O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump: país bloqueou a indicação de novos juízes para órgão que resolve disputas comerciais entre os membros da OMC, paralisando entidade (Alex Wong/Getty Images)
EFE
Publicado em 10 de dezembro de 2019 às 18h11.
Última atualização em 11 de dezembro de 2019 às 15h34.
Genebra - A Organização Mundial de Comércio (OMC) entra a partir desta quarta-feira no período mais crítico de seus 24 anos de existência com a paralisação do órgão de apelações, o principal mecanismo de resolução de disputas entre os países-membros da instituição.
O persistente bloqueio dos Estados Unidos à indicação de novos juízes requeridos para a continuidade do funcionamento da instância dotada de poder para resolver as disputas entre os países levou a OMC a uma situação extrema, sem precedentes, que ameaça parte do sistema de governança global que começou a ser construído após o fim da Segunda Guerra Mundial.
O diretor-geral da OMC, o brasileiro Roberto Azevêdo, tentou relativizar a gravidade da crise, uma morte por asfixia anunciada desde que Donald Trump tomou posse em fevereiro de 2017.
"Obviamente, a paralisia do órgão de apelações não significa o fim do sistema de resolução de disputas da OMC", disse Azevêdo, destacando que há mecanismos prévios, como consultas bilaterais, que permitem os países cheguem a acordos amistosos antes de recorrer à última instância.
Atualmente, o órgão de apelações conta com três dos sete juízes previstos. O número é o mínimo para que as decisões ali tomadas tenham efeito. O quadro não foi renovado por decisão dos EUA, que, a partir do governo Trump, passou a travar a nomeação de novos magistrados.
Dois desses três juízes - o indiano Ujal Sigh Bhatia e o americano Thomas Graham - concluem hoje seus oito anos de mandato no órgão, deixando a chinesa Hong Zhao como a única integrante do tribunal.
Diante do impasse, Azevêdo explicou que os países podem optar por adotar "medidas provisórias" ou "mecanismos alternativos", mas desde que o contexto do sistema de resolução de disputas.
O diplomata brasileiro reconheceu que a crise traz consigo o risco de que os países percam a confiança na capacidade de solucionar conflitos comerciais e passem a adotar medidas unilaterais.
No entanto, Azevêdo fez um alerta de que este caminho pode aumentar as incertezas, o que afetaria os investimentos e o crescimento econômico global.
Azevêdo anunciou que começará imediatamente uma rodada de consultas para tentar encontrar uma solução duradoura para a crise do órgão de apelações, mas antecipou que não pretende solicitar uma reunião com Trump para tentar convencê-lo da importância da OMC.
"Não faço consultas com chefes de Estado, mas sim com governos (...). No entanto, sendo este assunto extremamente sensível, não tenho dúvidas de que chamará a atenção dos líderes mundiais", disse Azevêdo em entrevista coletiva.
A crise tem consequências imediatas: 14 disputas que estão no órgão de apelações entrarão em um limbo. Algumas delas aguardam uma decisão final a mais de um ano, apesar de os juízes terem, em tese, 90 dias para resolvê-las. A redução do quadro de magistrados contribuiu com os atrasos.
O Brasil pode ser especialmente prejudicado com o esvaziamento na OMC. O país recorre ao órgão em áreas em que é muito competitivo, como no agronegócio, e tem conseguido decisões favoráveis para contornar o protecionismo de alguns governos.
A esperança em encontrar uma solução de última hora foi embora há alguns dias, quando a OMC aprovou seu orçamento geral para 2020. No documento, a verba destinada para o órgão de apelações foi reduzida de US$ 2,7 milhões para US$ 200 mil.
Trump não é o primeiro presidente dos EUA a mostrar descontentamento com o funcionamento do órgão de apelações da OMC, mas outros governos não atuaram tão firmemente para travar a organização como o atual ocupante da Casa Branca.
Por trás da postura americana está o desejo de Trump de resolver qualquer questão comercial de forma bilateral, uma forma que dá aos EUA mais poder de negociação devido à importância da economia do país.