Torcedores marroquinos no Catar: país chega a sua primeira semifinal de Copa da história (Stu Forster/Getty Images)
Da Redação
Publicado em 14 de dezembro de 2022 às 13h28.
Última atualização em 14 de dezembro de 2022 às 15h15.
Logo que o árbitro apitou o final do jogo entre Marrocos e Portugal no último fim de semana, imagens de caos tomaram Paris, capital da França. Com a vitória da valente seleção de Marrocos por 1x0 e a vitória da França sobre a Inglaterra por 2x1 no mesmo dia, ficou oficializado o encontro entre franceses e marroquinos na semifinal da competição, dali a alguns dias.
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Torcedores de Marrocos e da França foram às ruas em comemoração, mas o dia teve também cenas de embates, confrontos e ação da polícia. Mais de 100 torcedores foram presos e houve fortes confrontos entre a polícia e cerca de 20 mil torcedores marroquinos no centro de Paris.
Agora, com a proximidade da semifinal entre França e Marrocos (às 16h desta quarta-feira, 14 de dezembro), o clima será tenso e a polícia de Paris prepara uma força tarefa especial. Serão mais de 10 mil policiais mobilizados para o dia do jogo na capital francesa, segundo o Ministério do Interior.
As comemorações envolvendo o feito da seleção marroquina aconteceram em todo o mundo e em outras capitais europeias, mas a situação na França é mais delicada pelo histórico político envolvendo os dois países.
A França tem a maior concentração de marroquinos fora de Marrocos. Mais de 1 milhão de marroquinos e descendentes (incluindo muitos com nacionalidade francesa) vivem na França. Os marroquinos correspondem a cerca de 20% da população de imigrantes em solo francês, sem contar os que já obtiveram nacionalidade.
A relação entre as partes nem sempre foi das mais amigáveis: além das naturais polêmicas e embates como a imigração recente, os dois países têm momentos de confrontos que remontam até mesmo à Idade Média.
O período mais lembrado, porém, foi a colonização de Marrocos pela França no início do século 20. Em 1921, a França assinou um acordo para fazer de Marrocos um "protetorado", na prática tornando o país seu território. Marrocos foi um dos vários países da África colonizados pela França nesse período.
(Outro da lista é a Tunísia, cuja seleção comemorou especialmente a vitória contra a França na fase de grupos por 1x0, embora não tenha se classificado para o mata mata.)
Durante a Primeira Guerra Mundial (1914-18), por exemplo, a França recrutou compulsoriamente 40 mil soldados marroquinos para lutar em seu exército.
Já na Segunda Guerra Mundial (1939-45), algumas décadas depois, o ressentimento da população contra a França em uma série de colônias da África já havia crescido. O Marrocos terminou declarando sua independência pouco antes do fim da guerra, em 1944. A declaração não foi, porém, pacificamente recebida, e ao longo do início dos anos 1950, forças franceses e marroquinas seguiram em embate.
A disputa durou até 1955, quando um acordo com a França encerrou o status de Marrocos como protetorado em 1956.
Atualmente, Marrocos é considerada uma monarquia semi-constitucionalista: há eleições para o Parlamento, mas o poder executivo fica a cargo do rei. O atual rei é Maomé VI, que faz parte de uma dinastia que esteve no poder no Marrocos ainda no século 17.
Marrocos, que fica no Mar Mediterrâneo - próximo de países europeus como a própria França, e da Península Ibérica com Portugal e Espanha -, é a quinta maior economia da África. Marrocos é também membro da Liga Árabe, da União para o Mediterrâneo e da União Africana e é um dos líderes políticos do grupo.
A França continua sendo a maior investidora externa de Marrocos, e a relação entre os países é considerada hoje amigável.
Ainda assim, uma das rusgas mais sérias recentemente veio de uma decisão do presidente francês, Emmanuel Macron, de reduzir a emissão de vistos de turismo para cidadãos de Marrocos, Argélia e Tunísia, todas ex-colônias. Críticos da medida apontam que cidadãos desses países têm ficado impossibilitados de visitar os familiares na França.
A relação de colônia de Marrocos com a França no século 20 explica o alto contingente de marroquinos (e cidadãos de outros países do Norte da África) vivendo hoje em solo francês.
Além do passado complexo, o alto número de cidadãos do norte da África vivendo na França gera amplas tensões sociais, com parte dos franceses rejeitando o fluxo imigratório. Nos últimos anos, além disso, após a Primavera Árabe (iniciada sobretudo em 2011), o fluxo de imigrantes do norte da África para a Europa, incluindo passando por Marrocos pela proximidade geográfica, cresceu ainda mais, piorando as tensões.
Nos embates recentes vindos do futebol, há críticas também a uma possível ação direcionada e pouco equânime da polícia francesa contra torcedores marroquinos e africanos e árabes no geral. As polêmicas devem continuar, independentemente do resultado da partida.
Do outro lado, os torcedores nas ruas nos últimos dias não têm sido só marroquinos: o sucesso em campo da seleção marroquina trouxe a simpatia de imigrantes africanos e de países árabes, um contingente de milhões de pessoas na França. Em várias outras capitais europeias, as cenas nas ruas também incluem torcedores de vários países em apoio a Marrocos, que muitos veem como símbolo de vários povos na Copa.
Em campo, a seleção marroquina tem também feito gestos de aceno a esse público, levando às comemorações uma bandeira da Palestina (uma agenda que une países da Liga Árabe, da qual Marrocos faz parte), além de comemoração de alguns jogadores se ajoelhando para rezar após os gols. Virou pauta nas redes sociais ainda as falas do goleiro Yassine Bounou, um dos heróis do time marroquino e radicado no Canadá. Embora fale espanhol, inglês e francês, o goleiro responde a perguntas de jornalistas em coletivas no dialeto marroquino do árabe e criticou a falta de tradutores da FIFA.
A partida na semifinal da Copa do Catar será a primeira vez na história que França e Marrocos se encontram em uma Copa do Mundo.
A França ganhou até hoje duas Copas do Mundo:
Já Marrocos nunca ganhou uma Copa. A chegada à semifinal nesta Copa do Mundo é a primeira não só da história do Marrocos, como o de qualquer time africano. Na campanha até a semifinal, Marrocos surpreendeu e venceu no mata mata a Espanha, nos pênaltis nas oitavas de final, e Portugal, por 1x0 nas quartas.