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O Paraguai e as voltas do Mercosul

Lourival Sant’Anna Os destinos do Paraguai e da Venezuela voltam a se cruzar no Mercosul. Menos de cinco anos depois da suspensão do Paraguai por causa do impeachment do então presidente Fernando Lugo e da concomitante entrada da Venezuela pela porta dos fundos, a liderança do Brasil no Mercosul e os critérios da aplicação da […]

PARAGUAIOS CONTRA A REELEIÇÃO: os destinos do Paraguai e da Venezuela voltam a se cruzar no Mercosul / Jorge Adorno/ Reuters
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Da Redação

Publicado em 4 de abril de 2017 às 11h29.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às 17h56.

Lourival Sant’Anna

Os destinos do Paraguai e da Venezuela voltam a se cruzar no Mercosul. Menos de cinco anos depois da suspensão do Paraguai por causa do impeachment do então presidente Fernando Lugo e da concomitante entrada da Venezuela pela porta dos fundos, a liderança do Brasil no Mercosul e os critérios da aplicação da Cláusula Democrática do bloco são colocadas à prova mais uma vez. Só que agora, sob nova administração no Brasil, no Paraguai e na Argentina (na Venezuela a alternância de poder é um pouco mais rara).

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Na sexta-feira, 25 dos 45 senadores paraguaios aprovaram a possibilidade de reeleição presidencial, mexendo no que, simbolicamente, representa uma “cláusula pétrea” da Constituição do país de 1992, que proíbe a reeleição do presidente e de seus familiares até o quarto grau de parentesco e segundo de afinidade. A barreira é uma resposta ao trauma da ditadura do general Alfredo Stroessner (de 1954 a 1989), durante a qual a possibilidade de reeleições era ilimitada. Os paraguaios concluíram que a tentação de um governante se perpetuar no poder não vale qualquer eventual benefício trazido pelo instituto da reeleição, e o tema se tornou um tabu no país.

Não ajudou na sexta-feira o fato de a votação ter sido realizada em um gabinete, e não no plenário do Senado, para escondê-la do presidente da Casa, Roberto Acevedo, do Partido Liberal Radical Autêntico (PLRA), de oposição. A manobra tosca teve o apoio da Frente Guasú, do ex-bispo Lugo, líder da oposição de esquerda, que se beneficiaria por ela, já que nem ex-presidentes podem concorrer à reeleição. O Partido Colorado, do governo (o mesmo de Stroessner), pretendia já no dia seguinte, sábado, levar a emenda a votação na Câmara, onde tem maioria. Depois disso, ela ainda teria de ser submetida a referendo.

Ao saber da aprovação da emenda, cerca de mil manifestantes, convocados pelo PLRA, foram para a Plaza de Armas, onde ficam as duas Casas do Congresso. Um grupo invadiu o Senado e ateou fogo no Salão Principal. Outros ergueram barricadas no centro de Assunção. Na repressão ao protesto, a Polícia Nacional invadiu a sede do PLRA (situada a um quilômetro e meio do epicentro dos distúrbios) e matou com um tiro um líder da Juventude Liberal do partido, Roberto Quintana, de 25 anos. Cerca de 30 pessoas ficaram feridas e 200 foram presas. Depois de dispersar, os manifestantes mantiveram tendas na praça, colhendo assinaturas para um abaixo-assinado contra a reeleição. Numa das tendas, um grupo transmite pelas redes sociais seu relato do que se passa, afirmando que “a mídia é controlada” pelo governo.

O papa Francisco fez um apelo pelo fim da violência no Paraguai e na Venezuela (onde a oposição convocou manifestações contra o fechamento da Assembleia Nacional pelo Tribunal Supremo de Justiça, na quinta-feira 30). Em um país profundamente católico, o apelo teve peso. O presidente Horacio Cartes, um grande empresário acusado de contrabando de cigarros para o Brasil, no poder desde 2013, e que quer candidatar-se de novo na eleição presidencial do ano que vem, pediu uma reunião ampla, com a participação da oposição e da Igreja Católica.

Mas na residência oficial do presidente, chamada Mburuvicharoga (“casa do chefe”, em guarani) compareceram apenas aliados do governo. Efraín Alegre, líder do PLRA — que tinha chances de vencer a eleição do ano que vem, com Cartes e Lugo fora do páreo — preferiu ir à representação da Organização dos Estados Americanos em Assunção, formalizar uma queixa contra o governo.

Alegre enumerou suas condições para participar do diálogo: “É preciso restabelecer a ordem institucional no Senado, retirar essa emenda que é um atropelo e foi apresentada na clandestinidade”. Ele exigiu ainda a punição dos comandantes responsáveis pela operação que culminou na morte de Quintana. O presidente destituiu no sábado o ministro do Interior, Tadeo Rojas, e o comandante da Polícia Nacional, Críspulo Sotel.

O Ministério das Relações Exteriores em Brasília emitiu uma nota bastante econômica nesta segunda-feira: “O governo brasileiro lamenta o episódio de violência que resultou na morte de um jovem líder político e manifesta sua confiança nas medidas já tomadas pelo presidente Horacio Cartes para a apuração das responsabilidades no caso”.

Do outro lado do espectro ideológico, o presidente venezuelano, Nicolás Maduro, criticou os países do Mercosul por não mencionarem o caso do Paraguai na reunião dos chanceleres do bloco em Buenos Aires, no qual ativaram a Cláusula Democrática contra a Venezuela. “Não disseram nada (sobre o Paraguai) os chanceleres da Tríplice Aliança”, queixou-se o presidente no domingo, em seu programa Contato com Maduro, usando o termo pejorativo que cunhou para se referir ao Brasil, Argentina e Paraguai, que remete à Guerra do Paraguai (1864-1870), quando Brasil, Argentina e Uruguai se juntaram para derrotar o Paraguai.

“Estou seguro de que vamos derrotá-los moral, política e institucionalmente, porque ninguém tira a Venezuela do Mercosul. Somos do Mercosul e continuaremos sendo”, desafiou Maduro. “Agora a Tríplice Aliança ideológica da direita sul-americana que deu golpe de Estado no Brasil, fracassou no governo na Argentina e deu golpe de Estado no Paraguai se voltou contra nós.”

Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai, membros fundadores do Mercosul, suspenderam a Venezuela do bloco em dezembro, sob acusação de violar a Cláusula Democrática e de não aderir às suas normas comerciais. Na reunião de domingo em Buenos Aires, os chanceles do bloco voltaram a acenar com a Cláusula, apontado a “falta de separação de Poderes” e “ruptura da ordem democrática”. Na quinta-feira 30, o Tribunal Supremo de Justiça, controlado pelo regime, assumiu as funções da Assembleia Nacional, de maioria oposicionista. O governo Maduro depois voltou atrás e reabriu o Parlamento. Segundo explicou a chanceler argentina, Susana Malcorra, o acionamento da Cláusula não significa a expulsão do país, e sim “o acompanhamento da situação, em busca de soluções pela via do diálogo”.

O imbroglio é uma espécie de “jogo de volta” daquele disputado em 2012. Com mando de campo trocado. Na época, sob a liderança das presidentes Dilma Rousseff no Brasil e Cristina Kirchner na Argentina, o Paraguai foi suspenso por causa do impeachment de Lugo, esquerdista como elas, por 39 votos a 4 no Senado, sob acusação de responsabilidade pela morte de 6 policiais e 11 sem-terra em um confronto.

O Paraguai era o empecilho para o ingresso da Venezuela no Mercosul, porque o seu Senado, dominado pelo Partido Colorado e pelo PLRA, ambos de centro-direita, não o referendara. Em reunião de cúpula sem a presença do Paraguai, o Mercosul aprovou a entrada da Venezuela. A eleição de Cartes em 2013 permitiu a volta do Paraguai ao bloco. No ano passado, o Paraguai se vingou, votando a suspensão da Venezuela, junto com os outros três fundadores do bloco.

Em 1996, o então presidente Fernando Henrique Cardoso ameaçou expulsar o Paraguai do Mercosul se o general Lino César Oviedo levasse adiante seu plano de derrubar o presidente Juan Carlos Wasmosy, que o destituíra do comando do Exército. Dois anos depois, a Cláusula Democrática era criada, como forma de respaldar esse tipo de pressão. Na tumultuada América do Sul, ela tem sido mais um bumerangue do que uma flecha.

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