas vítimas de abusos ante os líderes católicos, reunidos na Sala do Sínodo do Vaticano.

Relatos dramáticos que abalaram as consciências dos bispos.

"Aprendi a conviver dom duas vidas. Eu posso e devo estar aqui. Isto me dá valor", afirmou no sábado, com a voz entrecortada, um jovem violinista chileno que mora no Kuwait e interpretou uma peça de Bach.

O influente cardeal alemão Reinhard Marx, um dos religiosos mais próximos ao papa, admitiu no sábado que arquivos sobre autores de abusos sexuais foram destruídos ou nem chegaram a ser criados.

A surpreendente admissão pública provocou a reação da associação internacional contra a pedofilia ECA (Ending Clerical Abuse), que considerou a destruição "ilegal" e exigiu uma investigação.

O inimigo está dentro

Este é o maior desafio enfrentado por Francisco, que em seis anos de pontificado viu diversos escândalos nos Estados Unidos, Austrália e, sobretudo, Chile, onde sua visita foi ofuscada pelo tema.

"Temos que reconhecer que o inimigo está dentro da igreja", afirmou o cardeal colombiano Rubén Salazar, presidente da Conferência Episcopal Latino-Americana (Celam).

"O dano causado é tão profundo, a dor infligida é tão profunda, as consequências dos abusos que aconteceram na igreja são tão imensos que nunca poderemos dizer que fizemos todo o possível", completou.

Consciente das elevadas expectativas da reunião, o papa advertiu que "o problema do abuso continuará" e que a batalha está apenas no começo.

Paralelamente, um encontro com dezenas de vítimas de todos os continentes celebrou conferências, reuniões e uma passeata em Roma para exigir a punição tanto dos abusadores como daqueles que acobertaram os crimes, ao mesmo tempo que recordaram todos os pontífices que se recusaram a ouvir as vítimas.

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