Agência de notícias
Publicado em 24 de julho de 2024 às 07h14.
Os eleitores negros dos Estados Unidos, que ajudaram a levar Joe Biden à Casa Branca em 2020, têm sido historicamente o bloco eleitoral democrata mais confiável, e grande parte dos afro-americanos já prometeu apoio à vice-presidente Kamala Harris — depois de se mostrarem desiludidos com o partido nos últimos meses devido à economia e ao alto custo de vida do país.
Eleições EUA: Kamala tem 44% das intenções de voto e Trump, 42%, diz pesquisa Reuters/IpsosO ex-presidente Donald Trump tem dito em público que Kamala será um adversário ainda mais fácil de derrotar do que Biden, mas a onda de endossos à democrata — primeira mulher negra a ocupar a vice-presidência dos EUA — acendeu um alerta no Partido Republicano, que há meses investe na aproximação com o eleitorado negro, considerado crucial na disputa de novembro.
Em uma demonstração de entusiasmo com Kamala, mais de 44 mil mulheres negras, incluindo estrategistas e celebridades, participaram de uma reunião online no domingo, organizada pela Win With Black Women, uma rede interseccional de líderes negras. Juntas, arrecadaram mais de US$ 1,5 milhão para a campanha da democrata, poucas horas após Biden anunciar que deixaria a corrida.
No dia seguinte, uma convocação semelhante organizada pela Win With Black Men teve cerca de 45 mil participantes e arrecadou US$ 1,3 milhão para a campanha, segundo os organizadores
O endosso automático à candidatura de Kamala, porém, não foi unânime. Nesta terça-feira, o movimento Black Lives Matter (Vidas Negras Importam) pediu para que o novo candidato democrata seja eleito em uma votação primária.
“Após as primárias, em que milhões de eleitores negros participaram, depois de um desempenho ruim no debate, as elites do Partido Democrata e os doadores bilionários intimidaram Joe Biden a sair da disputa”, observou o grupo. “Agora, as elites do Partido Democrata e os doadores bilionários estão tentando manipular os eleitores negros ungindo Kamala Harris e um vice-presidente desconhecido como a nova chapa democrata sem uma votação primária do público.”
O Black Lives Matter (BLM) observou ainda que, embora o possível resultado de uma presidência de Harris possa ser histórico, “o processo para alcançá-lo deve estar alinhado com os verdadeiros valores democráticos”.
“Não temos ideia de qual é a posição de Kamala Harris em relação às questões, agora que ela assumiu o lugar de Joe Biden, e não temos ideia do histórico de seu possível vice-presidente porque ainda nem sabemos quem é”, acrescentou.
Para Shalomyah Bowers, do BLM, "não se trata de um ataque a Kamala Harris ou às mulheres negras, e neste momento não estamos questionando as qualificações ou capacidades de Kamala. Trata-se do processo de nomeação”.
Primeira mulher negra a servir como vice-presidente, vinda de uma família de origem indiana e 18 anos mais jovem que Trump, Kamala representa um desafio eleitoral tanto por sua origem, quanto por seus atributos. A campanha do republicano esperava que, em um cenário sem Kamala protagonista, as divisões entre o Partido Democrata se alargassem, com uma deserção da base de eleitores negros da legenda.
Uma pesquisa da AP-NORC Center for Public Affairs Research realizada antes do anúncio de Biden no domingo revelou que cerca de seis em cada 10 democratas acreditam que Kamala se sairia bem como presidente. Considerando todo o espectro político, a pesquisa mostrou que apenas três em cada 10 americanos acham que ela se sairia bem como presidente. No entanto, os negros têm maior probabilidade de ver Kamala de forma positiva.
A pauta identitária não é a única vantagem da vice-presidente em comparação a Biden (e ao próprio Trump). A entrada de Kamala no topo da chapa faz com que Trump perca uma de suas principais possibilidades de ataque contra a campanha adversária: a suposta incapacidade de Joe Biden de governar o país dado o seu declínio cognitivo — uma tese que se viu reforçada após as recentes gafes do atual presidente.
Alguns assessores de Trump dizem privadamente que Kamala pode ser melhor em transmitir certas mensagens do que Biden, particularmente sobre direitos ao aborto, uma questão que galvanizou os democratas nas eleições intermediárias de 2022. Consideram também que, como ex-promotora, ela pode ter argumentos contundentes sobre as acusações criminais de Trump, incluindo sua condenação em Manhattan por falsificar registros comerciais para ocultar o pagamento à ex-atriz pornô Stormy Daniels, em 2016.
O eleitorado negro dos EUA foi estimado pelo Pew Research Center em 34,4 milhões de pessoas, ou 14% do total no país, que tem maior peso justamente em alguns dos estados cruciais para se alcançar a maioria no Colégio Eleitoral, entre eles Geórgia (33% do total), Carolina do Norte (23%) e Michigan (14%).