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Catalunha: independente, mas aberta à negociação?

O presidente da Catalunha, Carles Puigdemont, dá declaração confusa sobre rumos políticos da região

Parlamento da Catalunha: o líder catalão afirmou que resultado do referendo deve ser respeitado, mas decidiu abrir caminho para as negociações (David Ramos/Getty Images)

Parlamento da Catalunha: o líder catalão afirmou que resultado do referendo deve ser respeitado, mas decidiu abrir caminho para as negociações (David Ramos/Getty Images)

CA

Camila Almeida

Publicado em 10 de outubro de 2017 às 16h25.

Última atualização em 10 de outubro de 2017 às 16h25.

Era esperado que, nesta terça-feira, a Catalunha declarasse independência de forma unilateral. Mas, em discurso ao Parlamento, o presidente da região, Carles Puigdemont, adotou um discurso confuso. Seu pronunciamento estava previsto para as 18h – no horário local – mas atrasou sua chegada ao plenário em uma hora.

Em sua fala, que durou cerca de 45 minutos, ele reiterou diversas vezes que o resultado do referendo, em que a população decidiu pela independência, é legítimo, deve ser respeitado e que a Catalunha deve seguir o desejo registrado por seu povo nas urnas.

Porém, Puigdemont decidiu suspender os efeitos da decisão de independência por agora e se propôs a ampliar o diálogo e a negociação sobre o assunto. Ele também afirmou que tem interesse em explorar uma mediação internacional.

O líder catalão desceu do púlpito sem que os parlamentares ou mesmo a imprensa presentes entendessem bem qual foi a resolução. Ele não deu nenhum encaminhamento sobre o que deve ser feito a partir de agora. Ao longo de seu discurso, o nacionalista relembrou que a Catalunha tem uma economia forte, que eram necessárias medidas duras para conseguir fazer valer o referendo e que “a primeira batalha já foi vencida”, quando se referiu ao “sim” conquistado.

A mensagem provocou revolta em seus opositores, que afirmam que a Catalunha está sofrendo um “golpe”. Porém, o texto foi tão truncado que o líder do Partido Socialista da Catalunha, Miquel Iceta, que faz oposição aos nacionalistas, afirmou que “não se pode suspender uma declaração que não tenha sido feita”. Parte da imprensa internacional acredita que a Espanha poderia acionar o artigo 155 da Constituição, que dá ao país o direito de tomar o controle sobre o governo da Catalunha.

Voltar atrás em uma declaração unilateral de independência a todo custo foi uma estratégia necessária. Diversos setores da própria Catalunha, como empresários, sociedade civil, adversários políticos e até mesmo aliados, investiram uma semana inteira de protestos por mais moderação.

A prefeita de Barcelona, Ada Colau, que defendeu firmemente o direito dos catalães de decidirem num referendo se desejam ou não a independência, pediu na segunda-feira que o resultado não seja usado como aval para uma secessão, que minaria qualquer possibilidade de negociação — mas para um diálogo com o governo espanhol.

No dia 1º de outubro, 2 milhões de pessoas votaram pelo “sim” nas urnas, equivalente a 90% dos que manifestaram seu voto. O resultado é expressivo, dado que há 5,3 milhões de eleitores habilitados na região. A realização do referendo, considerada ilegal pelo governo espanhol, foi severamente reprimida pelas forças policiais, que tentaram impedir a realização da votação e deixaram mais de 800 feridos. A repressão à liberdade de expressão dos eleitores acabou inflando, ainda mais, o desejo de separação nos independentistas.

Um dos principais argumentos, porém, para a declaração de independência, é econômico, não político. A Catalunha frequentemente atesta que a capital espanhola, Madri, recebe mais do que devolve em benesses para a região, que é uma das mais lucrativas do país. Apesar de concentrar cerca de 15% da população espanhola, contribui com 20% do PIB e mais de 25% das exportações, além de receber também cerca de um quarto dos turistas que visitam o país anualmente.

Se manter sozinha, porém, não seria tão simples assim. Para o economista Juan Tugores Ques, especialista em economia internacional e professor da Universidade de Barcelona, a Catalunha tem massa crítica e população semelhante a uma série de outros países europeus, mas a dúvida sobre como se dariam as novas regras do jogo poderiam abalar a prosperidade tanto da região como da Espanha. “As incertezas de um período transitório são muitas, como que legislações seriam aplicáveis, se a Catalunha pertenceria à União Europeia, se continuaria a utilizar o euro, dentre outras questões”, afirma o especialista.

E, apesar de a Catalunha já ser uma região oficialmente autônoma desde 1979, que conta com língua, bandeira e governo próprios, o desejo por independência não é tão recente assim.

O cientista político Klaus-Jürgen Nagel, especialista em nacionalismo e história da Catalunha e professor da Universidade Pompeu Fabra, em Barcelona, os movimentos nacionalistas catalães surgiram no final do século 19 e, desde o início do século 20, têm presença relevante e maioritária na política regional. Porém, o desejo de formar uma nação independente só veio surgir entre 2006 e 2012, quando a região tentou aprovar seu novo Estatuto de Autonomia.

O parlamento propôs as novas regras com apoio de mais de 80% dos deputados, mas elas foram rechaçadas pelo governo espanhol. Depois, a população aprovou o novo estatuto num referendo legal, mas que foi posteriormente deslegitimado pela justiça espanhola.

“Foi nesse contexto que muitos nacionalistas abandonaram sua posição de buscar reconhecimento nacional dentro da Espanha e migraram para o independentismo, por acreditarem que outra via para alcançar esse reconhecimento já não existe”, diz Nagel.

Para o cientista político é, agora, enfim, que os movimentos por independência estão mais articulados na Catalunha. Os nacionalistas dominam 48% das cadeiras do parlamento catalão, e contam com o apoio dos 12% que acreditam no direito da Catalunha de realizar um referendo sobre seu destino.

O fato de o líder da região, Carles Puigdemont, ter conseguido levar à frente seu plano de independência — mesmo com o governo espanhol tentando impedir a realização do referendo e com a falta de reconhecimento da União Europeia, que considera que o assunto deve ser resolvido internamente e que teme a insurgência de cada vez mais países —, é simbólico da própria força política que o ideal alcançou.

A cientista política Eva Anduiza, que coordena o grupo de pesquisa em Democracia, Eleições e Cidadania na Universidade Autônoma de Barcelona, também acredita que, apesar de a sociedade catalã estar dividida, o aumento do poder de negociação dos independentistas é inegável. “Agora, não creio que a Catalunha tenha condições de declarar independência, mas, se o estado espanhol não oferecer uma proposta política atrativa aos catalães, mais cedo ou mais tarde ela virá a ocorrer”, afirma a especialista. Para Anduiza, também é pouco provável que a União Europeia seja capaz de mediar uma negociação entre os dois lados. “Se o estado espanhol não consegue reconhecer que há um problema político que necessita de uma resposta negociada, cairia bem que a União Europeia o ajudasse a fazê-lo, mas isso não deve vir a acontecer.”

O governo espanhol, até o momento, se mostra intransigente à abertura de qualquer negociação, e segue afirmando que o processo de independência que a Catalunha tem tentado mover não tem validade jurídica ou constitucional e, por isso, nem cabe conversar sobre o assunto. Apesar de o governo ter base legal para afirmar que a Catalunha é quem deve retroceder em relação à ideia de independência, o internacionalista Filipe Romão, professor da Universidade Autônoma de Lisboa e pesquisador das resoluções de conflitos internacionais que se dedicou ao estudo do caso espanhol, acredita que seria plausível sentar para negociar.

O problema é que, para ele, a Catalunha precisaria consolidar melhor suas posições internamente, antes de avançar a todo custo rumo à independência. “Os nacionalistas catalães não conseguiram consolidar uma maioria muito forte, e esse argumento poderá ser melhor consolidado nas próximas eleições”, afirma Romão. O atual mandato do governo de Puigdemont, que teve início em 2016, vai até 2019.

Em 2015, apenas dois anos atrás, os nacionalistas já haviam tentado sondar a opinião pública num referendo informal, mas a baixa participação do eleitorado não fez a consulta ter grande valia política. A discussão tem avançado rápido e, para o cientista político Klaus-Jürgen Nagel, da Universidade de Barcelona, ela tem caminhado da única maneira possível, já que não há previsão legal — e alerta que o consenso não passa de uma utopia. “Não conheço nenhuma independência, seja por referendo, declaração ou guerra, que tenha sido realizada por consenso. Onde houve votação (casos raros, sem dúvidas), sempre se decidiu por maioria”, diz Nagel. “Uma nação minoritária na Espanha só tem as alternativas de se submeter ao status quo ou ir por conta própria à independência.”

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