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Com 21 grupos terroristas no Afeganistão, atentados eram previsíveis

Suspensão das operações de resgate em razão dos atentados e vítimas civis pode colocar em xeque política americana, diz especialista afegão em relações internacionais

Vítima de atentado terrorista é socorrida em Cabul, no Afeganistão (WAKIL KOHSAR/AFP via Getty Images/Getty Images)

Vítima de atentado terrorista é socorrida em Cabul, no Afeganistão (WAKIL KOHSAR/AFP via Getty Images/Getty Images)

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Carla Aranha

Publicado em 26 de agosto de 2021 às 14h49.

Última atualização em 26 de agosto de 2021 às 16h31.

Secretário particular do ex-presidente Hamid Karzai, que governou o Afeganistão entre 2001 e 2014, o afegão Sher Jan Ahmadzai, especialista em relações internacionais e políticas públicas, é considerado um dos maiores analistas do mundo em assuntos relacionados às dinâmicas da região. Em entrevista exclusiva à EXAME, Ahmadzai, que é diretor do Centro de Estudos Afegãos da Universidade de Nebraska, avalia o cenário atual no Afeganistão. “As decisões políticas que levaram à retirada das tropas americanas podem ter consequências desastrosas para o governo americano especialmente se atentados terroristas como os de hoje se repetirem”, diz. Veja os principais trechos da entrevista a seguir.

Os atentados terroristas que aconteceram nesta quinta no Afeganistão eram previsíveis?

Sim. Havia inúmeros relatórios de centrais de inteligência dos Estados Unidos e outros países sobre os grupos terroristas em ação no Afeganistão e quanto a retirada das tropas poderia impactar esse cenário para pior. Sem um governo democrático constituído e o aparato oficial de repressão ao terror, aliado à presença de tropas estrangeiras bem treinadas, o país poderia entrar numa grande fase de instabilidade.

O governo americano decidiu arcar com os riscos de sua retirada do Afeganistão, mesmo sabendo das ameaças terroristas?

Sim. Primeiro com Trump e agora com Biden, os Estados Unidos tomaram uma decisão política, para agradar o eleitorado americano. Colocaram na balança a desestabilização do Afeganistão e a possiblidade de atentados, que inclusive poderiam atingir cidadãos e tropas americanas, além do fato de que milhares de civis, afegãos e americanos, poderiam ser deixados para trás.

A autoria do atentado desta quinta está sendo atribuída ao Estado Islâmico. Pode ter sido uma ação coordenada com o Talibã para impedir a continuidade da evacuação de civis?

Pode. O Talibã tem uma unidade de inteligência que sabe perfeitamente o que acontece no país, inclusive em relação a grupos como o Estado Islâmico, que está presente na região há muito tempo.

O Estado Islâmico pode trabalhar de forma independente?

Sim. E é preciso lembrar que não existe só o Estado Islâmico ou o Talibã. Há pelo menos 21 grupos, que chamamos de milícias, em atuação no país. Só do Estado Islâmico há umas três ou quatro ramificações. Eles podem trabalhar juntos ou não. Mas tenha certeza que o Talibã conhece muito bem sua forma de operar e os monitora.

Com tantos grupos terroristas em atuação no Afeganistão, que agora é governado inclusive por um deles, há risco de que os atentados extrapolem as fronteiras do país e acontecer no Ocidente?

Existe esse risco sim.

Com o atentado de hoje e os alertas que os países ocidentais já vinham detectando, as evacuações devem diminuir muito, não? Que tipo de impacto o fato de milhares de afegãos que colaboraram com as forças dos EUA e cidadãos americanos serem deixados para trás podem trazer para o governo americano?

Pode repercutir muito mal, gerando uma crise interna. Isso sem falar na imensa crise humanitária que já está acontecendo.

E como fica a posição dos EUA em relação aos países europeus, que estão dizendo que sequer foram avisados com antecedência sobre a retirada das tropas?

A decisão de sair foi tomada pelos Estados Unidos de forma unilateral, e agora, com a situação no Afeganistão piorando a ponto de haver atentados terroristas, vários países europeus já anunciaram que suspenderam as evacuações. Muitos estão dizendo publicamente que foram pegos de surpresa com a data de 31 de agosto para retirada das tropas americanas.

 

 

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