Trump e Milei: apoio do norte-americano foi importante para presidente argentino entrar em 2026 com fôlego (Kevin Dietsch/AFP)
Repórter de internacional e economia
Publicado em 28 de dezembro de 2025 às 06h01.
Em um dos bailes da posse de Donald Trump como presidente dos Estados Unidos, em 20 de janeiro, Javier Milei estava sentado em uma mesa, esperando o novo presidente chegar. A todo momento, pessoas vinham tentar tirar fotos com ele e trocar algumas palavras. Nos momentos de silêncio, Milei parecia ter o olhar distante, talvez vislumbrando o ano difícil que teria à frente.
Ao longo de 2025, o líder argentino enfrentou diversas batalhas, e se saiu bem na maioria delas. Seu governo foi alvo de escândalos de corrupção, teve derrotas no Congresso e viu uma desvalorização acelerada do peso forçar os limites do modelo cambial adotado por seu governo.
Para complicar, este cenário desafiador ocorreu nas semanas anteriores às eleições de meio de mandato, realizadas em 26 de outubro. Uma derrota de seu partido na disputa poderia ter selado o fim das possibilidades de seu governo, mas Milei reagiu. E contou com Trump para isso.
Duas semanas antes da votação, ele fez mais uma viagem a Washington. Foi recebido na Casa Branca e recebeu endosso público de Trump.
Além de palavras, o americano liberou dinheiro: um acordo de swap cambial, na prática, disponibilizou US$ 20 bilhões para a Argentina, o que deu fôlego para o país conter a corrida cambial e, ao mesmo tempo, retomar a confiança do mercado.
Embalado por este apoio, Milei viu seu partido ser o grande vencedor das eleições e ampliar seu poder no Congresso. Ele reforçou a governabilidade, embora siga sem maioria. Na Câmara, o partido de Milei tem 95 de 257 assentos. No Senado, soma 21 de 72 cadeiras.
Em 2026, Milei tentará avançar uma agenda ambiciosa, com reformas em várias frentes, nas áreas trabalhista, penal e fiscal.
Para levar suas reformas adiante, Milei precisará moderar seu temperamento e adotar um perfil negociador que fomente alianças com os governadores, ávidos por recursos após dois anos de austeridade, avaliam analistas.
No campo fiscal, o governo impulsiona uma lei de "princípio de inocência" tributária, que eleva os limites que definem a evasão e encurta seu prazo de prescrição, e outra que proíbe orçamentos deficitários.
Também pretende endurecer o Código Penal frente ao crime e aos protestos.
O projeto de reforma trabalhista pretende flexibilizar as modalidades de contratação, redefinir o cálculo das indenizações e alterar o sistema de convênios coletivos. A iniciativa já teve o repúdio das centrais sindicais.
O governo impulsionará uma alteração na lei dos glaciares: Milei sustenta que as áreas de proteção "não estão bem definidas" e propõe que cada província determine a superfície a ser preservada, a fim de incentivar a mineração.
Organizações ambientalistas e comunidades locais já antecipam resistências a qualquer flexibilização dos limites atuais.
"A via para avançar em algumas reformas está bem nivelada porque há disposição de governadores da oposição para chegar a um acordo", disse à AFP Sergio Morresi, doutor em Ciências Políticas pela Universidade de São Paulo e acadêmico da Universidade Nacional do Litoral argentina.
A crise da oposição, que segue buscando culpados para a derrota eleitoral, facilitou a vida de Milei. "Até que sejam resolvidas as questões internas dentro do peronismo, é improvável que se possa reforçar a oposição", prosseguiu Morresi.
O especialista pondera, no entanto, que a fortaleza política de Milei depende da estabilidade econômica, e essa estabilidade, por sua vez, depende dos sinais de apoio dos Estados Unidos.
O cenário para Milei ainda é marcado por diversos desafios na economia. A inflação, após ter cedido muito nos últimos dois anos, tem ficado acima dos 2% mensais. Além disso, há mais de US$ 10 bilhões (R$ 54,5 bilhões) em pagamentos a honrar em 2026.
Em 2026, seu governo adotará novas regras para o câmbio, que opera em regime de bandas de flutuação.
Essas bandas serão ajustadas mensalmente de acordo com a inflação do mês anterior, em vez de seguir o ritmo fixo de 1% como é atualmente. Em novembro, os preços subiram 2,5%, o que significa que as bandas podem ser ampliadas a um ritmo mais acelerado no curto prazo.
O Banco Central também iniciará um programa para acumular reservas internacionais, com a meta de comprar US$ 10 bilhões no próximo ano, valor que pode ser ajustado conforme a demanda por moeda.
O BC diz que a compra de reservas será parte de um esforço mais amplo para estabilizar a economia.
No próximo ano, o mercado estará atento aos novos movimentos da economia argentina e do governo Milei, que espera seguir contando com as portas abertas dos salões de Washington para avançar com seus planos.
Com AFP.