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Crescimento zero é maior inimigo do governo da Turquia

Nas eleições do próximo domingo, o crescimento econômico zero no primeiro trimestre é o maior inimigo do governo, diz especialista


	Recep Tayyp Erdogan, presidente turco: números não indicam nada bom
 (Ilmars Znotins/AFP)

Recep Tayyp Erdogan, presidente turco: números não indicam nada bom (Ilmars Znotins/AFP)

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Da Redação

Publicado em 5 de junho de 2015 às 19h34.

Istambul - O crescimento econômico zero da Turquia no primeiro trimestre de 2015 mostra-se o maior inimigo do governo do país nas eleições do próximo domingo, comentou à Agência Efe o economista turco Erdal Saglam.

Segundo ele, desde que o Partido Justiça e Desenvolvimento (AKP) chegou ao poder em 2002, seu principal cavalo de batalha foi o bom desempenho da economia, que agora está perdendo sua força.

"O AKP costumava ganhar muitos votos com seus êxitos econômicos. Mas, nos últimos dois anos, a economia caiu e o desemprego subiu, e isto se reflete na campanha", explicou Saglam.

Os números não indicam nada bom: após uma década com um crescimento do PIB quase sempre entre 4% e 10%, em 2004 esse número caiu para um modesto 2,9%, e os economistas preveem um crescimento zero, longe do objetivo de 4%, para 2015.

Agora é o social-democrata Partido Republicano do Povo (CHP) que faz promessas eleitorais de crescimento econômico, entre elas a de aumentar o salário mínimo líquido das 950 liras atuais (R$ 1.160) para 1.500 liras (R$ 1.830), ou a de construir um macrocentro logístico e tecnológico na Anatólia alimentado com energias renováveis.

O primeiro-ministro Ahmet Davutoglu qualificou a primeira proposta como "irrealizável" e a segunda como "cópia" das ideias do governo, mas a oposição já conseguiu um triunfo: pôr o AKP na defensiva em seu campo de batalha favorito.

O governo tem a seu favor reformas fundamentais de bem-estar social que consolidaram sua imagem principalmente entre a classe operária, como a extensão do plano de saúde a toda a população e um aumento dos gastos sociais públicos de 8,3% do PIB, em 2000, para 12,5% em 2013.

Mas estas reformas, vistas mais como um favor do que como um direito, não bastam, já que a Turquia ainda está longe da média de 21% de despesas sociais dos países da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), opinou o economista Mustafa Sönmez em seu blog.

"O AKP teve alguns sucessos na década passada porque a economia mundial caminhava bem e isso fomentava o crescimento turco; agora as condições pioraram em todas partes e o AKP não tomou as medidas necessárias para evitar que afetem à Turquia", analisou Saglam.

O "milagre econômico" turco, com uma das taxas de crescimento mais altas do mundo, é frágil por se basear na demanda interna e no "dinheiro quente" estrangeiro, atraído pelas altas taxas de juros, destacou o economista Emre Deliveli.

O governo investiu enormemente no desenvolvimento de infraestruturas, rodovias, aeroportos e também em um urbanismo desbocado, com licitações que em grande parte acabavam atribuídas a empresas consideradas "amigas" do governo.

Mas, com a possibilidade de um aumento das taxas de juros por parte do Federal Reserve (Fed, banco central dos Estados Unidos), o "dinheiro quente" está mudando de destino, e a lira tem perdido força rapidamente frente ao dólar, mais ainda que outras moedas "emergentes": a divisa turca já registra uma desvalorização de 15% desde dezembro.

Esse foi um duro golpe para o balanço de pagamentos, já que a Turquia exporta o mesmo volume em dólares que em euros, mas paga dois terços de suas importações na moeda americana, esclareceu Deliveli.

O Banco Central turco preferiu manter a taxa básica de juros alta, em 7%, para manter sob controle a inflação, fantasma de décadas passadas, que superava 60% durante toda a década de 90 e só desde 2003 se mantém estável entre 6% e 10%, outra conquista econômica do AKP.

Mas esta atitude prudente recebeu duras críticas do presidente Recep Tayyip Erdogan, que pediu a redução dos juros "para baixar a inflação", contradizendo as teorias financeiras e batendo de frente com Ali Babacan, vice-primeiro-ministro e "czar" econômico do país, que apoia o Banco Central.

Esse confronto de ideias não chegou a dividir o AKP, mas abalou a confiança dos empresários próximos ao partido, que confiam muito mais em Babacan do que em Erdogan, segundo Saglam.

Provavelmente, até eles temem uma ampla vitória do AKP, já que daria ao governo a chance de apresentar em referendo a reforma constitucional prometida por Erdogan e que lhe daria amplos poderes.

A opinião pública também está perdendo confiança no governo: se em 2013 24% dos eleitores acreditavam que a Turquia tinha problemas econômicos, agora já são 48%, segundo uma pesquisa recente.

"Muita gente também percebe os problemas de corrupção, e mesmo assim dão seu voto ao AKP, ou seja, há um setor ligado ideologicamente a este partido que pode decidir as eleições, apesar da economia", concluiu Saglam. 

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