Muçulmanos xiitas: "não podemos permitir que uma onda de perseguição, de preconceito e discriminação religiosa cresça", disse líder religioso (Ali al-Saadi/AFP)
Da Redação
Publicado em 8 de janeiro de 2015 às 19h12.
Brasília - A reação de algumas pessoas após o atentado praticado ontem (7) contra a sede do semanário satírico Charlie Hebdo, em Paris, que matou 12 pessoas, e a forma como alguns comunicadores relacionam a questão religiosa ao crime levam preocupação à comunidade muçulmana na França e em outras partes do mundo.
O xeque brasileiro Ali Mohamed Abdouni, presidente da Assembleia Mundial da Juventude Islâmica (Wamy) no Brasil, os ataques a duas mesquitas na França após o atentado terrorista elevam o temor de uma onda de “islamofobia” e perseguição.
Abdouni disse que a comunidade muçulmana condena veementemente o atentado ao jornal e que aqueles que praticam atos terroristas não representam o Islã nem os muçulmanos.
“Acreditamos que os suspeitos têm de ser presos, julgados e punidos, se realmente foram eles que fizeram isso. Por outro lado, não podemos permitir que uma onda de perseguição, de preconceito e discriminação religiosa cresça, porque junto com a comoção emocional vêm esses atentados às mesquitas e isso vai prejudicar a estabilidade social e pode colocar milhões de pessoas adeptas a uma religião sob perigo”, disse à Agência Brasil.
Segundo Abdouni, a comunidade muçulmana considera ofensivas as charges de Maomé publicadas pelo semanário francês, mas é contra qualquer forma de violência para resolver a questão. “Apesar de não concordar e não aceitar as charges ofensivas, porque elas são religiosas e tratam de uma figura sagrada dentro da religião islâmica, não concordamos que seja resolvido assim. Existem as formas legais para isso”.
O xeque ressalta que o próprio nome Islã vem da palavra salam, que significa paz. “A religião islâmica vem para selar a paz e é isso que é seguido pela grande maioria dos muçulmanos: a questão da paz, da tolerância, do respeito, de respeitar o direito do outro, ter consideração pelo outro, se colocar no lugar do outro”, explica. O problema, segundo ele, não está no Islã, mas na presença de fanáticos, o que também existe em outras religões. “Essas pessoas acabam entendendo e interpretando passagens divinas de uma forma particular delas, e não representam nem o Islã nem os muçulmanos”.
O presidente da Wamy no Brasil lembra que uma das vítimas do atentado de ontem era muçulmana. Ahmed, incumbido de fazer a segurança no bairro onde fica a redação do Charlie Hebdo, era muçulmano e foi assassinado a sangue frio, com a imagem do crime filmada por celulares de pessoas que se escondiam no alto do prédio e divulgadas em todo o mundo. Ele também alerta para a forma como o tema é abordado por algumas pessoas, muitas vezes com preconceito disfarçado de falsa tolerância.
“As palavras têm poder, então temos que tomar muito cuidado, porque quando falam que o Islã também tem pessoas de bem, parece que a regra geral é o terrorismo, mas é o contrário. A regra geral é a paz, é a solidariedade, basta ver 14 séculos de contribuição dos muçulmanos para a civilização. Não podemos julgar um grupo por essas pessoas, nem tachar isso como terrorismo islâmico. Dessa forma estamos criando mais preconceito e não estamos informando de forma alguma”, avaliou.
Para evitar reações isoladas e intolerância, o governo francês vem pedindo unidade à população. Hoje, em Brasília, junto com funcionários e frequentadores da Embaixada da França, após um minuto de silêncio em homenagem às vítimas, o embaixador francês Denis Pietton lembrou que há décadas o país é alvo de terroristas contrariados com seu “compromisso inflexível” com a liberdade e a diversidade. “Estamos e permaneceremos de pé, como povo e indivíduos. E devemos permanecer juntos, porque os valores da República francesa - Liberdade, Igualdade e Fraternidade -, que nos unem, são muito mais fortes do que as nossas divisões de qualquer natureza”.
Apesar da preocupação de organizações muçulmanas com a “islamofobia” e a xenofobia, moradores de Paris entrevistados hoje pela Agência Brasil consideraram pouco provável que a população francesa reaja aos ataques responsabilizando estrangeiros ou grupos religiosos. “Principalmente em Paris, onde é grande o número de estrangeiros, a maioria das pessoas entende que a violência é a manifestação de uma minoria radical”, disse o empresário norte-americano naturalizado brasileiro Glen Homer. A jornalista francesa Karima Saidi acrescentou que, como os terroristas ainda não foram presos e suas motivações reais não são conhecidas, o principal debate entre os franceses, no momento, diz respeito aos limites da liberdade de expressão.