Com Biden, ninguém estará seguro, diz Trump
Presidente americano fecha a convenção republicana redobrando a aposta no discurso da lei e da ordem
Isabela Rovaroto
Publicado em 28 de agosto de 2020 às 06h48.
Última atualização em 28 de agosto de 2020 às 11h02.
Donald Trump encerrou a convenção nacional do Partido Republicano na noite de ontem dizendo que “nos Estados Unidos de Joe Biden ninguém estará seguro”.
Falando com a Casa Branca ao fundo, diante de uma plateia estimada em 1.500 pessoas que não guardavam distância segura e na grande maioria não usavam máscaras, Trump repetiu os três grandes temas de sua campanha pela reeleição:
- A economia americana nunca atravessou um período tão próspero como nos três primeiros anos de seu mandato -- até a chegada do “vírus chinês”;
- Biden é um “cavalo de Troia” da esquerda radical e representa uma grave ameaça ao estilo de vida americano;
- Só ele pode evitar que o caos e anarquia tomem conta do país.
Como esperado, o presidente americano tentou reescrever a história da pandemia do coronavírus nos Estados Unidos, afirmando que seu governo agiu de forma rápida e decisiva para controlar a crise.
Nos primeiros meses da pandemia, ele afirmou mais de uma vez que o vírus “iria embora” e esteve em conflito constante com os governadores, que pediam uma ação coordenada do governo federal. Mais de 180.000 americanos já morreram e quase 6 milhões foram infectados pelo coronavírus.
Trump também ressaltou os avanços no tratamento da Covid-19, mencionando o uso do plasma sanguíneo de pessoas que já tiveram a doença. O tratamento foi aprovado em caráter de urgência no final de semana, mas os especialistas afirmam que essa terapia tem eficácia limitada e ainda são necessários mais estudos.
Ele disse que uma vacina estará disponível “até o fim do ano, talvez antes”. A eleição americana acontece no dia 3 de novembro.
Em mais de uma hora de discurso, o tema que teve mais destaque foi o da “lei e da ordem”. A crise econômica e de saúde pública sem precedentes é a maior ameaça às chances de reeleição de Trump, e o candidato vem tentando há meses se concentrar nos protestos por justiça racial que aconteceram em junho – e recrudesceram esta semana.
Na descrição de Trump, os protestos foram violentos e caóticos – pelo menos nas cidades governadas pelo Partido Democrata. Houve casos de vandalismo e saques, mas a imensa maioria das manifestações foi pacífica. Uma pesquisa recente apontou que um em cada dez americanos participou de algum tipo de protesto.
“Jamais permitiremos que a turba assuma o controle”, disse Trump. “Temos de devolver o poder à polícia. Eles têm medo de agir, de perder seus empregos e sua aposentadoria.”
No final de maio, George Floyd, negro, foi assassinado por policiais brancos na cidade de Minneapolis, desencadeando a maior onda de tensões raciais no país em 60 anos. No último domingo, Jacob Blake, também negro, foi alvejado com sete tiros pelas costas, disparados por um policial branco. Ele está internado e perdeu o movimento das pernas.
“Vamos defender o direito de todos viverem em segurança. Vamos manter a América segura e vamos saudar a bandeira”, disse Trump, numa referência ao envolvimento de atletas que se ajoelham quando toca o hino nacional antes de cada partida.
Não houve menção a Floyd, Blake ou a nenhuma das outras dezenas negros vítimas da violência policial. O movimento espontâneo que se viu em junho só foi mencionado pelo ângulo do medo e da anarquia.
Mas Trump afirmou: “Muito modestamente, digo que fiz mais pela comunidade afro-americana que qualquer presidente desde Abraham Lincoln” – que assinou a Proclamação da Emancipação dos escravos.
Ameaça socialista
“Tudo o que conquistamos corre risco. Esta eleição vai decidir se queremos defender o modo de vida americano ou se vamos permitir que um movimento radical o destrua completamente”, disse Trump.
“Joe Biden não é o salvador da alma da América. Ele é o destruidor dos empregos americanos e, se tiver a chance, será o destruidor da grandeza dos Estados Unidos.”
Em seu discurso na semana passada, Biden não mencionou o nome do adversário. Trump mencionou Biden 41 vezes. Ele fez várias acusações falsas contra o adversário, como dizer que o democrata quer cortar os recursos da polícia e acabar com direito ao porte de armas.
Apesar de Biden representar a ala mais tradicional dos democratas, Trump se esforçou para associá-lo ao senador Bernie Sanders, líder da corrente mais à esquerda do partido.
“O manifesto de Biden e Sanders quer acabar com a deportação de imigrantes ilegais e quer dar saúde e advogados gratuitos para eles, pagos pelo contribuinte.”
Mais segurança
Três discursos prepararam o terreno para o discurso de Trump sobre o tema da ordem.
Rudolph Giuliani, ex-prefeito de Nova York e advogado do presidente, descreveu um cenário apocalíptico que estaria sendo observado nas cidades americanas.
“Minha cidade está em estado de choque. Índices de criminalidade subindo em ritmo jamais visto.” Segundo Giuliani, Nova York passa por uma “onda sem precedente de anarquia”.
Na versão de Giuliani, os protestos provocados pelo assassinato de George Floyd começaram de forma pacífica e foram apoiados por republicanos e democratas. Mas a oposição, com “uma eleição para vencer um país para destruir”, não poderia aceitar trabalhar com o presidente e permitiu que “Black Lives Matter e antifas” tomassem controle dos protestos e partissem para a violência, afirmou Giuliani.
Apesar das declarações assertivas, a imensa maioria das manifestações que pedem justiça racial são pacíficas – e não há caos em Nova York.
Patrick Lynch, presidente do maior sindicato de policiais da cidade, mencionou o aumento da criminalidade em Nova York: este ano, mais de 1.000 pessoas foram baleadas, e 300 morreram.
“As pessoas me perguntam: ‘por que isso acontece’? A resposta é simples: os democratas nos abandonaram. Eles abandonaram os policiais e os inocentes que eles protegem. Entregaram nossas ruas e nossas instituições [aos criminosos]. Eles são antipolícia.”
Eis a mensagem dos democratas, afirmou Lynch: “A polícia é o inimigo. Os criminosos têm o direito de resistir à prisão”.
Para humanizar o cenário de medo descrito na convenção, os republicanos prepararam um vídeo tocante de Ann Dorn, viúva de um policial aposentado que foi morto a tiros quando defendia uma loja de um grupo de vândalos que tentava saqueá-la.
Às lágrimas, Dorn disse que seu marido foi assassinado a sangue frio pelos saqueadores. O crime foi transmitido ao vivo pelo Facebook, e foi acompanhado pelo neto de Dorn.
“Revivo esse horror todos os dias. Espero que o país acorde desse pesadelo. Tantos jovens insensíveis e indiferentes. A vida não é videogame”, afirmou Dorn. “ Violência não é uma forma válidas de protesto. Precisamos de ajuda federal para restaurar a ordem. Toda vida é preciosa.”
Trump ataca a NBA
Durante a tarde, Trump criticou a suspensão de jogos da NBA em solidariedade ao movimento que pede justiça racial no país. O presidente afirmou que a liga é uma “organização política” e que a paralisação do campeonato “não é uma coisa boa para os esportes ou para o país”.
O boicote da rodada de quarta-feira se espalhou para outros esportes além do basquete masculino: jogos de beisebol, hóquei e basquete feminino também foram adiados.
As duas equipes de Los Angeles, os Clippers e os Lakers (de LeBron James, jogador de basquete mais famoso do mundo) consideraram abandonar o campeonato no
meio da fase final, mas os times e o sindicato dos jogadores chegaram a um acordo na tarde de ontem, e as partidas devem ser retomadas hoje ou amanhã.
Usando um de seus ataques prediletos, ele afirmou que a audiência da NBA não vai bem. “Não sei muito sobre a NBA. Sei que a audiência deles vai mal porque acho que as pessoas estão cansadas da NBA. É uma pena.”
‘Trump torce pela violência’
Em entrevista à CNN pouco antes do início da convenção, Biden afirmou que “Trump continua torcendo pela violência”. “Ele quer desviar a atenção de todo mundo. A maior questão de segurança do país é a Covid”, afirmou o democrata.
Biden também fez menção ao jovem de 17 anos preso por suspeita de matar dois manifestantes nos protestos realizados em Kenosha. Kyle Rittenhouse faria parte de uma milícia, tipo de grupo paramilitar armado que nos Estados Unidos muitas vezes é associado à extrema direita.
“Você já ouvir esse presidente dizer algo mau sobre supremacistas brancos? Alguma vez?”, perguntou Biden. Ele voltou a mencionar o comentário de Trump sobre os eventos de Charlottesville, há três anos. O presidente disse que entre os neonazistas e supremacistas brancos reunidos na cidade “havia gente muito boa”.
Teorias da conspiração
Entre os convidados para assistir a fala de Trump estava Marjorie Taylor Greene, que venceu a primária republicana do Estado da Geórgia e vai concorrer a deputada na eleição de novembro.
Greene é adepta da teoria da conspiração conhecida como QAnon. O movimento, que surgiu em fóruns obscuros da internet e vem se insinuando nas ruas e dentro do Partido Republicano, é uma confusão de ideias mirabolantes.
Uma delas diz que Trump vai expor uma rede de pedofilia que incluiria Barack Obama, Hillary Clinton e Tom Hanks. Descrita por Trump como “futura estrela republicana”, Greene afirmou em 2017 que o movimento QAnon é “uma oportunidade única para acabar com essa quadrilha de pedófilos adoradores de Satã”.
Questionado sobre o movimento, Trump foi evasivo: “Ouvi falar que são pessoas que amam o país... não sei nada sobre eles, a não ser que eles supostamente gostam de mim”.