Mais uma no Líbano: tribunal não vê dedo do Hezbollah na morte de premiê
O ex-premiê Rafik Hariri foi morto em 2005, em episódio que marcou o Líbano e aprofundou a crise interna. Julgamento da ONU se arrastava por anos
Carolina Riveira
Publicado em 18 de agosto de 2020 às 09h33.
Última atualização em 18 de agosto de 2020 às 10h16.
Em meio à crise no Líbano , um caso antigo volta à tona. Um tribunal da Organização das Nações Unidas ( ONU ) disse nesta terça-feira, 18, disse que não há evidência de que as lideranças do Hezbollah ou da Síria estejam envolvidas no assassinato do ex-premiê Rafik al-Hariri.
Hariri, milionário muçulmano e sunita e que se tornou uma das figuras mais importantes do Líbano, foi morto em fevereiro 2005 após a explosão de uma bomba em um carro em Beirute.
Seu filho, Saad Hariri, também foi premiê de 2009 a 2011 e novamente de 2016 a este ano, quando renunciou por protestos que varreram o Líbano diante da crise econômica -- intensificada justamente diante das disputas políticas após a morte do pai.
O Hezbollah vem negando nos últimos anos participação no bombardeio que matou Hariri. O julgamento parou o Líbano e está sendo transmitido ao vivo pelas principais redes de televisão do país, mas não foi ao ar na Síria ou nas emissoras aliadas ao Hezbollah.
A morte de Hariri foi vista como um duro golpe para a população do Líbano. Na ocasião, seu assassinato reduziu o poder dos sunitas e ampliou a influência política dos xiitas, grupo muçulmano rival dos sunitas e da mesma linha do Hezbollah.
Empresário do ramo da construção civil, Hariri tinha fortes laços com o governo da Arábia Saudita por ter construído obras no país a partir dos anos 1970. Nos anos seguintes, Hariri acumularia uma grande fortuna com obras para os sauditas e busca de investimentos para o Líbano. Seu império foi além da construção civil e incluiu mais tarde petróleo, bancos, indústrias e telecomunicações.
Na década de 1980, após a guerra civil, Hariri também foi um dos principais responsáveis pela reconstrução da capital Beirute por meio das obras de suas empreiteiras.
O julgamento do caso Hariri deveria ter acontecido no começo do mês, mas foi adiado após a explosão que matou ao menos 178 pessoas. O caso aprofundou a crise no Líbano e fez o governo atual renunciar.
No julgamento de hoje, o tribunal da ONU apontou que embora acredite que "Síria e Hezbollah talvez tenham tido motivos para eliminar o Sr. Hariri e seus aliados políticos, contudo, não há evidência que a liderança do Hezbollah teve qualquer envolvimento com o assassinato do Sr. Hariri e não há evidência direta do envolvimento da Síria", disse o juíz David Re ao ler a decisão da corte, segundo a agência Reuters.
O caminhão-bomba que matou Hariri em 2005 tirou também a vida de outras 21 pessoas e deixou 226 feridos.
Quatro suspeitos, ligados ao Hezbollah, eram o centro do julgamento desta terça-feira, que se arrasta há mais de cinco anos. O juiz que leu a conclusão do caso diz que as evidências encontradas nos celulares dos julgados eram "quase inteiramente circustanciais" -- o juiz também explicou que, por criptografia das ferramentas, não têm acesso às mensagens na íntegra, apenas a metadados.
Crise política no Líbano
Após a explosão em Beirute neste mês, protestos massivos tomaram conta das ruas do Líbano e levaram à renúncia do governo do premiê Hassan Diab. O Líbano ainda não tem um novo primeiro-ministro.
Diab, aliás, havia chegado ao cargo poucos meses antes após a renúncia de Saad Hariri, o filho de Rafik. Saad Hariri renunciou também em meio a protestos no país, meses antes da explosão. Naquela ocasião, os protestos aconteceram diante da grave crise econômica que vive o Líbano nos últimos anos.
As estimativas apontam que a economia do Líbano deve encolher 12% neste ano. Caso as previsões se confirmem, será um dos piores resultados desde a guerra civil (1975-1990), marcada por conflitos entre libaneses de diferentes religiões e invasões territoriais de Israel .
O conflito com Israel também oficializou uma divisão de poder que perdura até hoje no Líbano. Ficou definido que o presidente seria sempre cristão, o primeiro-ministro, um muçulmano sunita (a corrente majoritária do islã, como os Hariri), e o porta-voz, um muçulmano xiita.