Milícias americanas: "A pessoa típica no movimento de milícias é um branco de classe trabalhadora" (Justin Ide/Reuters)
AFP
Publicado em 17 de agosto de 2017 às 18h12.
A cada mês, Chris Hill se reúne com os amigos durante um fim de semana em uma floresta remota na Geórgia, no coração do sul dos Estados Unidos.
A intenção é acampar, comer carne grelhada e ensaiar ataques com fuzis semiautomáticos, no caso de o governo tentar tirar as suas armas.
Usando uniformes e com armamento militar, cerca de 20 milicianos da "Georgia Security Force", sob um forte calor, patrulham em equipe pela floresta e atiram munições letais durante um ataque a uma casa falsa.
"Estou preparado para a guerra civil, conflitos civis, um ataque nuclear da Coreia do Norte, da Rússia, uma invasão estrangeira ou no caso de o meu próprio governo apontar suas armas contra o povo com o objetivo de desarmá-lo", conta Hill, de 42 anos, que prefere o apelido de "Bloodagent" quando lidera esta equipe que criou em 2008.
A de Hill é uma de um estimado de 165 milícias armadas contra o governo e que operam atualmente nos Estados Unidos.
Não é um movimento homogêneo, mas estão unidas principalmente por um profundo receio com o governo, um forte criado nas liberdades individuais como o direito ao porte de armas - previsto na Constituição - e desde a última campanha presidencial, uma afinidade com o presidente Donald Trump.
As bandeiras da luta confederada e símbolos polêmicos associados ao racismo no sul adornam o acampamento, assim como bandeiras pretas.
Rooster e Yvette Di Maria, um casal proveniente do estado da Carolina do Sul, equipados com o último modelo de um carro reboque, com uniformes militares e fortemente armados, encontraram nesta milícia uma "família".
Para Rooster, o atrativo do grupo reside em "estar com mentes afins, que acreditam nas mesmas coisas, na Constituição, no Cristianismo, em fazer o certo e ter uma boa moral".
Sua esposa Yvette, única mulher na milícia neste fim de semana, mantém as unhas impecáveis enquanto atira com seu fuzil.
Os dois estavam desiludidos com a política até que Trump anunciou a sua candidatura, e Yvette disse que sentia frequentemente ridicularizada por pessoas que a acusavam de racista e homofóbica.
"Ao invés de ficar em casa e reclamar, sem fazer nada, decidi me unir a um movimento onde assumo abertamente quem eu sou", diz.
"Posso expressar a minha opinião, estou com pessoas que querem ouvi-la. Estou com pessoas que podem se identificar comigo. Sou uma esposa, uma mãe, uma patriota americana, uma cristã, uma empreendedora", acrescenta.
As milícias, que regularmente "fazem a segurança" nas manifestações, compareceram especialmente aos comícios de Trump, armadas, para contra-atacar qualquer protesto de grupos "antifascistas".
"A pessoa típica no movimento de milícias é um branco de classe trabalhadora, não são pobres, mas têm um emprego mal remunerado e são atraídos por Trump", explica Carol Gallagher, professora na American University de Washington.
Alguns são especialistas em sobrevivência ou promotores do direito - quase sacrossanto para muitos - de portar armas, enquanto outros defendem o legado confederado, tangenciando o supremacismo branco.
"Se olhar para a história dos Estados Unidos, estas milícias armadas existem desde o início e é explicada porque quando as pessoas [primeiros europeus] chegaram, não havia forças da polícia ou Exército estabelecidos, assim foram criando as próprias milícias para se proteger", diz Gallagher.
Mas hoje em dia são vistas como grupos extremistas pelo FBI e por associações civis.
Segundo o Southern Poverty Law Center (SPLC), organização que luta contra o extremismo, 623 grupos antigovernamentais operavam nos Estados Unidos em 2016.
A morte em Charlottesville, Virgínia, de uma ativista contra o racismo - que foi atropelada por um simpatizante neonazista - em uma manifestação de supremacistas brancos em 12 de agosto, trouxe à tona novamente este compêndio muito diverso de grupos, em algumas ocasiões armados e de ideologia ultraconservadora, às vezes xenofóbico e racista.
Hill preferiu não dizer se algum membro de sua milícia estava presente nessa manifestação.
No passado, as milícias antigovernamentais estiveram envolvidas em atos terroristas. Em 1995, Timothy McVeigh, antigo combatente de uma milícia, explodiu um edifício federal em Oklahoma City, matando 168 pessoas. O seu objetivo era incitar uma rebelião contra o governo.
Hill afirma que seleciona com cuidado os seus recrutas e que qualquer um que mostre algum indício do que considera radicalização será expulso.
No entanto, no seio da milícia, ideias que muitos considerariam um pensamento extremista são abertamente formuladas, em especial os ataques aos muçulmanos.
Aos 22 anos, Chandler Wolf, um ex-soldado, descreve o Islã como uma "perversa doença mental" que quer dominar os Estados Unidos.
Essas ideias valeram a "Georgia Security Force" ser incluída na categoria de organização extremista islamofóbica pelo SPLC.