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Javier Milei: o que pode levar a Argentina a eleger um candidato que diz ser contra todos

Ultraliberal, que teve 30% dos votos em primárias, promete medidas radicais e combater a elite para resolver problemas do país

Javier Milei: candidato discursou após a eleição em Buenos Aires (Alejandro Pagni/Getty Images)
Rafael Balago

Repórter de macroeconomia

Publicado em 14 de agosto de 2023 às 12h11.

Última atualização em 14 de agosto de 2023 às 16h18.

A história de um candidato que promete combater o sistema político para resolver os problemas do país se repete uma vez mais, agora na Argentina.

O deputado ultraliberal Javier Milei foi o mais votado nas eleições primárias do país neste domingo, 13, e ganhou força na disputa para a Presidência, cujo primeiro turno acontece em 22 de outubro.

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O partido de Milei, A Liberdade Avança,teve 30,04% dos votos. A coligação de centro-direita Juntos por el Cambio teve 28.27%, e a aliança governista e de esquerda Unión por la Patria somou 27,27%, segundo dados da apuração oficial, com 97,39% das urnas analisadas.

Milei se define como "anarcocapitalista": defende que o capitalismo funcione sem regulação do Estado. Ele defende mudanças radicais na Argentina, como adotar o dólar como moeda oficial, acabar com o Banco Central e "passar a motoserra" no Estado, para cortar gastos. Também já falou em reforma tributária para reduzir impostos, facilitar o porte de armas e permitir a compra e venda de órgãos humanos.

O discurso forte tem atraído argentinos cansados de um sistema político que não consegue resolver a crise econômica do país. Na última década, a oposição de centro-direita e governos de inspiração peronista se alternaram no poder, mas nenhum conseguiu conter a inflação, que supera 100% ao ano, e a disparada do dólar. Os dois fenômenos reduzem o poder de compra e aumentam a pobreza, que atinge 40% dos argentinos.

Em agosto de 2018, há cinco anos, um dólar comprava 30 pesos, na cotação oficial. Nesta segunda, 14, a moeda americana passou a valer 350 pesos. Na prática, no entanto, poucos argentinos conseguem essa taxa. O dólar blue, apelido da cotação informal da moeda, chegou na semana passada a 605 pesos.

Como comparação, no Brasil, um dólar valia R$ 4,10 em agosto de 2018 e hoje vale R$ 4,78.

Na manhã desta segunda (14), dia seguinte à eleição, o governo acelerou a desvalorização do peso. Na cotação oficial, a moeda local caiu 21,8% na abertura do mercado. O governo também deverá subir a taxa de juros, de 97% para 118%, segundo a Bloomberg.

Sem credibilidade internacional, o governo argentino tem poucas opções para manejar a crise. O país já pegou empréstimos com o FMI e busca agora renegociar as regras do acordo, em busca de mais vantagens.

Milei repete a receita da direita populista que deu certo nas urnas com Donald Trump e Jair Bolsonaro: culpar a elite política do pais e o "sistema" pelos problemas e prometer combatê-la, se mostrar como uma pessoa autêntica, que não tem medo de falar o que pensa, e prometer recuperar a força do homem comum. Ele diz na campanha que veio "despertar leões".

O vencedor das primárias é formado em economia, escreveu 11 livros, ficou conhecido por fazer comentários ácidos na TV e assumiu o primeiro mandato como deputado em 2021.

O fato de mesmo políticos tradicionais terem desistido do pleito, como os presidentes Cristina Kirchner e Mauricio Macri, e o atual mandatário, Alberto Fernández, ajudaram a abrir espaço para Milei.

Próximos passos da eleição na Argentina

A votação mostrou que cerca de 60% dos eleitores optaram por nomes da oposição ao governo, ante cerca de um terço que escolheram a chapa governista, que terá Sergio Massa, ministro da Economia, à frente.

Caso os resultados das primárias se repitam em outubro e os eleitores mantenham os votos nas mesmas coalizões,haveria segundo turno entre Milei e Patricia Bullrich, candidata de direita que aposta em uma retórica de ação firme na segurança pública, como construir mais prisões.

Mas, caso a esquerda se recupere durante a campanha e chegue ao segundo turno junto com Milei, a direita teria de escolher entre apoiar um nome peronista, seu rival histórico, ou Milei, que defende algumas bandeiras que interessam à direita, mas também a culpa pelos problemas.

Milei: vencedor na maioria das províncias

Milei foi o vencedor em 16 das 23 províncias argentinas, com mais força em Salta, Mendoza e San Luís. No entanto, cerca de 30% da população argentina vive em Buenos Aires, e em seus arredores. Na capital, a vitória foi da Juntos por el Cambio, de oposição ao governo, e na província de Buenos Aires venceu o partido governista, como ocorreu nos últimos pleitos.

Se vencer, Milei também terá de lidar com um problema que marcou os mandatos de Trump e Bolsonaro: a falta de uma base sólida no Congresso. Seu partido, A Liberdade Avança, tem hoje apenas três deputados na Câmara, que soma 257 assentos.

A Argentina já tentou medidas radicais contra a inflação antes. Nos anos 1990, adotou a paridade de um dólar por um peso --assim como o Brasil também faria com o real-- e os argentinos tiveram alguns anos de melhoria. No entanto, a conta veio depois, com uma forte crise em 2001, que levou o presidente Fernando de la Rúa a abandonar o cargo, em meio a enormes protestos.

Como funcionam as eleições argentinas

A Argentina tem um sistema de votação parecido com o do Brasil: há eleição presidencial em dois turnos. O primeiro será em 22 de outubro. Caso nenhum candidato supere 45% dos votos, ou 40% com mais de 10% à frente do segundo colocado, os dois mais votados disputam a etapa final, em 19 de novembro.

A diferença é a realização de primárias, feitas no domingo, 13: os partidos se unem em coalizões e os eleitores escolhem qual será o candidato de cada coalizão. Na votação, os eleitores escolhem uma coalizão e um candidato. O modelo foi pensado para reduzir o número de candidatos no primeiro turno, e serve também como termômetro real de como andam as intenções de voto dos argentinos.

O próximo presidente tomará posse em 10 de dezembro, para um mandato de quatro anos, até dezembro de 2027.

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