Lá como cá: no Peru, governo e Congresso em conflito sobre reformas
Presidente Martín Vizcarra, vice que assumiu após denúncias de corrupção contra Pedro Pablo Kuczynski, tenta passar reforma política e anticorrupção
Da Redação
Publicado em 4 de junho de 2019 às 06h04.
Última atualização em 4 de junho de 2019 às 06h47.
Após ter todos os últimos quatro presidentes investigados por relações com a empreiteira brasileira Odebrecht , o Peru enfrenta nesta terça-feira, 4, outro capítulo de sua crise política.
O Congresso peruano, controlado pela oposição ao presidente Martín Vizcarra, vai discutir uma moção de confiança sobre reformas anticorrupção do governo. Segundo a Constituição peruana, o presidente tem o direito de dissolver o Congresso caso a moção seja rejeitada.
Uma moção de confiança tem como propósito verificar se o Parlamento confia no governo e se o governo detém maioria. O dispositivo é mais comum em países parlamentaristas do que presidencialistas como o Peru .
A convocação da moção é prova de que Vizcarra, sem conseguir avançar no Congresso, decidiu partir para o embate. O governo enviou, em abril, 12 projetos de lei para uma reforma política que vise combater a corrupção, incluindo medidas como revisão de foro privilegiado e financiamento dos partidos. Contudo, a oposição, comandada pelo partido de Keiko Fujimori (filha do ex-ditador Alberto Fujimori), tenta barrar as reformas por deter a maioria no Congresso.
Vizcarra está no cargo desde 2018, por ter sido vice na chapa do ex-presidente Pedro Pablo Kuczynski (o PPK). PPK, ex-funcionário do Banco Mundial, foi eleito em 2016 com um discurso pró-mercado, mas renunciou após ter sido gravado em vídeo recebendo propina.
Só a Odebrecht afirmou ter pago 29 milhões de dólares em propina no Peru entre 2005 e 2014 para obtenção de contratos, e todos os presidentes do período estão envolvidos, de esquerda ou de direita. Um deles, Alan García, se matou em abril ao saber que voltaria para a prisão.
Assim como no Brasil, os escândalos fizeram a população apoiar medidas anticorrupção. “As pessoas nas ruas apoiam o governo, sobretudo porque detestam o Congresso. Mas a porcentagem da população familiarizada com as reformas é minoritária”, diz Samuel Rotta, vice-diretor executivo da organização peruana Proética, braço da Transparência Internacional no Peru.
Uma pesquisa do jornal peruano El Comercio e do instituto Ipsos feita em maio mostrou que 67% dos peruanos não sabem sequer que o presidente enviou reformas ao Congresso. A mesma pesquisa mostra que a aprovação de Vizcarra é de 47% (menor que os 63% de janeiro).
Rotta explica que há controvérsias sobre a moção de confiança, mas afirma que, pessoalmente, acredita que o dispositivo é legal por estar na Constituição. Caso a moção seja negada, o presidente Vizcarra convocará novas eleições para completar seu mandato, que termina em julho de 2021. A julgar pelo sentimento anticorrupção da população peruana, ele pode ter apoio para tal.