Cresce suspeita de fraude nos resultados das eleições na Bolívia
Até o momento da interrupção da apresentação dos dados, Morales tinha 45,28% contra 38,16% de Carlos Mesa
AFP
Publicado em 21 de outubro de 2019 às 19h06.
Última atualização em 21 de outubro de 2019 às 19h10.
São Paulo — Uma crescente suspeita de fraude nos resultados eleitorais das eleições na Bolívia a favor do presidente Evo Morales tomou conta de muitos bolivianos nesta segunda-feira (21), que participaram de vigílias em torno de algumas sedes regionais dos tribunais eleitorais, que ainda não confirmaram se haverá um segundo turno.
Sem os dados dos votos das áreas rurais e do exterior, com os quais Morales conta para vencer no primeiro turno, o Órgão Eleitoral Plurinacional (OEP) não havia atualizado até o início da tarde os resultados preliminares, produto de uma apuração rápida.
Até o momento da interrupção da apresentação dos dados, no domingo à noite, Morales, que busca o quarto mandato consecutivo, tinha 45,28% contra 38,16% de Carlos Mesa, com 84% dos votos apurados, indicando assim tendência de um segundo turno em 15 de dezembro.
Candidato presidencial da oposição, Mesa denunciou nesta segunda a suposta intenção de Morales de "manipular", através do Tribunal Supremo Eleitoral (TSE) o resultado das eleições e evitar o segundo turno.
"Quero, através dos meios de comunicação, denunciar sem nenhum tipo de matiz que o governo está tentando, através do Tribunal Supremo Eleitoral, eliminar o caminho para o segundo turno", afirmou Carlos Mesa em coletiva de imprensa.
Waldo Albarracín, líder do Conade, uma organização civil, alertou que o governo está gerando um clima de instabilidade e disse que "se uma guerra civil ocorrer neste país, é de responsabilidade do governo".
"Nenhum de nós está interessado em inflamar o ambiente", declarou o ministro da Comunicação, Manuel Canelas.
Preocupada com a interrupção na divulgação dos dados, a missão de observadores da Organização dos Estados Americanos (OEA) pediu no Twitter ao TSE que explique por que motivo interrompeu a transmissão dos resultados preliminares e que o processo de publicação dos dados da apuração aconteça de maneira fluida.
Logo após o pedido, o chanceler boliviano, Diego Pary, e os observadores da OEA "acordaram estabelecer uma equipe de acompanhamento permanente do processo de contagem oficial de votos" das eleições, respondeu o ministério boliviano das Relações Exteriores na mesma rede social.
Diante do cenário de dúvidas, o governo dos Estados Unidos se somou nesta segunda aos pedidos para que a Bolívia restabeleça a "credibilidade e a transparência" do processo eleitoral.
"Os Estados Unidos observam de perto o primeiro turno das eleições na Bolívia, especialmente a repentina interrupção da contagem eletrônica dos votos. Autoridades eleitorais devem restaurar a credibilidade e transparência do processo já, para que seja respeitada a vontade do povo", escreveu no Twitter o subsecretário interino de Estado para Assuntos do Hemisfério Ocidental, Michael Kozak.
Para impedir uma escalada no clima de desconfiança, o chanceler fez um convite público aos embaixadores da Argentina e do Brasil e ao gerente de negócios dos Estados Unidos, além de organizações internacionais, "para continuar o acompanhamento da contagem de votos".
Os primeiros movimentos de protesto contra o tribunal eleitoral ocorreram na cidade de Potosí (sudoeste), onde organizações não governamentais questionam a transparência do pleito. Manifestações ocorreram também em La Paz (oeste) e Santa Cruz (leste).
Possibilidade de segundo turno
Morales, de 59 anos, que conta com os votos das zonas rurais e do exterior para vencer e tomar posse para mais um mandato em 22 de janeiro de 2020, cantou vitória na noite de domingo, sem fazer referência a um eventual segundo turno.
"O povo boliviano decidiu continuar com o processo de mudança (política oficial) ", afirmou num pronunciamento na sede do governo em La Paz
Mas para ganhar no primeiro turno, Morales precisa de 40% dos votos válidos e ter uma vantagem de pelo menos 10 pontos sobre Mesa.
O analista Iván Arias considerou garantido o segundo turno, o que seria algo inédito na Bolívia.
O analista político Carlos Borth seguiu a mesma linha e disse que com 84% da urnas "abriria o segundo turno, mas recordou que será importante contar os votos nas províncias mais remotas e no exterior, "onde vai ter um peso muito grande os resultados da Argentina".
Um referendo
Em um cenário de polarização, o segundo turno se transformaria em uma espécie de referendo para Morales sobre seus quase 14 anos de governo, afirmou Mesa, durante a coletiva de imprensa onde classificou de "triunfo inquestionável" sua participação no segundo turno.
"Se houver um segundo turno, isso se transforma em referendo", disse à AFP Gaspard Estrada, especialista em América Latina da universidade de Ciências Políticas de Paris.
Nesse caso, "a Bolívia terá que escolher entre duas opções" e "o país sabe perfeitamente qual é o caminho da construção democrática", afirmou Mesa.
"Essa será uma eleição na qual está em jogo o destino da Bolivia", disse o ex-presidente, de 66 anos, que esteve À frente do país de 2003 a 2005.
A sombra da rebelião
Caso ocorra uma vitória de Morales em primeiro turno, em meio a um clima de suspeita de fraude eleitoral, alguns setores da oposição, como o Conade, pretendem convocar uma "rebelião".
A decisão de Morales de disputar um novo mandato é mal vista por um segmento da população e muito criticada pela oposição, que considera que uma vitória do presidente colocaria a Bolívia no caminho da autocracia.
Morales foi beneficiado por uma decisão do Tribunal Constitucional de 2017 que o habilitou a disputar a reeleição de modo indefinido, alegando que este é um direito humano, apenas um ano depois da derrota do presidente em um referendo que consultou a população sobre o tema.