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Budapeste 1956: a resistência sangrenta que faz eco na guerra em Kiev

Os apelos à população civil ucraniana para que pegue em armas trazem preocupação para os próximos dias de invasão russa; a revolução majoritariamente de civis na Hungria em 1956 é um dos exemplos trágicos na história

Tanque soviético durante invasão a Budapeste, em novembro de 1956 (Házy Zsolt/Fortepan/Wikimedia Commons)

Tanque soviético durante invasão a Budapeste, em novembro de 1956 (Házy Zsolt/Fortepan/Wikimedia Commons)

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Da Redação

Publicado em 25 de fevereiro de 2022 às 19h53.

Última atualização em 25 de fevereiro de 2022 às 20h51.

O governo da Ucrânia tem convocado cidadãos a pegar em armas e montar coquetéis molotov em meio à invasão russa no país, que chegou à capital Kiev em 24 de fevereiro.

"Nossos militares precisam desse apoio", disse o presidente Volodymyr Zelensky, afirmando que armas serão distribuídas aos civis que desejarem.

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Além do pedido por voluntários, o governo também decretou a chamada "lei marcial", em que leis militares substituem as leis civis. Neste cenário, homens civis a partir de 18 anos e até 60 passaram a ser proibidos de deixar o país e têm sido barrados nas fronteiras, com a ordem de que fiquem na Ucrânia caso precisem ser convocados pelo Exército. 

Há uma disparidade grande entre os exércitos ucraniano e russo. A Rússia, que herdou boa parte do poderio militar da antiga União Soviética, tem 900 mil soldados na ativa (200 mil foram deslocados para as fronteiras com a Ucrânia nas últimas semanas), além de 2 milhões na reserva. A Ucrânia tem pouco mais de 200 mil soldados.

O governo ucraniano afirma que as forças do país têm resistido aos avanços russos, com centenas de mortos de ambos os lados até o momento.

Mas os apelos à população para que pegue em armas, apesar da urgência da situação ucraniana, trazem preocupação e podem abrir caminho para cenas de tragédia nos próximos dias de confronto.

No leste europeu, o caso remete imediatamente a uma situação de quase 70 anos atrás, na vizinha Hungria. Durante domínio da antiga União Soviética no país após a Segunda Guerra Mundial, ocorreria a chamada "Revolução Húngara em 1956", com revolta de civis seguido de um massacre militar. O episódio deixou mais de 2 mil mortos em poucos dias, a maioria civis trabalhadores.

Tanque soviético durante invasão a Budapeste, em novembro de 1956 (Házy Zsolt/Fortepan)

Antecedentes em Budapeste

A Hungria (território que no passado fez também parte do Império Austro-Húngaro) lutou na Segunda Guerra Mundial (1939-45) como parte do Eixo, ao lado da Alemanha nazista. Com a derrota na guerra e retirada dos governantes do antigo reino e das autoridades de influência nazista, o país passou a fazer parte da órbita soviética em um contexto de Guerra Fria com os Estados Unidos.

O país viveu breve período de multipartidarismo e eleições livres até 1949. Depois disso, a URSS apoiou na Hungria um governo alinhado a seus interesses, transformando o país na chamada República Popular da Hungria. O governo passou a ser liderado pelo diretor do Partido Comunista, Mátyás Rákosi, alinhado ao ditador soviético Josef Stálin.

Mas a insatisfação contra o governo Rákosi crescia, com o líder acusado de repressão e deportação de opositores para a Sibéria, além de perseguição de minorias. 

A insatisfação foi ainda intensificada com fatores econômicos, após o governo pró-URSS impor impostos para pagamento de reconstrução de guerra em outros países soviéticos e austeridade aos húngaros para cobrir esses custos.

Além disso, o falecimento de Stalin em 1953 iniciaria um período que ficou conhecido como "Desestalinização". Vários países da órbita soviética começaram a ter espaço para uma onda reformista, o que foi um dos incentivos para o levante húngaro. No mesmo ano, uma revolta ocorreria na Polônia, e uma década depois, aconteceria a Primavera de Praga na Tchecoslováquia, pedindo o que ficou conhecido como "socialismo humano" e reformas no sistema. 

Na Hungria, essa frente reformista cresceu sobretudo com Imre Nagy, do alto escalão do Partido Comunista que se tornou primeiro-ministro em 1953. Rákosi, no entanto, continuou poderoso por se manter no cargo de diretor do Partido Comunista da Hungria, e boicotou uma série de políticas do novo governo. 

Primeiros protestos de outubro

Assim, a Revolução Húngara daria seus primeiros sinais a partir de 23 de outubro de 1956, com protestos massivos e espontâneos liderados por estudantes que pediam reformas políticas, econômicas e de direitos civis.

Após a notícia de que uma delegação enviada a uma rádio para repassar a demanda dos manifestantes fora morta pela polícia, os revoltosos conseguiram capturar armas do Estado e prepararam uma resistência. No mesmo dia, em um marco do movimento, manifestantes derrubaram uma estátua de Josef Stálin em Budapeste.

Alguns militares do governo enviados para ajudar as forças de repressão e autoridades militares também desertaram e passaram a se unir a manifestantes.

O então novo diretor do Partido Comunista húngaro, Ernő Gerő (substituto de Rákosi), pediu ajuda ao Exército da URSS para "suprimir uma manifestação que estava alcançando uma escala sem precedentes", e, em sua visão, ameaçando a segurança da Hungria. No dia seguinte, 6 mil soldados e tanques soviéticos sitiaram Budapeste.

Ruínas em distrito de Budapeste após luta com tropas soviéticas: massacre de civis (FORTEPAN / Nagy Gyula/Wikimedia Commons)

No entanto, os protestos seguiram ganhando apoio popular e perdurariam nos dias seguintes. Após mortes de centenas de manifestantes, a URSS ofereceu uma trégua retirando o Exército Vermelho do país.

A partir daí, Nagy tentou liderar algumas reformas, ainda parcialmente alinhadas a Moscou, mas com mais abertura na Hungria - a principal delas a soltura de líderes dos manifestantes e retirada da Hungria do Pacto de Varsóvia, aliança militar dos países da órbita soviética. 

Com os húngaros acreditando que a URSS havia deixado de vez o país, o clima se tornou mais estável e parte da resistência foi desmontada a partir de 28 de outubro.

Massacre de civis em Budapeste

Mas a URSS logo se viu insatisfeita com a magnitude das reformas de Nagy, e os primeiros informes de que tropas soviéticas voltavam a entrar na Hungria vieram em 1º de novembro. Até que, no dia 4, pegando as lideranças locais de surpresa, grandes tropas soviéticas, com tanques, soldados e aviões voltaram a invadir Budapeste, gerando um massacre dos revoltosos.

Nagy e outros líderes fizeram apelos internacionais pelo rádio, enquanto pediram a todos os cidadãos húngaros que resistissem contra a nova ocupação soviética. (Em alguns momentos, soldados também passaram a atirar ou atacar com tanques grupos diversos de civis que não apresentavam resistência, na expectativa de que estes pudessem estar armados, segundo os documentos e relatos da época.)

A resistência nos bairros húngaros não foi capaz de conter a superioridade numérica e bélica soviética, resultando em um sangrento massacre nas ruas de Budapeste.

Embora alguma resistência esporádica tenha continuado até 1957, na prática, a URSS tomou o controle de Budapeste em poucos dias, com a revolta encerrada em 10 de novembro.

Foram ao menos 2,5 mil húngaros mortos e mais de 20 mil feridos, ante cerca de 700 soldados soviéticos mortos. Estima-se que metade dos mortos foram trabalhadores, sobretudo em distritos industriais de Budapeste, que resistiram por mais tempo. Metade dos mortos húngaros também tinha menos de 30 anos.

Após o auge da resistência, mais de 26.000 húngaros foram presos e mais de 200, executados. O número de refugiados também chegou a 200 mil, que deixaram a Hungria em meio aos conflitos.

Comemorações pela Revolução Húngara de 1956 em Budapeste, em 23 de outubro de 2021: frente ampla para tentar vencer Orbán (Janos Kummer/Getty Images)

As discussões sobre as semanas de revolta húngara foram suprimidas na Hungria por mais de 30 anos, até a independência de fato do país e decadência da União Soviética, nos anos 1980. O dia 23 de outubro tornou-se em 1989 feriado nacional.

Passado mais de meio século, o episódio da Revolução Húngara, assim como a Primavera de Praga ou outras revoltas massacradas pela URSS, também é até hoje lembrada como um dos momentos de erro do regime, que terminaria por minar seu apoio entre a população do leste europeu.

Em tempo: a comemoração de 2021 foi marcada por um comício do candidato de oposição na Hungria, Peter Marki-Zay, que formou uma frente ampla para tentar bater o regime autoritário do atual premiê de extrema-direita, Viktor Orbán, no poder há mais de uma década e que tem minado as instituições democráticas do país. A Hungria realiza eleições em 3 de abril.

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