Crise na Ucrânia: França deixa EUA de lado para liderar novas negociações
A França sedia nova rodada de negociações diante da crise entre Rússia e Ucrânia. País diz estar "determinado a usar todos os recursos da diplomacia"
Carolina Riveira
Publicado em 26 de janeiro de 2022 às 06h00.
Última atualização em 26 de janeiro de 2022 às 08h30.
Mais esforços diplomáticos para tentar conter a crise na Ucrânia começam nesta quarta-feira, 26. A França sedia hoje nova rodada de negociações que envolverá Rússia e Ucrânia, os dois principais atores envolvidos, além dos próprios franceses e da Alemanha.
As conversas do grupo — em um formato que foi batizado de "Normandia", por ter sido compactuado nesta cidade francesa há sete anos — acontecem em alguma medida desde a anexação da então ucraniana Crimeia pela Rússia em 2014, sempre com os mesmos quatro membros. Mas, nesta semana, ganham especial importância com a escalada dos conflitos, dois dias após a Otan, aliança ocidental, anunciar que tropas estão em alerta contra os milhares de soldados russos na fronteira ucraniana.
Em comunicado, o gabinete do presidente francês, Emmanuel Macron, afirmou que o país “continua determinado a usar todos os recursos da diplomacia para preservar a estabilidade da Europa". Uma conversa também está marcada na sexta-feira, 28, entre Macron e o presidente russo, Vladimir Putin, e o francês disse que é preciso "eliminar qualquer mal entendido".
Até agora, uma série de rodadas diplomáticas falharam em desacelerar a crise, que piorou nos últimos dois meses. Mas as movimentações do presidente francês reforçam a leitura de que os líderes da União Europeia tentam tomar a liderança das negociações - agindo de forma relativamente independente em relação a Estados Unidos e Reino Unido, que têm subido o tom da retórica.
A conversa com a Rússia acontece ainda após líderes europeus, incluindo Macron e o novo chanceler alemão Olaf Scholz, se reunirem por videoconferência com o presidente americano, Joe Biden, na segunda-feira, 24. Biden saiu da reunião afirmando que há "unanimidade" entre os aliados, mas, dias antes, europeus haviam pedido que se evitasse declarações "alarmistas" sobre o conflito, em clara alfinetada aos americanos.
Sobretudo a Alemanha se mostra mais reticentes em escalar as ameaças contra a Rússia - com a proximidade geográfica, riscos à estabilidade na Europa e a parcial dependência do gás russo.
O foco dos diplomatas no encontro desta quarta-feira será novamente convencer Moscou a cumprir os acordos de Minsk 2, de 2015, em que os russos se comprometiam a retirar apoio a grupos separatistas na Ucrânia. A raiz do conflito atual data de 2014, quando a Rússia apoiou separatistas na Crimeia e terminou anexando o território que era até então ucraniano.
Um resquício da guerra que começou nessa época é a região de Donbas, onde estão as províncias de Donetsk e Luhansk. Ambas são repúblicas autoproclamadas e também em embate com o governo central ucraniano há sete anos, com apoio russo. A estimativa é que 14.000 pessoas já tenham morrido nos conflitos no leste da Ucrânia desde 2014.
Nessa fatia leste ucraniana, boa parte da população fala russo e há uma divisão profunda em relação à parcela oeste e mais pró-Europa, como a capital Kiev. O apoio financeiro e estratégico da Rússia aos grupos separatistas na região, como já ocorreu na Crimeia, é um dos principais frutos de embate e motivo de sanções de Estados Unidos e União Europeia contra Moscou nos últimos anos.
O que trava as negociações
A Ucrânia acusa a Rússia de ameaçar sua independência e teme que russos avancem sobre mais territórios. O Ocidente estima que mais de 100.000 soldados russos estejam posicionados há meses nas fronteiras ucranianas.
Um avanço russo contra a Ucrânia poderia significar uma ameaça também para outros membros da Otan na região. Tropas da aliança ocidental responderam nos últimos dias afirmando estarem "sob alerta" e EUA e europeus ameaçam mais sanções contra a Rússia.
Putin nega ter a intenção de invadir a Ucrânia . Também exige que a Otan pare de se expandir para os países da Europa Central, onde estão muitas ex-repúblicas soviéticas e que a Rússia avalia serem suas áreas de influência.
Analistas apontam que um dos objetivos do presidente russo com as movimentações na Ucrânia tende a ser a demonstração de força perante o Ocidente.
A Ucrânia têm treinado até mesmo civis nas últimas semanas para o caso de um ataque. O exército ucraniano deve receber algum apoio financeiro de aliados da Otan, mas tropas ocidentais não tendem, na teoria, a se envolver diretamente, uma vez que a Ucrânia não é parte da aliança. O objetivo da movimentação das tropas seria apenas defensivo, para proteger os membros da Otan na região. Mas com as medidas de ambos os lados, a tensão segue em alta e o conflito tende a perdurar por meses.
As negociações no Formato Normandia nasceram com grandes expectativas em 2014, mas pouco atingiram na resolução da crise ucraniana até hoje. O melhor para o mundo é que a história comece a mudar nesta semana e que os conflitos na região caminhem para uma solução.