De comida a remédios, falta tudo na Venezuela e população sofre
Relatório da Human Rights Watch revela o panorama sombrio vivido pelos venezuelanos, que passam horas em filas na busca por comida e produtos de higiene
Gabriela Ruic
Publicado em 25 de outubro de 2016 às 13h15.
Última atualização em 4 de novembro de 2016 às 10h17.
São Paulo – A crise na Venezuela não dá sinais de que cessará em breve. Enquanto o presidente Nicolás Maduro não entra em acordo com a oposição, com a declaração do parlamento de que o país vive um golpe, a população sofre com uma severa escassez de tudo e vive um panorama sombrio equivalente ao de uma nação em estado de guerra.
A constatação é parte de um detalhado relatório produzido pela organização não governamental Human Rights Watch (HRW) divulgado nesta semana. A pesquisa conta com mais de 100 entrevistas realizadas com civis, médicos, ativistas e revela o drama diário do povo da Venezuela em busca de itens essenciais para a sua sobrevivência.
Saúde
No campo da saúde, a crise trouxe neste ano o aumento nos índices de mortalidade infantil e materna ante o registrado nos últimos anos. Em 2009, a taxa de mortalidade materna no país era de 73 para cada 100 mil partos. Hoje, essa taxa salto para quase 138 mortes. A mortalidade infantil, por sua vez, aumentou de 11,8 em 2013 para quase 19 em 2016.
Em 2016, 76% dos hospitais públicos registram a falta de remédios essenciais, como antibióticos e analgésicos, assim como não há luvas, gazes, seringas ou produtos de limpeza. Médicos chegam ao ponto de ter de pedir que os pacientes consigam por conta própria os remédios e materiais necessários para o atendimento.
Isso aconteceu com Angela Vasquez, 44 anos. Diagnosticada com apendicite, recebeu dos médicos uma lista do que precisava encontrar para que sua cirurgia pudesse ser realizada. Uma menina de 4 anos, cuja família foi entrevistada pela organização, recebeu antibióticos no tratamento para a pneumonia por apenas dois dias. “Às vezes deixamos de comprar comida para comprar seus remédios”, contou a avó.
Comida
No que diz respeito a outros itens básicos, como comida, os dramas continuam. Segundo o observado pela HRW, é a classe média e a camada mais pobre da população que mais sofrem com a falta de comida.
Em algumas lojas, frutas, carnes e até vinhos seguem disponíveis. A maioria dos venezuelanos, no entanto, só consegue comprar produtos sujeitos ao controle de preços do governo via o chamado “Missão Mercal”, programa chavista de regulação de preços que tinha como objetivo garantir aos mais pobres o acesso a itens essenciais. E são esses que estão em falta.
Não são raras as pesquisas que ilustram essa dificuldade. Em uma delas, 87% dos venezuelanos notaram em 2015 dificuldade maior para conseguir comprar comida que nos anos anteriores.
Quanto ao acesso não apenas de comida, mas produtos de higiene pessoal, outra consulta observou que 74% deles desapareceram das lojas. Em setembro, 40% das pessoas permaneceram quase sete horas em filas para a compra dos produtos regulados.
Omar Monroy, 60 anos, estava em uma dessas filas quando foi abordado pela entidade. Segurava um pedaço de papelão sobre o qual dormiu durante a noite na tentativa de comprar 2 quilos de farinha.
“Talvez eu consiga comprar farinha para a minha família depois de 14 horas. Talvez, pois é uma loteria”, disse o idoso que vive em Barquisimeto, uma das maiores cidades do oeste da Venezuela. Farinha é um ingrediente essencial de uma das comidas mais populares do país: a arepa.
Mas, e o governo?
O relatório reconhece iniciativas do governo de tentar lidar com a escassez de produtos e itens essenciais, como o incentivo à produção nacional de medicamentos e comida. “Se implementadas corretamente, essas medidas podem ajudar a reduzir essa falta. Contudo, até agora, elas não aliviaram a severidade da crise da Venezuela”, pontuou a entidade.
Para a HRW, o governo de Maduro subestimou a intensidade dos problemas enfrentados pela população e não dá sinais de que irá se movimentar com o senso de urgência exigido pelas circunstâncias.
Criticou ainda declarações de autoridades em que se tentava mascarar a essa crise humanitária e os argumentos de que, se há algum problema, ele seria fruto de uma “guerra econômica” entre a oposição, o setor privado e as potências internacionais.
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