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Eleições 2018: o que pensa Fernando Haddad sobre política externa

EXAME questionou os candidatos à presidência sobre os desafios em política externa que o Brasil enfrenta. Veja a entrevista de Fernando Haddad

Fernando Haddad: Candidato prometeu concluir a transposição do Rio São Francisco e recomeçar as obras da Ferrovia Transnordestina (Rodolfo Buhrer/Reuters)

Gabriela Ruic

Publicado em 18 de setembro de 2018 às 06h00.

Última atualização em 24 de setembro de 2018 às 09h08.

São Paulo – Crise na Venezuela , refugiados , integração latino-americana e Donald Trump são alguns dos desafios que o próximo presidente enfrentará em sua agenda de política externa, um tema que é frequentemente ignorado nos debates, mas extremamente relevante em um momento em que o cenário internacional se torna cada vez mais complexo.

Para entender como os candidatos à presidência se posicionam sobre esses assuntos, EXAME está entrevistando os principais nomes na disputa das eleições 2018 . Abaixo, veja a entrevista realizada com Fernando Haddad ( PT ).

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EXAME – Como o seu governo pretende lidar com a imigração de venezuelanos para o Brasil e qual será a sua postura em relação ao governo de Nicolás Maduro, se eleito?

Fernando Haddad - O Brasil tem tradição histórica de ser país acolhedor de imigrantes e refugiados.

Fomos o primeiro país do Cone Sul a ratificar a Convenção do Estatuto dos Refugiados de 1951, no ano de 1960.  O nosso país foi também um dos primeiros países integrantes do Comitê Executivo do ACNUR, responsável pela aprovação dos programas e orçamentos anuais da agência.

Temos uma das legislações mais modernas e amplas sobre o tema, a Lei nº 9.474, de 1997, que criou o CONARE, o Comitê Nacional para os Refugiados, órgão ligado ao Ministério da Justiça, que toma as decisões relativas à concessão do refúgio.

Devido a essa postura acolhedora de nosso país, o representante do ACNUR no Brasil, Andrés Ramírez, observou, em 2014, que “o Brasil tem tido boa resposta do ponto de vista humanitário, ao longo de sua história, e os países que não têm uma política generosa e de portas abertas aos que precisam de apoio têm de aprender com o Brasil”.

Anteriormente, António Guterres, Alto Comissário das Nações Unidas para os Refugiados, já havia afirmado, durante sua visita ao Brasil, em 2005, que “o Brasil é um país de asilo e exemplo de comportamento generoso e solidário”.

Temos de ter orgulho desse comportamento generoso e solidário. E, apesar de dificuldades atuais, fazer um esforço para continuar acolhendo refugiados e imigrantes – de quaisquer nacionalidade.

Para tanto, o governo vai incentivar e promover uma política séria de reassentamento dessas pessoas em todo o território nacional, evitando a concentração das pressões em estados fronteiriços, como Roraima.

Quanto ao governo Maduro, consoante aos princípios constitucionais da não–intervenção em assuntos internos de outros países, postura será a mesma dos governos anteriores do PT, de apostar na negociação pacífica das controvérsias, colocando-nos à disposição para mediar conflitos, conversar com todas as forças políticas e facilitar as negociações de uma saída democrática e constitucional para o grave conflito interno daquele país vizinho e irmão.

Evitaremos, como faz equivocadamente o governo Temer, tentar isolar diplomática e politicamente a Venezuela e apostar no acirramento do conflito, inclusive com a anunciada possibilidade uma intervenção militar pelo presidente dos EUA, que seria um desastre para o Brasil e a América do Sul. Não queremos, como parecer desejar o governo golpista, transformar a América do Sul num novo Oriente Médio. Queremos paz, prosperidade e crescente integração.

EXAME –  Atuar por uma maior integração com a América Latina será uma prioridade em seu governo?

Fernando Haddad - Prioridade absoluta. O governo Temer, com sua política externa conduzida pelo PSDB, implantou uma política deliberada de implosão da integração regional, particularmente do Mercosul. Eles nunca esconderam seu desprezo pela integração regional, muitas vezes chamadas por eles de “integração cucaracha”. Para esses conservadores, o que interessa é a integração com os EUA e a Europa, ainda que tal integração seja feita de forma inteiramente assimétrica e subordinada.

Trata-se de posição resultante de uma ignorância do significado do processo de integração regional para o Brasil. Por isso, dedicam-se a perseguir e isolar a Venezuela e outros da região, em contraste com a política anterior, que apostava na solução pacífica das controvérsias nos países vizinhos. Destaque-se que Henrique Capriles, um dos principais lideres da oposição venezuelana, elogiou, em entrevista a jornal brasileiro, em 2013, a atitude pacificadora e conciliadora que, à época, era exercida pelo Brasil. Segundo ele, o Brasil pressionou o governo bolivariano para que a oposição participasse ativamente das negociações de paz. Capriles afirmou que foi graças ao Brasil que conseguiu uma cadeira para negociar a paz na Venezuela.

Da mesma forma, nossa diplomacia contribuiu para a conformação de duas iniciativas importantes. Primeiro, a UNASUL que vinha contribuindo para fortalecer a integração e criar um sistema de segurança próprio na América do Sul. E em segundo lugar, honrando nossa tradicional política externa de promoção da paz e da solução pacífica dos conflitos, fomos os anfitriões durante o governo Lula da conferência de fundação da CELAC e participamos da elaboração de sua posterior declaração de compromisso de manter nossa região como uma zona de paz e livre de armas de destruição em massa.

Do ponto de vista econômico e comercial, Mercosul, entre 2003 e 2014, nos deu um extraordinário saldo comercial positivo de mais de US$ 90 bilhões, sendo que com a Aladi (Associação Latino-Americana de Integração), que o inclui, tivemos um saldo de US$ 137, 2 bilhões. Com outras regiões, tivemos um saldo mais modesto. Observe-se que, se somarmos os saldos dos BRICS, da União Europeia e dos EUA, temos, no mesmo período, um saldo acumulado de aproximadamente US$ 120 bilhões. Portanto, a Associação Latino-Americana de Integração, cujo principal bloco é o Mercosul, nos deu um saldo positivo superior ao obtido com os EUA, a União Europeia e os BRICS, combinados.

Mas a principal característica de nossos fluxos comerciais com o Mercosul e a Aladi tange ao grande percentual de produtos manufaturados que exportamos para a região. Com efeito, esse dinamismo do Mercosul e da integração regional tem, para o Brasil, uma vantagem qualitativa e estratégica. É que as exportações brasileiras para o bloco são, em mais de 90%, de produtos industrializados, com alto valor agregado. Exportamos para o bloco automóveis, máquinas agrícolas, material de transporte, celulares, etc. Em contraste, no que tange às nossas exportações para a União Europeia, a China e os EUA, os percentuais de manufaturados são de 36%, 5% e 50%, respectivamente. Assim, o Mercosul compensa, em parte, a nossa balança comercial negativa da indústria.

Por conseguinte, persistiremos, com renovada ênfase, na integração regional e na formação de uma cadeia produtiva robusta em nosso subcontinente. Queremos um entorno pacífico, próspero e integrado. Esse é o cenário que melhor condiz com a afirmação de nossos interesses nacionais.

A desagregação regional, promovida por Temer, só interessa a interesses estrangeiros.

EXAME- O narcotráfico é hoje uma das maiores ameaças à segurança nacional e é uma questão que não está dissociada da política externa, uma vez que envolve países vizinhos. Qual é a sua proposta para combater o tráfico internacional?

Fernando Haddad - Em primeiro lugar, fortalecer e completar o SISFRON, o sistema integrado de vigilância de fronteiras. Temos vasta fronteira porosa que precisa estar bem vigiada, de modo a evitar não só o narcotráfico, mas também o tráfico de armas e de pessoas e o contrabando, que tanto afeta a nossa arrecadação fiscal. O governo Temer vem reduzindo os investimentos nesse e em outros projetos estratégicos da Defesa. Nós pretendemos ampliar esses investimentos.

Em segundo, fortalecer a cooperação institucional com países, especialmente países vizinhos, no combate a todo tipo de ilícitos. Já temos vários acordos bilaterais e regionais nessa área, mas precisamos torná-los mais eficientes e operantes.

Por outro lado, temos de discutir a fundo o fracasso da política da “guerra às drogas”, proposta pelos EUA aos países da América Latina. Bilhões são gastos inutilmente, gera-se uma extrema violência urbana e encarcera-se boa parte da população pobre e negra sem que isso redunde numa contenção efetiva do problema.

EXAME – O Mercosul e a União Europeia estão em negociação há anos por um acordo de livre-comércio entre os blocos. Qual é a posição do senhor sobre este acordo?

Fernando Haddad - Apoiaremos todos os acordos destinados a ampliar comércio e investimentos mútuos, desde que tais acordos sejam simétricos e beneficiem os setores produtivos nacionais. Não apoiaremos acordos assimétricos que contenham cláusulas, como as relativas ao regime jurídicos dos investimentos externos, compras governamentais e propriedade intelectual, que impeçam o Estado Brasileiro de desenvolver políticas de desenvolvimento, de ciência e tecnologia e de industrialização, entre outras, necessárias ao bem-estar da população, ao crescimento econômico do Brasil e à geração de empregos em território nacional.

Nesse sentido, é muito pior um acordo ruim, que comprometerá nosso desenvolvimento e nossa soberania, que nenhum acordo. No caso específico do acordo com a UE, também preocupa-nos o manto de sigilo que vem cercando ultimamente as negociações. Em nossa gestão, tais negociações terão de ser transparentes e deverão contar com participação ativa de trabalhadores urbanos e rurais, empresários, intelectuais, parlamentares, ONGs especializadas, etc.

Esperamos chegar a um acordo equilibrado com a UE e com todos os outros blocos econômicos e países.

EXAME –  Qual é a importância que o grupo dos BRICS terá em seu governo?

Fernando Haddad - Os BRICS terão absoluta centralidade na política externa do governo. Criado graças ao esforço da diplomacia brasileira, o grupo dos BRICS é fundamental para estabelecer um contraponto econômico, político e diplomático ao unilateralismo. Hoje, os BRICS são o principal vetor para a constituição de uma ordem mundial multilateral e multipolar.

A grande disputa geoestratégica mundial está claramente posta. De um lado estão grandes países emergentes e seus aliados como China, Rússia, Índia, Turquia, Irã etc., que estão propugnando por uma ordem politicamente multipolar e economicamente mais equilibrada, na qual todos os países possam conviver de forma mais harmônica e simétrica. De outro, estão o atual governo dos EUA e alguns de seus aliados, que tentam restaurar a hegemonia antes inconteste da grande superpotência mundial e impor uma ordem mundial unipolar e profundamente assimétrica.

Tal restauração está fadada ao fracasso. Assim como Metternich, o famoso chanceler austríaco, acabou fracassando na sua tentativa de conter o avanço do liberalismo político na Europa, Trump fracassará em conter o avanço inexorável da China, Rússia e outros emergentes. Fracassará em impedir a liberalização e descentralização da ordem política mundial. Não há como deter a história.

O governo Temer optou por voltar a incluir, de forma subalterna, o Brasil na órbita geoestratégica dos EUA. Colocou-se do lado errado da História. No meu governo, voltaremos a apostar no lado certo da História, que é o da constituição de uma ordem mundial multipolar, com o Brasil voltando a jogar papel de relevo expressivo na ordem das nações, tal como aconteceu no governo Lula, com a política externa ativa e altiva.

Essa é a opção geoestratégica que convêm aos interesses nacionais.

EXAME –  A guerra comercial entre China e Estados Unidos afeta o Brasil diretamente em diferentes segmentos. Qual será a sua estratégia lidar com a disputa comercial?

Fernando Haddad - Em primeiro lugar, deve ser dito que a onda protecionista unilateral de Trump não afeta apenas a China, mas também outros países emergentes, como Brasil, que teve impostas sobretaxas ao seu aço e ao seu alumínio. Ninguém está a salvo do “American First”.

Embora o Brasil possa se beneficiar parcialmente, no curto prazo, com essa a guerra comercial, exportando mais commodities, como soja, para a China, em razão da diminuição das importações de soja dos EUA, no médio e longo prazo tal conflito tende a diminuir o volume do comércio mundial, gerando efeitos negativos numa economia mundial que ainda não encontrou o caminho para sua recuperação sustentada.

Observe-se, que na recessão da década de 1930, os EUA implantaram as tarifas Smoot-Hawley, as quais quadruplicaram, da noite para o dia, as taxas de importação de 3.200 produtos. Os demais países avançados da época, também imersos na impotência do paradigma conservador, retaliaram da mesma maneira, o que fez com que o comércio mundial caísse de US$ 18 bilhões, em 1929, para cerca de US$ 6 bilhões, em 1933. A combinação da falta de incentivos adequados para manter as dinâmicas econômicas internas com essa brutal redução do comércio mundial aprofundou consideravelmente a recessão e a fez alastrar-se pelo mundo inteiro. O planeta desagregou-se economicamente e a maioria das nações teve de suportar uma recessão amarga e duradoura.

A estratégia do governo Haddad será a de investir mais na Cooperação Sul-Sul e na integração regional, sem desprezar os mercados dos países desenvolvidos, como forma de contrarrestar eventuais perdas de mercado devido ao protecionismo.  Note-se que os países em emergentes e em desenvolvimento tendem a apresentar maior crescimento econômico, em média, que os países desenvolvidos. Durante os governos Lula e Dilma, o fluxo de comércio entre os países em desenvolvimento foi superior à média do comércio mundial. Portanto, nosso potencial de conquista de novos mercados está mais concentrado nessa vertente da nossa política externa.

A China é hoje nossa principal parceira comercial, embora nossas exportações para lá estejam concentradas em commodities. Por outro lado, a integração regional é nosso principal mercado para produtos manufaturados. Além disso, a retomada das nossas relações com a África, o Oriente Médio e a Ásia Central e do Leste poderão criar alternativas interessantes para a exportação de produtos industriais, agrícolas, bem como de exportação de serviços, especialmente os de engenharia, que foram extremamente afetados pela operação Lava-Jato.

EXAME –  O multilateralismo vem sendo colocado em xeque pelos Estados Unidos. O senhor é a favor do fortalecimento das organizações multilaterais, como a ONU e a OMC? Ou pretende focar nas negociações bilaterais?

Fernando Haddad - Evidente que sou favorável ao fortalecimento das instituições multilaterais. A Constituição Federal em seu artigo 4º determina que  a “República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos seguintes princípios:” V-Igualdade entre os Estados.

O que significa uma ordem mundial multilateral e multipolar? Significa, no fundo, uma ordem internacional democrática, na qual todos os Estados sejam iguais e tenham os mesmos direitos e as mesmas prerrogativas. Em contrapartida, uma ordem mundial unilateralista significa a imposição dos interesses de uma única superpotência e de alguns aliados ao resto do mundo. Significa, no fundo, a ampliação das assimetrias econômicas e de poder e a barbárie das intervenções feitas ao arrepio do sistema de segurança coletiva da ONU, as quais exercem um efeito disruptivo na ordem mundial. O unilateralismo só traz instabilidade geopolítica e grande sofrimento humano, como se observa em muitos países do Oriente Médio.

Negociações multilaterais são, em geral, mais propícias à aglutinação dos interesses dos países em desenvolvimento e, por consequência, mais permeáveis ao estabelecimento de acordos simétricos e justos.

Isso não implica dizer, no entanto, que eventuais negociações bilaterais também não tenham importância para os interesses brasileiros. Contudo, essas negociações bilaterais não podem afetar a União Aduaneira do Mercosul, bloco que tem centralidade estratégica na inserção internacional do Brasil.

Os países do Mercosul têm de negociar juntos, tal como o faz a União Europeia. Não podemos perder o mercado regional, essencial para nossa indústria de transformação, para terceiros países. Isso é fundamental para a construção de uma robusta cadeia produtiva regional, a qual permita nossa inserção na economia global de modo bem mais competitivo.

Metodologia EXAME

As perguntas que compõem a entrevista deste especial foram compiladas com base em entrevistas realizadas por EXAME com especialistas em política externa de diferentes setores e organizações. Participaram embaixadores e empresários do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (CEBRI) e pesquisadores de instituições como o Instituto de Relações Internacionais da Fundação Getúlio Vargas (FGV), da Puc-Rio, da ESPM e das Faculdades Integradas Rio Branco.

A partir desse levantamento, a reportagem produziu sete perguntas para os candidatos que registravam ao menos 1% de intenção de voto segundo pesquisa Datafolha publicada em 22/08/2018: Luiz Inácio Lula da Silva (PT), agora substituído por Fernando Haddad (PT), Jair Bolsonaro (PSL), Marina Silva (Rede), Geraldo Alckmin (PSDB), Ciro Gomes (PDT), Álvaro Dias (Podemos), João Amoêdo (Novo), Henrique Meirelles (MDB), Guilherme Boulos (PSOL), Cabo Daciolo (Patriota) e Vera Lúcia (PSTU).

Abaixo veja as entrevistas já publicadas:

Álvaro Dias (Podemos)

Guilherme Boulos (PSOL)

Henrique Meirelles (MDB)

Geraldo Alckmin (PSDB)

João Amoêdo (NOVO)

Fernando Haddad (PT)

Vera Lúcia (PSTU)

Marina Silva (REDE)

Estes são os candidatos que ainda não se manifestaram sobre as demandas da reportagem:

Cabo Daciolo (Patriota)

Ciro Gomes (PDT)

Jair Bolsonaro (PSL)

A entrevista é composta das mesmas perguntas para todos os candidatos, essas enviadas no mesmo dia e com igual prazo para resposta, 15 dias. A publicação está acontecendo de acordo com a ordem de recebimento.

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