O governo Trump adotou uma medida para processar todos os imigrantes que cruzaram a fronteira ilegalmente (Daniel Becerril/Reuters)
AFP
Publicado em 19 de julho de 2018 às 15h43.
Última atualização em 19 de julho de 2018 às 15h48.
Otilia Asig-Putul fica com a voz embargada quando recorda os intermináveis 45 dias em que esteve separada de seu filho.
O pesadelo começou quando ela entrou nos Estados Unidos pela fronteira com o México para pedir asilo, em meio a uma política de "tolerância zero" impulsada pelo presidente americano, Donald Trump.
Vinha de uma viagem longa e cansativa a partir da Cidade da Guatemala, de onde saiu de mãos dadas com 'Geremy', como identifica seu filho de 11 anos, e um sobrinho.
Deixou para trás seus outros três filhos: um de 10 anos, uma menina de seis e o caçula, de quatro. Separou-se de seu marido, que parou de lhe dar dinheiro, e para conseguir manter seus filhos decidiu emigrar aos Estados Unidos.
Não deu muitos detalhes da viagem, apenas que vieram com outras famílias - não na polêmica caravana migrante, esclareceu - e que receberam a ajuda de "um rapaz".
No posto de fronteira de San Luis, Arizona, se entregaram às autoridades, o primeiro passo para um asilo.
Era um dia quente de maio, tanto Otilia como 'Geremy' lembram bem. Os oficiais de imigração os colocaram em um carro com as janelas fechadas.
"Quente, quente. Não sabia o que fazer, comecei a chorar", disse à AFP esta mulher de 31 anos em uma entrevista telefônica.
Foram as primeiras lágrimas de muitas que derramaria neste processo, que ainda não terminou.
Quando chegaram aos Estados Unidos, o governo começava a implementação de uma política - suspensa semanas depois ante a pressão local e internacional - de processar todos os imigrantes que cruzaram a fronteira ilegalmente e separar crianças de seus pais.
"Nunca imaginei que isso ia acontecer", expressou esta dona de casa, que ficou a dois anos de terminar sua faculdade de contabilidade. "Se eu soubesse que isto estava acontecendo, não teria vindo, como vou pôr em risco a vida do meu filho?".
Daquele carro que parecia um forno, Otilia, 'Geremy' e o sobrinho foram levados à "geladeira", como muitos imigrantes chamam a prisão onde são colocados pelas autoridades federais.
"Nos deixaram três dias com muito frio, no chão, e não nos davam nada", indicou. "Os agentes zombavam de nós em inglês".
Há uma imagem que 'Geremy' tem gravada na memória daqueles primeiros dias em cativeiro: levaram sua mãe "acorrentada nos pés, mãos e cintura".
"Me senti muito mal, comecei a chorar", contou o menino.
Foi pior quando o oficial de imigração disse a Otilia: "Se despeça de seu filho". "Ele também estava chorando, e assim nos despedimos".
Ela foi ao centro de detenção de Eloy, no próprio Arizona, enquanto ele foi levado a Chicago, a 2.800 km.
"Eu não sabia o que fazer, imagina se me deportassem, como ia saber onde estava meu filho? Estava muito assustada".
'Geremy' foi atacado no abrigo por um menino de 14 anos, e teve de ir ao hospital, com um ferimento na cabeça.
O escritório Nexus Derechos Humanos, que assumiu o caso, processou a instalação por "negligência".
"Minha trabalhadora social me tratava mal, não queria me ver", indicou o menino.
Com a ajuda de outras presas, Otilia conseguiu averiguar onde estava seu filho, e dois dias depois conseguiu falar com ele.
"Eu percebia que ele estava triste, mas se fazia de forte". A única coisa que eu lhe dizia é que não desanimasse, que tudo ia sair bem".
Saiu um mês depois sob fiança, 20.000 dólares que o Nexus pagou ao decidir representá-la pro bono. Isto lhe permite permanecer nos Estados Unidos até que seu asilo seja resolvido.
A empresa trabalha em cerca de 60 casos relacionados com esta política que em poucas semanas levou à separação de entre 2.500 e 3.000 crianças dos adultos com que cruzaram a fronteira.
Nexus ameaçou ir à justiça com Otilia, mas conseguiram que o menino fosse solto antes, no fim de junho.
Agora vivem na casa de uma tia paterna do menino em Miami Beach. Juntos e livres, pensam no futuro.
Preciso "conseguir trabalho, deixei meus três filhos lá e tenho que lutar por eles e brigar até o final", expressou Otilia, que espera que 'Geremy' "se prepare e tenha um futuro". "Que valha a pena, por tudo que passamos".