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A caça desesperada por comida na Venezuela - em 30 dias

O colapso da Venezuela é de uma escala que não era vista no Hemisfério Ocidental há décadas


	Venezuelanos fazem fila para comprar alimentos: apagões, linchamentos, hospitais sem estoques no país
 (Marco Bello / Reuters)

Venezuelanos fazem fila para comprar alimentos: apagões, linchamentos, hospitais sem estoques no país (Marco Bello / Reuters)

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Da Redação

Publicado em 18 de julho de 2016 às 17h24.

Saques, apagões, linchamentos, hospitais sem estoques.

O colapso da Venezuela é de uma escala que não era vista no Hemisfério Ocidental há décadas.

Em um esforço para ilustrar como é a vida cotidiana no país, a repórter da Bloomberg Fabiola Zerpa documentou seus esforços para conseguir alimentos para sua família de classe média.

Esta é uma seleção de relatos de sua crônica de um mês.

9 de junho

Quinta-feira. Minha única chance na semana de comprar produtos de consumo básico -- óleo de cozinha, arroz, sabão para lavar roupa -- pelos preços fixados pelo governo.

Todo venezuelano adulto conta com dias específicos da semana para comprar produtos regulados com base nos números de suas carteiras de identidade. Meus dias são domingos e quintas-feiras. Os domingos são inúteis, contudo. As lojas deixaram há muito tempo de vender produtos regulados no fim de semana. As quintas-feiras são só um pouco melhores.

Nos últimos meses, as filas dos dois supermercados próximos à minha casa, na região leste de Caracas, estavam tão longas, estendendo-se por duas quadras, que seriam necessárias horas para ter a chance de comprar. E depois disso não há garantia de que encontrarei alguma coisa.

Contudo, eu dirijo até os supermercados pela manhã para dar uma rápida olhada. Sem chance. Eles estão tão lotados que não há sequer lugar para estacionar.

Eu sigo em frente. Minha tarefa de reportagem deste dia me levará a diversas partes da cidade, por isso, é claro, estarei à espreita de alguma coisa, qualquer coisa que possa levar para os meus dois filhos -- um menino de 8 anos e uma menina de 10 -- e o meu marido, Isaac.

Eu entro em uma farmácia. Isaac está ficando sem medicamento para o colesterol. Seu médico prescreveu Vytorin ou Hiperlipen. A loja não tem nenhum dos dois. Mas espere, diz o farmacêutico: há um laboratório da Índia que acaba de fechar um acordo com o governo para fornecer medicamentos ao país; eles produzem uma pílula anticolesterol.

Não gosto nada da ideia -- quem sabe o que é esse remédio? --, mas é melhor, calculo, que correr o risco de ficar sem remédio. Eu levo quatro caixas.

Por volta de meio-dia, entro em uma padaria em busca de pão. Sou cumprimentada com impaciência por uma jovem. “Só teremos pão às 5 da tarde, senhora”.

No caminho até a saída, vejo um cartaz na porta da frente que de alguma forma passou despercebido por mim ao entrar: “NÃO HÁ PÃO”. Quando retorno ao carro, percebo que tenho pouco dinheiro vivo. Vou até um caixa automático próximo. Não há dinheiro.

14 de junho

Estou novamente à procura de pão. Como está se tornando cada vez mais difícil comprar pão fresco -- como os venezuelanos sempre fizeram --, eu decido procurar pão embalado.

Ao meio-dia, vou a um mercado próximo. Não há fila do lado de fora. Quando entro, entendo o porquê. Não há muito nas prateleiras. E nem sinal de pão, em nenhuma parte.

“O pão chegou cedo, senhora”, diz a balconista, de meia idade. “Acabou tudo”.

17 de junho

Gol de placa. Isaac, por meio do amigo de um amigo com quem trabalha em uma empresa de publicidade, conseguiu cinco quilos de amido de milho. Isto é fantástico.

A farinha é o principal ingrediente das arepas, o pão chato e circular que é o produto básico mais importante da dieta venezuelana. Isaac pagou caro: 1.500 bolívares por quilo, oito vezes mais que o preço regulado. Mas valeu a pena. Nosso estoque estava acabando.

Agora, com ele reabastecido, podemos usar uma parte como moeda de troca com amigos e familiares. (Dois quilos, por exemplo, iriam para minha cunhada Raquel, dois dias depois, em troca do leite em pó que ela costuma nos passar).

25 de junho

Eu me dirijo cedo a um mercado de fazendeiros próximo à minha casa. A cada sábado, antes do amanhecer, os fazendeiros enviam sua produção das montanhas próximas. Tudo é vendido a preços de livre mercado. Isto tecnicamente é ilegal, mas ocorre basicamente sem restrições hoje em dia.

Comprar aqui, a esses preços, é um luxo que eu sei que milhões de venezuelanos não podem pagar. Eu me sinto muito afortunada nesse sentido. Uma vantagem adicional é que os fazendeiros aceitam cartões de débito.

Com a inflação fora de controle -- projeções privadas para 2016 variam de 200 a 1.500 por cento --, pagar com dinheiro exige carregar um enorme maço de notas.

Isto não apenas é incômodo. Em um país assolado pelos crimes como a Venezuela, com a terceira maior taxa de homicídios do mundo, é extremamente perigoso.

Após passar uma hora escolhendo frutas, vegetais e carne, entro na fila. Começa a chover, primeiro leve, depois com força. Isto é um problema.

O sistema de internet que conecta a máquina de cartões de crédito ao setor bancário cai. Anos de baixos investimentos comprometeram a confiabilidade do sistema. Passa meia hora. Agora somos 30 na fila para pagar.

Alguns começam a reclamar: sobre a funcionária do caixa (ela é preguiçosa), os bancos (eles são terríveis) e o país de um modo geral (este lugar é uma fila sem fim). Um casal de idosos desiste. Eles deixam suas sacolas de compras e vão embora. Alguns minutos depois, sigo o exemplo deles.

1º de julho

Quando entro na padaria, meu coração está acelerado. Dentro, tudo parece normal. A vida segue em frente. Há uma longa fila de pessoas esperando pelo pão, outra de pessoas esperando para pagar.

Os clientes tomam café e comem pizza descontraidamente. E as filas, para minha surpresa, se movem rapidamente. Eu pego dois pães (o máximo permitido), um pouco de presunto, queijo e alguns pequenos doces venezuelanos para os meus filhos e corro para casa.

Uma pequena vitória.

7 de julho

Quinta-feira. Meu dia da semana para comprar produtos básicos. Vou até o supermercado local pouco depois das 10 da manhã. Sessenta pessoas ou mais aguardam do lado de fora.

Elas vieram de todas as partes da cidade, especialmente dos bairros mais pobres, nos quais os alimentos são mais escassos, para esperar na fila. Ninguém sabe de nada: que horas os produtos regulados serão colocados à venda; quais itens serão oferecidos, se é que haverá algo; nada.

As pessoas apenas aguardam, obstinadamente, sob o intenso sol do Caribe. “Esta é a fila da esperança”, me diz uma mulher. “Esperamos que eles tenham algo para nos vender”. Ótimo.

Um pouco de humor negro. Eu rio. Algumas horas depois, contudo, a fila ainda está parada e eu, sem esperanças. Abandono meu lugar e vou embora.

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