Linha de produção da vacina da AstraZeneca no Serum, na Índia: 140 milhões de doses a menos para a Covax em maio (AFP/AFP)
Carolina Riveira
Publicado em 18 de maio de 2021 às 18h12.
Última atualização em 18 de maio de 2021 às 18h14.
Outrora esperança do mundo para ampliar a fabricação de vacinas contra o coronavírus, a Índia se viu envolta em sua própria crise de mortes e casos por covid-19 e não deve voltar a exportar vacinas nos próximos meses.
O Instituto Serum, maior fabricante de vacinas do mundo e principal produtor na Índia, informou nesta terça-feira, 18, que o fornecimento de doses ao exterior seguirá interrompido e só deve ser retomado "por volta do fim do ano".
A interrupção inclui as remessas para a Covax, iniciativa da Organização Mundial da Saúde (OMS) cujo objetivo é ampliar a oferta de vacinas aos países mais pobres.
"Nós continuamos a aumentar a produção e priorizar a Índia", disse o Serum em comunicado assinado pelo presidente Adar Poonawalla e divulgado nesta terça-feira. "Esperamos começar a entregar para a Covax e outros países por volta do fim do ano."
A Índia interrompeu o fornecimento de doses para o exterior no fim de março, em meio ao aumento de casos e mortes por covid-19 no país, que tem 1,4 bilhão de habitantes.
O Serum tem acordo com a anglo-sueca AstraZeneca para produzir a vacina da farmacêutica, em parceria com a universidade de Oxford. O instituto também é parceiro da americana Novavax nos testes de sua vacina na Índia e poderá fabricá-la uma vez que seja aprovada.
A expectativa era que o laboratório fosse o principal fornecedor da Covax, e a paralisação das exportações é um duro golpe na iniciativa da OMS.
Em nota nesta semana, a Unicef, braço das Nações Unidas para a infância e também membro da Covax, disse que a situação na Índia deve levar um déficit de 140 milhões de doses na distribuição de vacinas da Covax só até o fim de maio, além de outras prováveis 50 milhões de doses a menos em junho.
“Entre as consequências globais da situação na Índia, um centro global para a produção de vacinas, está uma redução severa nas vacinas disponíveis para a Covax", disse a instituição em comunicado.
Internamente, o governo do premiê indiano, Narendra Modi, também têm sofrido críticas por exportar doses antes de vacinar a população e também por não ter comprado mais doses do Serum e por não ter ampliado a capacidade de produção do país.
No comunicado desta terça-feira, o Serum afirma que entregou mais de 200 milhões de doses da vacina contra a covid-19, mas que o desafio de vacinar a população indiana é gigantesco e não será resolvido "em 2 ou 3 meses".
"Nós gostaríamos de reiterar que nós nunca exportamos vacinas às custas do povo da Índia e que continumaos comprometidos a fazer todo o possível para apoiar o esforço de vacinação no país", diz o instituto no comunicado.
A Índia tem vacinado a uma velocidade de quase 2 milhões de doses por dia, taxa que chegou a se aproximar de 4 milhões de doses diárias em alguns momentos e chega a superar a velocidade de países bem-sucedidos na vacinação, como os EUA.
Apesar de a Índia ser, em números absolutos, o terceiro país com mais doses aplicadas (com 186 milhões de doses), o tamanho da população faz com que ainda muito mais doses sejam necessárias.
Quando a Índia paralisou as exportações em março, só 3% da população havia recebido ao menos a primeira dose de uma vacina, número que hoje subiu para cerca de 10%, segundo monitoramento do Our World In Data, da Universidade de Oxford, com base em dados oficiais.
O Brasil, o quarto a mais vacinar em números absolutos, aplicou número muito menor de doses, 39 milhões, mas chegou com isso a 18,5% da população vacinada com ao menos uma dose e 9% com a segunda dose, de acordo com o consórcio de imprensa.
A paralisação nas exportações da Índia afeta também o Brasil, ainda que eu menor escala. O Serum chegou a enviar diretamente quatro milhões de doses prontas da vacina da AstraZeneca ao país, incluindo um primeiro lote que foi usado para iniciar a imunização com esta vacina em território brasileiro, em janeiro.
Ao todo, a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) comprou 12 milhões de doses do Serum, mas as oito milhões restantes ainda não foram entregues.
A Fiocruz já havia confirmado anteriormente que recebeu uma carta do Instituto Serum informando sobre o atraso na importação das doses prontas. Neste mês, a fundação disse não haver previsão para receber as oito milhões de doses restantes do Serum.
O Brasil recebeu ainda mais de quatro milhões de doses prontas da AstraZeneca vindos da Covax, da qual o Serum também faz parte. O Brasil tem direito a receber progressivamente doses para imunizar 10% da população, ou cerca de 42 milhões de doses neste ano.
Fora as doses prontas, as demais unidades da AstraZeneca usadas no Brasil tem sido produzido pela Fiocruz com insumo importado da China. A previsão é chegar a 100 milhões de doses no primeiro semestre.