Exame Logo

Maconha impulsiona imóveis

David Gelles © 2017 New York Times News Service Quincy, Massachusetts – Junto a um parque industrial deste subúrbio ao sul de Boston, depois de um terreno com carros usados e uma fábrica de queijos fechada, fica um armazém muito movimentado, cercado de câmeras de segurança. Até recentemente, a estrutura de blocos de cimento abrigava […]

Maconha: plantação legalizada poderá servir como fonte para uso medicinal (Adam Glanzman/The New York Times)
DR

Da Redação

Publicado em 12 de abril de 2017 às 13h32.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h34.

David Gelles
© 2017 New York Times News Service

Quincy, Massachusetts – Junto a um parque industrial deste subúrbio ao sul de Boston, depois de um terreno com carros usados e uma fábrica de queijos fechada, fica um armazém muito movimentado, cercado de câmeras de segurança. Até recentemente, a estrutura de blocos de cimento abrigava uma floricultura atacadista, uma cortadora de granito e uma gráfica de telas. Hoje, é o lar de apenas um inquilino: uma operação de maconha medicinal chamada Ermont.

A maconha legalizada mexeu com as normas da sociedade, criou uma grande área cinza legal e gerou uma fonte lucrativa de receita tributária. Agora, está alterando também o mercado imobiliário.

Veja também

Nas mais de duas dezenas de estados que mudaram as leis para legalizar a maconha, fábricas, galpões e instalações de armazenamento estão sendo utilizadas para o cultivo e o processamento da planta e de produtos potentes de maconha. Shoppings de subúrbio e prédios antigos foram reformados para se transformar em lojas que vendem cigarros já enrolados e produtos comestíveis de cannabis.

E como o negócio da maconha tem uma bagagem extra, os proprietários estão cobrando um prêmio dos novos inquilinos do ramo. Em Quincy, a Ermont paga um preço acima do de mercado por um prédio de 3.345 metros quadrados que antes estava degradado.

“O senhorio sabia que estava sentado em uma mina de ouro”, conta Zach Harvey, um dos financiadores da Ermont.

Os agentes de negócios imobiliários comerciais dizem que nunca viram uma mudança tão rápida em tantos lugares ao mesmo tempo. De Monterey, na Califórnia, a Portland, no Maine, a nova indústria está remodelando bairros antes degradados e fazendo com que o valor das propriedades aumente rapidamente. Em algumas regiões de Denver, a média de aluguel para um armazém subiu mais de 50 por cento de 2010 a 2015, segundo relatórios da indústria. Na cidade em geral, já há cinco vezes mais lojas de produtos de maconha do que estandes de venda da Starbucks.

Até Wall Street está lucrando. Alguns meses atrás, um fundo de investimento imobiliário focado em alugar armazéns para produtores começou a negociar ações na Bolsa de Valores de Nova York.

O forte aumento nos preços das propriedades acompanha o mercado crescente de maconha legal. As vendas da cannabis legalizada alcançaram 6,7 bilhões de dólares nos Estados Unidos no ano passado e espera-se que atinjam 20 bilhões de dólares até 2021, segundo a Arcview Market Research.

“Esse é um segmento novo para o mercado de imóveis industrial e está sendo criado na nossa frente. É uma indústria imensa, que só cresce”, diz George M. Stone, ex-executivo do ramo de imóveis que agora se dedica ao negócio da maconha.

No entanto, existem preocupações latentes de que uma bolha imobiliária possa estar se formando. Hoje, milhões de dólares estão sendo gastos para tornar velhos galpões apropriados para o cultivo da cannabis. Os armazéns estão na moda por várias razões: são grandes o suficiente para o cultivo de milhares de pés, podem acomodar os controles climáticos, são privados e é relativamente fácil garantir sua segurança. Além disso, como ainda é ilegal transportar maconha entre os estados, ela precisa ser plantada na região em que é vendida.

Mas muitos executivos acreditam que, com o amadurecimento da indústria, os inquilinos e investidores que hoje gastam muito nesses projetos vão rapidamente descobrir que estão afundando. Em última análise, segundo essa teoria, com o desenvolvimento do negócio os produtores provavelmente procurarão estufas mais baratas. E, se houver um relaxamento nas leis federais sobre o transporte da cannabis, os dispensários em Boston podem em breve estar vendendo maconha cultivada nas estufas da Califórnia.

Há também a ameaça perene de que o governo federal, que ainda classifica a maconha como uma substância ilegal, possa passar a reprimir essa indústria crescente. O Procurado Geral dos Estados Unidos, Jeff Sessions, já expressou seu desdém pelo movimento de legalização.

Por enquanto, porém, essas preocupações estão sendo deixadas de lado pelo que parece uma oportunidade imperdível para todos os envolvidos: os donos dos prédios tem o poder de cobrar preços acima do mercado, os grupos imobiliários lucram alugando para os produtores e os produtores podem ganhar dinheiro suficiente para pagar os aluguéis mais altos.

A Ermont mudou-se para o prédio em Quincy em 2014, embora tenha começado a vender maconha para o público apenas no ano passado, quando a lei de Massachusetts entrou em vigor. Antes de abrir as portas, a empresa pagou o aluguel do armazém por dois anos e meio.

Durante esse período, reformou o local, gastando cerca de 4 milhões de dólares na instalação de sistemas de aquecimento, ventilação, ar condicionado, iluminação, gás e isolamento. As paredes foram derrubadas, e o térreo foi reconfigurado para acomodar várias salas grandes de cultivo, um espaço de venda e um laboratório que parece saído da série “Breaking Bad”, onde cientistas da casa destilam potentes óleos de cannabis.

“Foi uma renovação completa, incluindo o telhado e o acabamento do lado de fora. Sabíamos que seria muito caro. Mas esta não era apenas uma estufa qualquer”, conta Scottie Gordon, diretor de operações da Ermont.

Enquanto isso, Denver emergiu como a capital real da maconha dos Estados Unidos. Desde que o Colorado legalizou a cannabis para uso recreacional em 2012, centenas de lojas que vendem seus produtos abriram as portas e imensas operações de cultivo se estabeleceram na região. A venda de maconha legal chegou a US$ bilhão no estado no ano passado.

O impacto no mercado imobiliário local tem sido igualmente grande. De 2009 a 2014, 36 por cento dos novos inquilinos da indústria eram do negócio da maconha, segundo um relatório sobre a cidade feito pela companhia de imóveis comerciais CBRE Reserch. Quase 371.600 metros quadrados de espaço industrial estavam sendo usados para o cultivo em 2015, segundo o relatório, cerca de três por cento do espaço de galpões da cidade. A taxa de vagas em armazéns caiu de 7,5 por cento em 2010 para apenas 3,7 por cento em 2015.

A indústria se enraizou mais profundamente entre os decaídos armazéns no norte de Denver. Os prédios usados para o cultivo são fáceis de detectar – muitos se distinguem pelas luzes extras e câmeras de segurança. Mas “eu não teria nem que dizer isso”, brinca Brian Vicente, sócio da Vicente Sederberg, firma de advogados especializada em questões da cannabis. “Dá para sentir o cheiro.”

O aluguel de lojas também está aquecido. Em 2015, havia mais de 200 lojas de produtos de maconha em Denver, ocupando de espaços de alto nível a antigos postos de gasolina.

Mas a cidade com certeza não está sozinha. O crescimento se tornou suficientemente generalizado, e com lucros generosos, para atrair alguns dos mais importantes investidores imobiliários do país.

Apesar de mais da metade dos estados terem votado pela legalização da maconha de alguma maneira, ela ainda é ilegal em nível federal. Como resultado, todo o negócio de cannabis legal – que vale bilhões de dólares por ano – está baseado na suposição de que o governo federal não vai cumprir suas próprias leis. A administração Obama em grande parte deixou os estados resolverem, mas há sinais de que o governo Trump pode não ser tão permissivo.

A área cinza legal fez com que o financiamento dos projetos se tornasse um desafio. Como o governo federal considera a maconha ilegal, muitos bancos não fornecem hipotecas para os prédios usados pela indústria. Quando a Ermont alugou o espaço em Quincy, precisou pagar pelo custo que o proprietário teve para refinanciá-lo em um banco local que iria assumir o risco.

Qualquer aplicação mais estrita da lei pelo governo federal pode causar problemas imediatos nos investimentos imobiliários. Mas mesmo o movimento para legalizar a maconha em nível federal mudaria a economia imensamente. Poderia, por exemplo, permitir o comércio entre os estados, o que significa que a maconha plantada por um preço relativamente baixo na Califórnia poderia ser enviada para Massachusetts, onde o cultivo é muito mais caro, colocando os produtores da Costa Leste em risco.

Mesmo assim, os investidores estão avançando com planos ambiciosos de cultivar mais maconha, onde for possível. A oportunidade é grande demais para ser ignorada.

Acompanhe tudo sobre:Exame Hoje

Mais lidas

exame no whatsapp

Receba as noticias da Exame no seu WhatsApp

Inscreva-se

Mais de Mundo

Mais na Exame