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Como a maconha irá salvar o futuro dessa cidadezinha dos EUA

Cidadãos querem transformar a pequena Needles, na Califórnia, em um novo tipo de cidade industrial dedicada à cannabis

*NÃO USAR EM OUTRAS MATÉRIAS* Cidade de Needles na Califórnia (Joe Buglewicz/The New York Times)

Gabriela Ruic

Publicado em 30 de dezembro de 2018 às 06h00.

Última atualização em 30 de dezembro de 2018 às 06h00.

Needles, Califórnia – Jeff Williams, o novo prefeito desta pequena cidade no deserto, perto da fronteira do Arizona, prendeu muita gente que vendia maconha em seus dias como xerife do condado. Ele votou contra a legalização da erva em um referendo estadual de 2016.

Mas Williams também reconhece que a cidade em que mora desde que estava no segundo ano já viu melhores dias. Hoje, os empregos na ferrovia quase acabaram. E as pessoas que usavam a antiga Rota 66 já não param mais aqui, como costumavam fazer.

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Então, Williams, delegado de 54 anos de idade, tornou-se o líder improvável do esforço menos provável ainda de transformar Needles em um novo tipo de cidade industrial dedicada à cannabis.

"Se uma pequena comunidade como esta não cresce, acaba morrendo – e é isso que estamos fazendo", disse Williams. "Precisávamos tomar uma atitude."

O conselho da cidade nesta comunidade solidamente republicana de cinco mil habitantes aprovou 81 licenças para empresas de cannabis desde 2015. Quatro lojas estão vendendo maconha para o público – cerca de 100 vezes o número de dispensários por pessoa em todo o

estado.

Quase todos os quarteirões em Needles têm um edifício degradado, como o velho Relax Inn, que está sendo convertido em uma estrutura de cultivo de cannabis, ou, então, um novo edifício sendo construído para a fabricação de óleos e itens comestíveis. Se todos os projetos forem bem-sucedidos, as autoridades locais esperam gerar mais empregos – uma estimativa de 2.100 postos.

"Seria difícil encontrar alguém na cidade que não tenha um irmão, tio, irmã, tia, primo ou a própria pessoa envolvida na indústria", disse Rick Daniels, o administrador da cidade, em uma entrevista na prefeitura de Needles.

Se o nome da cidade é sugestivo (Needles significa "agulhas" em inglês), há uma razão. A histórica Rota 66, a estrada que trouxe para o oeste os muitos colonos do Sul da Califórnia no século 20, atravessa a cidade. Needles foi a primeira parada na Califórnia da família Joad em "As Vinhas da Ira", de John Steinbeck.

Needles também era o primeiro lugar onde as tripulações dos trens de carga faziam seu rodízio quando saíam de Los Angeles. Isso criou centenas de empregos.

Mas, como muitas outras pequenas cidades no caminho para Los Angeles, Needles costumava ser muito mais importante. A ferrovia reduziu o tamanho das tripulações dos trens, e o elegante edifício onde ficava o depósito local está praticamente vazio. A cidade perdeu seu último supermercado em 2014. Mais de um quarto de seus moradores vivem abaixo da linha de pobreza. Pouco a pouco, os empregos e as pessoas foram desaparecendo.

No primeiro mandato de Williams como prefeito, de 2006 a 2010 (ele também foi membro do conselho da cidade por quatro anos), ele tentou atrair a indústria solar. Quando isso não deu certo, viu a oportunidade da maconha quando um amigo quis abrir um dispensário aqui. Os habitantes da Califórnia votaram pela legalização da maconha medicinal anos atrás, em 1996.

Williams falou com médicos sobre os possíveis benefícios da erva e lentamente superou sua antipatia, que seus pais e seus anos como policial lhe haviam imposto.

"Foi um processo longo e trabalhoso", disse ele em uma entrevista recente.

Williams, que disse que nunca havia fumado maconha, trabalhou com o administrador da cidade e um advogado para promover um referendo em 2012 que impôs um imposto de 10 por cento sobre as empresas de cannabis. Foi aprovado com 81 por cento dos votos.

"Esta é uma cidade politicamente conservadora, mas tem uma série de liberalismos", disse Daniels, o administrador.

Os primeiros dispensários da cidade ainda enfrentaram oposição, especialmente das igrejas evangélicas locais. Mas eles não conseguiram atrair os maus elementos que alguns esperavam e o crime tem se mantido estável nos últimos anos.

No Wagon Wheel, o restaurante local mais antigo, uma pequena loja de suvenires oferece bandeirolas com a folha da maconha e placas comemorativas da Rota 420, um tipo de código para cannabis, e memorabilia da antiga Rota 66.

Em 2016, a Califórnia votou pela legalização da venda de maconha recreativa para adultos. Porém a maioria das comunidades é um tanto lenta para aceitar o fato, porque a erva ainda é ilegal segundo a lei federal.

Mas várias cidades em partes economicamente sofridas do estado aproveitaram a oportunidade. Needles tem concorrência de outras pequenas cidades a leste de Los Angeles, como Desert Hot Springs e Adelanto.

Com a cannabis, veio um problema. Meses depois que os primeiros dispensários abriram em Needles, eles foram invadidos por agentes federais. Nenhuma acusação foi feita, mas os produtos apreendidos nunca foram devolvidos.

E as autoridades federais prenderam recentemente autoridades em Adelanto, acusando-as de dar licenças em troca de subornos e favores pessoais. Há um julgamento programado.

"Quando você abre sua comunidade e diz: 'Tudo aqui é liberado, pode vir', você corre perigo", disse Tristan G. Pelayes, ex-prefeito de Adelanto que agora trabalha como advogado e representa algumas das autoridades acusadas.

As autoridades de Needles estão cientes dos riscos. Daniels, o administrador da cidade, proibiu os funcionários de aceitar até mesmo uma xícara de café de empresas locais. Como outros funcionários da cidade, ele tem de passar por testes regulares de drogas para garantir que nunca usou maconha.

"Essa indústria é vital para o futuro desta comunidade – simplesmente não podemos nos dar ao luxo de estragar tudo", disse Daniels.

Em uma reunião do Conselho Municipal em novembro, três dos cinco itens da pauta estavam relacionados à cannabis. Não houve oposição. A maioria dos que falaram era proprietária de dispensários e pediu à polícia que reprimisse com rigor as vendas de drogas ilegais.

Lyn Parker, secretária da Câmara de Comércio da cidade e ex-professora nas escolas do município, disse que a maconha não era a primeira indústria que a maioria de seus membros teria escolhido. Mas já a aceitaram.

"Não acho que a cannabis vá afastar alguma coisa, porque nada estava vindo para cá, de qualquer maneira. Se gostaríamos de uma pequena indústria aqui em vez dessa? Certamente, mas faremos qualquer coisa para ajudar nossa cidade", disse Parker.

Mas bolsões de oposição permanecem. Thomas Lamb, pastor da Assembleia de Deus de Needles, disse que viu a maconha se tornar um problema para as crianças na escola primária que ele supervisionava. Uma empresa de cannabis pediu para comprar a propriedade onde ficam sua igreja e a escola – ele rapidamente disse não.

"As pessoas que entraram em Needles querem comprar cada pedaço de propriedade disponível, incluindo a nossa igreja, para fabricar o seu produto. Francamente, é um tanto avassalador", disse ele.

Os dispensários que vendem baseados e cigarros eletrônicos são somente uma parte pequena do negócio da erva que as autoridades da cidade previram. Acredita-se que mais dólares de impostos virão de empresas que estão crescendo e fabricando produtos de maconha para outras partes do estado, como Los Angeles, onde as permissões e o cultivo são mais difíceis.

A proximidade da cidade com o Rio Colorado fornece uma fonte constante de água que o cultivo da planta requer. E Needles tem sua própria usina elétrica, o que lhe permite oferecer eletricidade a um quarto do custo das cidades que dependem de usinas comerciais. Isso é importante para o cultivo de maconha com luzes artificiais.

A Vertical Companies, uma grande produtora de cannabis sediada nos arredores de Los Angeles, adquiriu cerca de 12 hectares em Needles. Tem um campus na periferia da cidade com três novos edifícios e planos para mais três.

Dois dos edifícios contam com dois andares de salas que foram iluminadas para o crescimento das plantas. O outro edifício é dedicado às instalações de produção, onde partes da planta são extraídas em uma série de máquinas e béqueres elaborados.

A Vertical também está transformando um velho Kentucky Fried Chicken na Rota 66 em uma cozinha para doces e produtos comestíveis feitos com óleos de maconha.

Drew Milburn, fuzileiro naval que hoje é responsável pelas operações locais da Vertical, disse que havia feito uma pesquisa para a expansão em outras cidades da Califórnia, mas nenhuma poderia competir com a eletricidade e a água de Needles – e sua abertura para a indústria.

"Muitas cidades nos acolheram de braços abertos, mas poucas terminaram com um abraço", disse Milburn.

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