GILLES FERRAGU: “o terrorismo e o jihadismo vão continuar existindo enquanto o Oriente Médio continuar nesta situação” / Divulgação
Da Redação
Publicado em 22 de julho de 2016 às 17h54.
Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h43.
Camila Almeida
Bruxelas, Paris, Orlando, Nice – os alvos do Estado Islâmico vão se acumulando. Agora, o temor está com os cariocas durante os Jogos do Rio. O historiador Gilles Ferragu, professor das universidades Paris Ouest-Nanterre e Sciences Po, é autor do livro A História do Terrorismo e pesquisador da relação entre guerra e religião e do terrorismo contemporâneo. Para o especialista, o Estado Islâmico está perdendo força, mas o terrorismo vai continuar a existir enquanto a crise econômica e política. Em entrevista a EXAME Hoje, o historiador falou sobre a relação entre os atentados de 11 de setembro e os mais recentes, das origens dos conflitos entre Ocidente e Oriente, de estratégias de combate ao terrorismo e dos riscos de atentados nas Olimpíadas.
O Brasil é um país sem tradição de envolvimento em conflitos. Mas será sede das Olimpíadas. Há riscos reais de ataques?
O terrorismo se alimenta de ações espetaculares, de mídia e de palco. Um evento como as Olimpíadas é muito favorável para dar eco global para um ataque. Basta lembrar dos Jogos Olímpicos de Munique, em 1972, e a tomada de reféns para entender os riscos envolvidos.
O que explica a ascensão de um grupo como o Estado Islâmico?
O Estado Islâmico nasceu em 2013, depois de um racha com a Al Quaeda sobre o verdadeiro objetivo do islamismo e pelo controle da Síria. Num Iraque controlado por xiitas, a minoria sunita se sentiu desprovida do poder que tinha na época de Saddam Husseim. Então, quando o ISIS se apresentou como o liberador dos territórios sunitas, a população aceitou essa nova mudança. Depois da captura de Fallujah em janeiro de 2014, o Estado Islâmico rapidamente capturou parte do território iraquiano, enfrentando um exército iraquiano praticamente inexistente. Desde então, o ISIS controla os recursos de um estado e se tornou uma espécie de terra natal do jihadismo islâmico (assim como a USSR foi, no século 20, a terra da revolução), sendo muito efetivo na internet e com habilidade para lidar com indivíduos mais radicais.
Quais as raízes do ódio à cultura ocidental?
O ódio em relação ao ocidente vem de ligações com razões históricas, que vão desde as Cruzadas à Guerra do Iraque, e a denúncia de intervenções do ocidente nas questões do Oriente Médio. E a vontade de converter o mundo ao Islã obviamente é reforçada pela atual guerra com a coalizão.
Historicamente, houve outros grupos terroristas similares ao Estado Islâmico? O que motiva a formação de grupos como esse?
O jihadismo islâmico tem uma longa história: ele nasceu no Egito, nos anos 1960, com os Muslim Brothers. O projeto islâmico é recriar o califado, um poder político e religioso controlado pela Umma (a comunidade muçulmada), que desapareceu em 1924. É uma ideologia política, mas alguns dos islâmicos – os jihadistas – consideram que a violência política é o jeito melhor e mais rápido de atingir esse objetivo. A longa história do jihadismo islâmico inicialmente resultou na Al-Quaeda. Depois, o Estado Islâmico acusou o grupo de ter abandonado seu objetivo de reviver o califado para guerrear com o ocidente. Então, em 29 de junho de 2014, o Estado Islâmico proclamou a ressurreição do califado em Mossul, e realizou o sonho islâmico. Isso explica o motivo do grupo ser tão popular.
Quão lucrativo é o negócio do Estado Islâmico? Há chances de eles se envolverem com armas nucleares?
O Estado Islâmico tem os recursos de uma nação, e seu caixa de guerra é estimado em pelo menos 1 bilhão de dólares, provenientes de venda de petróleo e de várias formas de tráfico. Mas o controle de armas nucleares requer conhecimento e tecnologia que são difíceis de acessar, e é de se imaginar que nenhum estado costeiro vá permitir que o ISIS acesse essa tecnologia.
Os atentados têm aumentado a rejeição aos imigrantes e aos muçulmanos. Essa postura combativa fortalece o grupo terrorista?
O objetivo dos atentados do Estado Islâmico é precisamente criar uma fenda entre os muçulmanos e o resto do mundo e causar tensões entre os muçulmanos e o resto do mundo. Na mente dos terroristas, isso uniria a comunidade muçulmana em volta do califado de Mossul. Por isso, é importante não se render à raiva cega e culpar a religião pela violência de alguns terroristas. Isso é cair na armadilha montada pelo ISIS.
Tanto Estados Unidos quando a União Europeia têm falhado em seu combate ao Estado Islâmico. Que estratégia poderia ser adotada de forma mais efetiva?
Não é bem uma falha: o terrorismo nasceu dois séculos atrás e vai continuar existindo. A guerra contra o Estado Islâmico é dúbia, e precisa acontecer tanto no Iraque quanto nos países ameaçados pelo terrorismo islâmico. Mas isso também significa recuperar a estabilidade no Oriente Médio, e cortar as ligações entre os financiamentos do Golfo persa e do Islamismo. O terrorismo é também resultado de uma crise econômica e política em vários países, especialmente no ocidente: a violência política é uma arma para os desesperados. A luta poderia começar com uma contra-propaganda efetiva, entre a população coberta pelo jihadismo virtual. Soluções precisam ser pensadas à montante e à justante, com políticas de prevenção e repressão.
Qual a relação entre os ataques de 11 de setembro, com a Al Qaeda, e os atentados recentes? São 15 anos de conflitos não resolvidos?
Os ataques são resultado de uma mesma crise, a do Oriente Médio, que é uma crise política parcialmente causada pela política dos Estados Unidos e sua tentativa de transformar o Oriente Médio. A confrontação com o jihadismo islâmico, não importa se é o ISIS ou a Al Quaeda, é a confrontação de dois conceitos universais, o Islã e a democracia, dos conceitos que não podem coexistir e querer cada um transformar o mundo.
O grupo terrorista ainda deve continuar se expandindo, atraindo novos membros e conquistando mais territórios?
O ISIS está enfraquecido pelas investidas bem-sucedidas da coalização e pela falta de especialistas civis, de administradores… É um estado, obviamente, mas um estado fraco que não consegue se manter bem. Eu não acredito que o Estado Islâmico vai sobreviver, mas o terrorismo e o jihadismo vão continuar existindo enquanto o Oriente Médio continuar nesta situação política e econômica.