(Andres Martinez Casares/Reuters)
Gabriela Ruic
Publicado em 30 de julho de 2017 às 06h00.
Última atualização em 30 de julho de 2017 às 06h00.
São Paulo – A Venezuela vive momentos decisivos. Neste domingo, o país liderado por Nicolás Maduro realizará a eleição de membros para uma Assembleia Constituinte que irá revisar a Constituição em vigor desde 1999. O movimento, contudo, não veio sem polêmicas internas e externas.
De um lado, Maduro enfrenta embates com a oposição da coalizão Mesa de Unidade Democrática (MUD), que conduz há meses protestos contra a realização da Constituinte e pela sua saída da presidência, e paralisações entre trabalhadores. Na última semana, uma greve geral recebeu a adesão de 92% dos trabalhadores de diferentes setores, dos transportes ao público e até o petroleiro, segundo a coalizão
Os embates vieram ainda acompanhados de críticas da comunidade internacional. A Organização dos Estados Americanos (OEA) vê no processo o “desmantelamento” democracia venezuelana e pediu que fosse suspenso, enquanto os Estados Unidos impuseram sanções contra autoridades do país. A poderosa petroleira estatal, PDVSA, inclusive.
Mas a questão vai além das pressões internas ou externas, se transformando em um imbróglio legal que pode manchar qualquer resultado. Especialistas ouvidos por EXAME avaliam que, embora a Carta Magna do país hoje dê ao presidente o poder de iniciativa para a convocação de uma Constituinte, mas tal precisa ser referendado pela população. O governo, entretanto, diz que essa confirmação não é necessária.
Nada disso, no entanto, parece ter diminuído a motivação do presidente em seguir em frente com a realização da Assembleia. Maduro até proibiu que fossem realizadas novas paralisações a partir da última sexta-feira e ameaçou quem descumprisse a ordem com até dez anos de prisão. Isso, contudo, não fez com que as pessoas deixassem as ruas.
Ainda na última sexta, relatos ouvidos pela agência AFP deram conta de que opositores haviam bloqueado ruas da capital Caracas e prometiam manter as manifestações até esse domingo, quando a Constituinte será realizada. Com a perspectiva de que os protestos pudessem se tornar violentos, a ONU pediu que o governo não interferisse na liberdade de expressão.
A ideia da Constituinte é a de eleger 545 legisladores que, a partir de 2 de agosto, se reunirão por um período indefinido. Vale notar que a maioria da Assembleia Nacional da Venezuela, hoje, está nas mãos da MUD, que boicota o processo e não participará das votações. Não há informações sobre como funcionará o processo legislativo enquanto essa Constituinte estiver reunida e não há previsão do comparecimento de observadores internacionais.
As votações de domingo acontecem em todo o país e serão com base territorial, social e setorial. Na primeira, 364 nomes serão eleitos. Já na segunda, 173, incluindo lideranças sociais e comunidades indígenas. A terceira será distribuída entre diferentes áreas da sociedade, como trabalhadores, aposentados, estudantes e empresários. Algumas pessoas são elegíveis para votar duas vezes, em âmbito territorial e setorial.
Ao todo, 6.120 candidaturas foram aprovadas pelo poder eleitoral venezuelano e não foi permitido que partidos políticos participassem do processo. Alguns nomes conhecidos do regime chavista estão entre os candidatos, como Adán Chávez, irmão do ex-presidente venezuelano Hugo Chávez, e o filho de Maduro, Nicolásito.
Benigno Alarcón, especialista em legislação eleitoral venezuelana ouvido pela AFP explicou, ainda, que não há quórum mínimo especificado para que o processo aconteça. No entanto, vê que um baixo comparecimento poderia abalar a legitimidade da Constituinte.
Isso se torna ainda mais delicado considerando o fato de que, há poucos meses e em um referendo popular simbólico, a MUD assegurou 7,6 milhões de assinaturas contra a realização da Assembleia. A dupla votação, contudo, poderia inflar o número de participantes.
Na visão de especialistas, a eleição dessa Constituinte marcará o fim da democracia nesse importante país da América Latina. Oliver Stuenkel, professor da Fundação Getúlio Vargas, vê nesse processo a possibilidade da instauração na Venezuela de um regime próximo do observado em Cuba.
"As condições determinadas para o pleito proibiram candidaturas dos partidos políticos, uma estratégia do governo para evitar que o voto reflita uma rejeição à sua gestão. No entanto, a maioria dos candidatos pertence ao partido do governo, compõe a base de aliados, ou pelo menos, é simpatizante”, avaliou.
A tensão política na Venezuela parece ter atingindo o seu auge, mas o país vem sobrecarregado com crises há alguns anos. Com a queda nos preços do barril de petróleo, principal produto de exportação e motor de financiamento de programas sociais, a economia venezuelana sucumbiu.
A escassez de itens essenciais, como comida e medicamentos, logo trouxe a pobreza e a violência urbana a níveis alarmantes. Caracas, por exemplo, passou a ocupar o posto de cidade mais violenta do planeta e se tornaram frequentes notícias de venezuelanos atravessando a fronteira com a Colômbia em busca por comida.
Como resultado de todo esse panorama efervescente, a popularidade de Maduro afundou e a população respondeu nas urnas: nas eleições legislativas de 2015 e pela primeira vez desde 1999, a Assembleia Nacional passou a ter como maioria a oposição ao regime chavista.
Desde então, o cerco contra o escolhido de Hugo Chávez foi se fechando, enquanto a população agoniza. Neste domingo, ainda no mês em que se comemora a independência, um novo capítulo será aberto na história da Venezuela. Para o bem ou para o mal.