"Charlie Hebdo" não quer mais ser um símbolo
Quatro meses depois do atentado, o redator chefe, Gérard Biard, diz que o preço a pagar é muito alto, e que a publicação já não quer mais ser um símbolo
Da Redação
Publicado em 5 de maio de 2015 às 10h57.
Washington - Em pouco mais de meia hora, "Charlie Hebdo" passou de uma pequena revista satírica francesa a emblema mundial da liberdade de expressão.
Quatro meses depois do atentado , seu redator chefe, Gérard Biard, diz que o preço a pagar é muito alto, e que a publicação já não quer mais ser um símbolo.
Biard estava em Londres quando os irmãos Kouachi invadiram armados a redação da revista e acabaram com a vida de 12 pessoas. Ao contrário dos companheiros que estavam ali e sobreviveram, sua primeira reação não foi o medo, mas a raiva.
"Passamos para outro mundo. Nossas vidas mudaram, é óbvio. Éramos uma pequena revista satírica e em meia hora nos transformamos em símbolo mundial. É bastante duro lidar com isso, não é nosso trabalho ser um símbolo, mas fazer rir e pensar com nossos artigos e desenhos", disse esta semana em uma conversa na Freedom House.
Biard visita nestes dias os Estados Unidos, onde não existe uma revista equivalente a "Charlie Hebdo", junto com o crítico de cinema da revista, Jean-Baptiste Thoret.
O crítico também não estava na redação no momento do atentado: perdeu a hora e chegou tarde.
"Não podemos ser os únicos que defendemos estes valores, porque estes valores pertencem a todos. É muito fácil dizer 'continuem e defendam nossos valores', mas não podemos ser os únicos. Não queremos ser mais um símbolo", sustentou Biard.
A "Charlie Hebdo" provoca polêmica no mundo todo, e também nos EUA. O último exemplo é a recusa de seis membros do PEN American Center em assistir à cerimônia de premiação nesta terça-feira em Nova York por não concordar que o prêmio à liberdade de expressão seja recebido por uma revista que acusam de ser provocadora e intolerante.
"Acho que pensam que o prêmio dado a 'Charlie Hebdo' é por seu conteúdo, e não é assim. Este é um prêmio dado ao princípio de liberdade de expressão, uma liberdade 'sem mas', inclusive se o produto dessa liberdade de expressão te desagrada ou te irrita", defendeu Thoret.
O cartunista Luz, autor da famosa capa de Maomé chorando após o atentado, anunciou esta semana que não voltará a desenhar o profeta porque é um personagem que já não o interessa.
"Entendo seu ponto de vista, como artista está cansado de desenhar sempre o mesmo personagem. Talvez acredite que não vale a pena, porque viu as consequências em seus amigos. Eu não estive lá, por isso, embora entenda sua postura, tenho um ponto de vista diferente", comentou Biard.
"Isto não quer dizer que os terroristas tenham ganhado. Mas é certo que sua vida muda (após um fato como o atentado), sua vida é totalmente diferente, está em uma prisão. Como pode continuar a ser divertido rodeado de tanta segurança?", questionou Thoret.
Para seu colega Biard, a violência não pode ser respondida só com segurança, mas também com comportamento: "É totalmente natural estar assustado, mas se não tentarmos superar esse medo temos um grande problema".
Entre as vítimas do ataque jihadista estava justamente seu antecessor, Stéphane Charbonnier, redator-chefe da revista desde 2009.
"A imprensa tem uma responsabilidade neste assunto, porque começaram a dizer 'não deveriam fazer isto, talvez o que façam não é correto'. Nos deram as costas. Pecaram pela falta de coragem", opinou Biard.
"Se não publica por medo de ofender, envia uma mensagem equivocada a quem usa a violência e a ameaça para impor seus pontos de vista. Está dizendo que têm razão em ser violentos e matar, porque funciona, porque as pessoas se assustam", completou.
"Se tem medo de publicar por ofender alguém, é melhor deixar o lápis e se dedicar a outro trabalho. Sempre vai encontrar alguém ofendido pelo que fez. A liberdade de expressão não pode ter 'poréns'", concluiu Thoret.
Juntos ele e Biard receberão o prêmio PEN nesta terça-feira em Nova York. A organização elegeu a revista francesa "por ter pago o preço mais alto por seu exercício da liberdade de expressão e depois de ter militado em meio a sua devastadora perda".
Washington - Em pouco mais de meia hora, "Charlie Hebdo" passou de uma pequena revista satírica francesa a emblema mundial da liberdade de expressão.
Quatro meses depois do atentado , seu redator chefe, Gérard Biard, diz que o preço a pagar é muito alto, e que a publicação já não quer mais ser um símbolo.
Biard estava em Londres quando os irmãos Kouachi invadiram armados a redação da revista e acabaram com a vida de 12 pessoas. Ao contrário dos companheiros que estavam ali e sobreviveram, sua primeira reação não foi o medo, mas a raiva.
"Passamos para outro mundo. Nossas vidas mudaram, é óbvio. Éramos uma pequena revista satírica e em meia hora nos transformamos em símbolo mundial. É bastante duro lidar com isso, não é nosso trabalho ser um símbolo, mas fazer rir e pensar com nossos artigos e desenhos", disse esta semana em uma conversa na Freedom House.
Biard visita nestes dias os Estados Unidos, onde não existe uma revista equivalente a "Charlie Hebdo", junto com o crítico de cinema da revista, Jean-Baptiste Thoret.
O crítico também não estava na redação no momento do atentado: perdeu a hora e chegou tarde.
"Não podemos ser os únicos que defendemos estes valores, porque estes valores pertencem a todos. É muito fácil dizer 'continuem e defendam nossos valores', mas não podemos ser os únicos. Não queremos ser mais um símbolo", sustentou Biard.
A "Charlie Hebdo" provoca polêmica no mundo todo, e também nos EUA. O último exemplo é a recusa de seis membros do PEN American Center em assistir à cerimônia de premiação nesta terça-feira em Nova York por não concordar que o prêmio à liberdade de expressão seja recebido por uma revista que acusam de ser provocadora e intolerante.
"Acho que pensam que o prêmio dado a 'Charlie Hebdo' é por seu conteúdo, e não é assim. Este é um prêmio dado ao princípio de liberdade de expressão, uma liberdade 'sem mas', inclusive se o produto dessa liberdade de expressão te desagrada ou te irrita", defendeu Thoret.
O cartunista Luz, autor da famosa capa de Maomé chorando após o atentado, anunciou esta semana que não voltará a desenhar o profeta porque é um personagem que já não o interessa.
"Entendo seu ponto de vista, como artista está cansado de desenhar sempre o mesmo personagem. Talvez acredite que não vale a pena, porque viu as consequências em seus amigos. Eu não estive lá, por isso, embora entenda sua postura, tenho um ponto de vista diferente", comentou Biard.
"Isto não quer dizer que os terroristas tenham ganhado. Mas é certo que sua vida muda (após um fato como o atentado), sua vida é totalmente diferente, está em uma prisão. Como pode continuar a ser divertido rodeado de tanta segurança?", questionou Thoret.
Para seu colega Biard, a violência não pode ser respondida só com segurança, mas também com comportamento: "É totalmente natural estar assustado, mas se não tentarmos superar esse medo temos um grande problema".
Entre as vítimas do ataque jihadista estava justamente seu antecessor, Stéphane Charbonnier, redator-chefe da revista desde 2009.
"A imprensa tem uma responsabilidade neste assunto, porque começaram a dizer 'não deveriam fazer isto, talvez o que façam não é correto'. Nos deram as costas. Pecaram pela falta de coragem", opinou Biard.
"Se não publica por medo de ofender, envia uma mensagem equivocada a quem usa a violência e a ameaça para impor seus pontos de vista. Está dizendo que têm razão em ser violentos e matar, porque funciona, porque as pessoas se assustam", completou.
"Se tem medo de publicar por ofender alguém, é melhor deixar o lápis e se dedicar a outro trabalho. Sempre vai encontrar alguém ofendido pelo que fez. A liberdade de expressão não pode ter 'poréns'", concluiu Thoret.
Juntos ele e Biard receberão o prêmio PEN nesta terça-feira em Nova York. A organização elegeu a revista francesa "por ter pago o preço mais alto por seu exercício da liberdade de expressão e depois de ter militado em meio a sua devastadora perda".