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CNE venezuelano suspendeu auditorias que confirmariam se resultados correspondem aos votos

Verificações ficaram pendentes na sequência da alegação de suposto ataque hacker atribuído à oposição

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Publicado em 1 de agosto de 2024 às 20h53.

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O Conselho Nacional Eleitoral (CNE) venezuelano anunciou a reeleição de Nicolás Maduro com 80% das urnas apuradas e o proclamou presidente ainda na segunda-feira. Mas três auditorias aprovadas pelo órgão, que é pró-governo, foram suspensas na sequência do suposto ataque hacker contra o sistema eleitoral, atribuído à oposição — que contesta os resultados divulgados.

Essas verificações, apontam especialistas ouvidos pelo jornal venezuelano Efecto Cocuyo, são fundamentais para confirmar se os números divulgados pelo órgão correspondem de fato à vontade popular.

As três auditorias aprovadas pelo CNE que estão suspensas são a telecomunicações fase II, que deveria ter ocorrido na última terça-feira; a verificação cidadã fase II, marcada para sexta-feira; e os dados eleitorais ADES fase II, marcado para acontecer ao longo da próxima semana, começando na segunda-feira e terminando na quinta-feira.

— A auditoria de "telecomunicações" verifica os métodos de transmissão. Portanto, se houve um hack, a auditoria de telecomunicações seria essencial para poder determinar como esse hack ocorreu — explicou o diretor do portal de análise eleitoral Votoscopio, Eugenio Martínez, ao jornal venezuelano, continuando: — E depois, a auditoria de "verificação cidadã, fase dois", é usada para pegar uma amostra aleatória de 1% das máquinas e verificar se não houve nenhum tipo de modificação de software nelas, se todas transmitiram como deveria, se tudo o que foi auditado não mudou entre a auditoria e depois da eleição.

O diretor do Observatório Eleitoral Venezuelano (OEV), Ignacio Ávalos, destacou que essas verificações pendentes são fundamentais para garantir que os resultados informados pelo conselho eleitoral correspondem aos votos que os venezuelanos depositaram nas urnas. Mas, apesar de suspensas as verificações, o diretor explicou que ainda há tempo para que essas auditorias sejam realizadas.

— O CNE permitiu que a auditoria de telecomunicações na Praça Caracas esclarecesse a invasão, publicasse os resultados de máquinas que foram transmitidas para a sala de totalização da Praça Venezuela e entregasse a base de dados do primeiro boletim aos observadores — disse Martínez, concordando com Ávalos que o CNE deve fazer a auditoria "o mais rápido possível".

Pressa no resultado

Um dos principais questionamentos ao CNE foi sua pressa em proclamar Maduro como presidente poucas horas após a divulgação dos resultados. Com 80% das urnas apuradas, o líder chavista obteve 5,1 milhões de votos (51,2%) contra os 4,4 milhões (44,2%) do candidato opositor, o ex-diplomata Edmundo González Urrutia. Uma diferença de apenas 700 mil votos, levando em consideração que faltavam ainda 20% das urnas serem apuradas. Ávalos explicou que "todas as atas devem ser totalizadas antes" da divulgação do resultado.

— A Junta Eleitoral tinha 48 horas (que terminaram na terça-feira às 18h, no horário local) para fazer a totalização e então anunciar o resultado — disse o diretor do OEV ao Efecto Cocuyo.

Ávalos explicou que a Lei Orgânica de Processos Eleitorais (Lopre) estabelece um prazo de 48h para totalização dos resultados pela Junta Nacional Eleitoral (JNE) e as Juntas Eleitorais, estas sob supervisão da primeira. Se a apuração não for realizada dentro do prazo, a JNE poderá fazer a totalização que deverá incluir os resultados de todas as seções eleitorais do respectivo círculo eleitoral. O CNE, por sua vez, tem 30 dias para publicar o total dos resultados eleitorais no Diário Eleitoral. Isto é, até o dia 28 de agosto.

Oposição clama nova mobilização

Na quarta-feira, Maduro apresentou um recurso ao Tribunal Supremo de Justiça (TSJ), também pró-governo, pedindo que seja esclarecido "tudo o que for necessário" sobre a votação realizada no último domingo. Nesse caso, Maduro busca reafirmar os resultados da eleição, já que o esclarecimento faz referência ao suposto ataque hacker para modificar os resultados das eleições, classificado pelo presidente chavista como uma "tentativa de golpe de Estado".

O presidente venezuelano também disse estar pronto para apresentar "100% das atas", uma das principais solicitações da comunidade internacional, incluindo dos líderes do Brasil e da Colômbia. o CNE segue sem apresentar os resultados. No mesmo dia, a Casa Branca disse estar "perdendo a paciência" com o país sul-americano, e o chefe da diplomacia americana para o Hemisfério Ocidental, Brian Nichols, disse estar "claro" que González Urrutia "derrotou Nicolás Maduro por milhões de votos".

Na América Latina, o presidente da Colômbia, Gustavo Petro, aliado internacional de Maduro, quebrou o silêncio e pediu maior transparência do processo eleitoral. Ele, o presidente do Brasil, Lula, e o do México, Andrés Manuel López Obrador, devem conversar por telefone nesta quinta-feira, segundo informou o mandatário mexicano. Um comunicado em conjunto era esperado, mas divergências de posicionamentos podem ter travado sua divulgação.

Encabeçada por María Corina Machado, inabilitada politicamente por 15 anos, a oposição alegou ter coletado mais de 80% das folhas de apuração e afirma que o verdadeiro vencedor é Gonzalez Urrutia, com 67% dos votos, graças às testemunhas posicionadas nas 30 mil seções eleitorais. Eles lançaram em um site cópias das atas de votação que comprovaria a vitória do ex-diplomata, o que foi classificado pela situação como uma farsa.

"Oferecemos ao regime que aceitasse democraticamente sua derrota e avançasse em uma negociação para garantir uma transição pacífica; no entanto, optaram pelo caminho da repressão, da violência e da mentira", escreveu Corina Machado na rede social X, voltando a convocar a população: "Agora nos cabe fazer valer a verdade que todos conhecemos. Vamos nos mobilizar. Conseguiremos."

Após a proclamação da vitória de Maduro na segunda-feira, eclodiram protestos em Caracas e em outras cidades, com 11 civis mortos, segundo ONGs de direitos humanos, e mais de mil prisões.

Medo de delações

Apesar dos protestos que se seguiram nos últimos dias, Caracas retomou parcialmente sua normalidade. Os comércios começam a abrir e o transporte público volta a funcionar após dias de grande incerteza devido aos protestos que transformaram a capital em uma espécie de cidade fantasma.

— A vida está se normalizando, já há bastante gente na rua — afirmou à AFP Reinaldo García, de 55 anos, na gigantesca favela do Petare.

No entanto, o ambiente em geral é de temor. Em um edifício de um bairro de classe média, os vizinhos fazem sinais para se calar quando o assunto das eleições surge: temem ser delatados e presos.

Maduro ordenou um destacamento de segurança para evitar o que considerou um golpe de Estado por parte da oposição "fascista". O presidente até criou uma seção dentro de um aplicativo de programas sociais para denunciar "os criminosos que ameaçaram o povo" para "ir atrás deles, para que haja justiça".

As Forças Armadas, por sua vez, têm demonstrado sua posição de "absoluta lealdade e apoio incondicional" a Maduro, "legitimamente reeleito". O procurador-geral da Venezuela, Tarek William Saab, informou que um militar morreu, 77 funcionários ficaram feridos e mais de mil pessoas foram detidas nos protestos.

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