Mundo

Cinco anos depois, tártaros da Crimeia resistem à anexação russa

Os tártaros, que representam pouco mais de 10% da população da Crimeia, boicotaram desde 2014 todas as eleições realizadas na península

Crimeia: os tártaros têm a intenção de votar nas eleições presidenciais ucranianas no final de março (Independence Square/Getty Images)

Crimeia: os tártaros têm a intenção de votar nas eleições presidenciais ucranianas no final de março (Independence Square/Getty Images)

E

EFE

Publicado em 20 de março de 2019 às 11h03.

Moscou — Cinco anos depois da anexação russa da Crimeia, a minoria tártara continua resistindo à ocupação, mantém seu passaporte ucraniano e pensa em votar nas eleições presidenciais da Ucrânia no final de março.

"A maioria dos tártaros não reconheceu a anexação em 2014 e continua sem aceitar a ocupação russa agora", disse à Agência Efe Nariman Dzhelial, representante da minoria tártara na península.

Dzhelial afirmou que os tártaros, que representam pouco mais de 10% da população da Crimeia, boicotaram desde então todas as eleições realizadas na península, entre elas as presidenciais, nas quais o chefe do Kremlin, Vladimir Putin, foi reeleito há um ano.

As autoridades estão tentando persuadir os tártaros para que participem das eleições municipais deste ano, mas Dzhelial está convencido de que receberão um "não" como resposta.

Embora não haja números oficiais, um em cada dez tártaros deixou a península há cinco anos temendo a repressão, embora alguns tenham voltado pouco depois, já que "viram que a situação era tranquila", segundo o ativista.

"Agora, se você vem à Crimeia, tudo também parece tranquilo. As pessoas nascem, estudam, trabalham e morrem, mas por trás desse bem-estar há uma pressão psicológica muito grande e uma constante repressão. Nós estamos sob estresse permanente. Não é uma situação normal, já que não há liberdade. Vivemos com medo", disse Dzhelial.

O líder histórico dos tártaros, Mustafa Dzhemilev, exilado em Kiev, acredita que seu povo está pior com Putin do que durante a União Soviética.

"Desde 2014 não se vê nenhuma melhoria na situação do meu povo e também não esperamos avanços. Os tártaros são discriminados. As autoridades locais se limitam a recorrer ao terror e à repressão", denunciou Dzhemilev.

Além da proibição por lei da Assembleia Popular (Mejlis), os tártaros não podem organizar manifestações para defender o seu direito à autodeterminação e seus líderes são vigiados de perto pelo Serviço Federal de Segurança (FSB, antiga KGB).

As autoridades da Crimeia rejeitam todas as solicitações de manifestação apresentadas pelos tártaros, que se limitam a ações informais, como o 75º aniversário das deportações stalinistas, que será lembrado em maio.

Dzhelial calculou que há "mais de 80" presos políticos na Crimeia, dos quais mais da metade são tártaros, além dos desaparecidos, que são mais de 20.

"Há tártaros que abriram negócios e estão bem. Mas a maioria não só pensa no seu bem-estar, mas em defender os seus direitos. Por qualquer frase podem te deter e interrogar", lamentou o ativista.

Na semana passada, a ONU e o Departamento de Estado dos Estados Unidos denunciaram a perseguição dos tártaros, seja por ativismo político, filiação a organizações muçulmanas ou por se negarem a cumprir o serviço militar.

Contudo, os tártaros não têm escolha, embora sempre possam atravessar a fronteira e não olhar para trás.

"Temos plena liberdade para atravessar a fronteira. Não há lei que proíba isso. Mas nós recomendamos não sair. Nós, tártaros, gostemos ou não, devemos viver sob a legislação russa, ir ao médico, receber educação em uma escola russa e servir no exército russo", destacou Dzhelial.

Por sua vez, Dzhemilev lembrou que os tártaros tiveram que solicitar um passaporte russo, já que, caso contrário, não teriam acesso a educação e saúde gratuitas.

No entanto, segundo o ativista, "muitos duvidam" que os tártaros poderão usá-lo no futuro.

"Não há nada eterno. A história dá voltas muito interessantes. A Crimeia é um grande problema para a Rússia. Se voltasse para a Ucrânia, seria bom para todos. O bloqueio internacional terminaria e a Rússia poderia voltar à comunidade internacional", declarou Dzhelial.

Dzhemilev também se mostrou "convencido" de que a península voltará a ser ucraniana e, entre outras coisas, se baseia nas declarações dos EUA.

"Transformaram a Crimeia em uma base militar. Não há nem indústria nem comércio, nada. Eles nos dizem que os russos reconstruíram um antigo silo soviético e posicionaram armas nucleares não longe de Teodósia ", ressaltou.

Nesse cenário, os tártaros têm a intenção de votar nas eleições presidenciais ucranianas de 31 de março.

"Convidamos os tártaros a votar na Ucrânia. Há um procedimento, embora seja embaraçoso. É preciso atravessar a fronteira duas vezes. Uma para se registrar, e uma segunda para votar", explicou Dzhemilev.

O FSB costuma impor restrições e reter os tártaros "entre 20 minutos e várias horas", mas o líder acredita que, de todas formas, parte dos tártaros da Crimeia irá às urnas.

Para Dzhemilev está claro em quem os tártaros devem votar. "Poroshenko tem como prioridade restabelecer a integridade territorial da Ucrânia. Outros querem pactuar com Putin", destacou.

"Conheço Poroshenko há mais de 20 anos. Não tenho motivos para duvidar da sua honestidade", finalizou Dzhemilev.

Acompanhe tudo sobre:CrimeiaRússiaUcrânia

Mais de Mundo

Putin sanciona lei que anula dívidas de quem assinar contrato com o Exército

Eleições no Uruguai: Mujica vira 'principal estrategista' da campanha da esquerda

Israel deixa 19 mortos em novo bombardeio no centro de Beirute

Chefe da Otan se reuniu com Donald Trump nos EUA