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Brasileira eleita na Espanha: "Denunciarei as atrocidades de Bolsonaro"

Em entrevista exclusiva a EXAME, Maria Dantas, deputada eleita em Barcelona, na Espanha, conta sua história no país e propostas como governante

A brasileira Maria Dantas: eleita ao Parlamento da Espanha diz que atuará contra a ascensão da extrema-direita (Twitter/Reprodução)

A brasileira Maria Dantas: eleita ao Parlamento da Espanha diz que atuará contra a ascensão da extrema-direita (Twitter/Reprodução)

Marina Filippe

Marina Filippe

Publicado em 25 de maio de 2019 às 06h00.

Última atualização em 25 de maio de 2019 às 09h04.

Barcelona - Maria Dantas, de 50 anos, é uma brasileira que há 25 anos mora em Barcelona, na Espanha. Natural de Aracaju, a advogada e militante, que trabalha no setor financeiro, foi eleita em abril deputada pelo partido Esquerda Republicana da Catalunha (ERC).

Em entrevista exclusiva a EXAME, em Barcelona, Maria Dantas conta os motivos que a levaram ao Congresso após anos de luta em movimentos sociais como Unidade Contra o Fascismo e o Racismo, Stop Mare Mortum e a plataforma Brasileiras contra o Fascismo de Barcelona.

Como a senhora pretende atuar como deputada na Espanha?

Maria Dantas: A Catalunha passa por um processo de repressão e maior violência policial do que antes. São fatos que me fazem ver um horrível paralelismo com a realidade brasileira. Pessoas da extrema direita e outras declaradamente neonazistas passaram a ganhar força com um discurso que dá medo, que é retrógrado e contra a direitos humanos básicos, como a lei do feminicídio.  Minha intenção é, justamente, ir contra esses retrocessos.

Sou a favor da eliminação do centro de internamento de estrangeiros e pretendo buscar vias legais para que as pessoas possam aqui chegar de modo seguro. É importante frisar que está meio caminho feito a partir de programas já montados nos anos de luta em movimentos sociais.

A senhora disse que pretende influenciar o atual momento político do Brasil. Como isso será possível?

Maria Dantas: Primeiro, há milhares de brasileiros indocumentados na Espanha. É preciso medidas administrativas para que esses brasileiros deixem de serem considerados ilegais. Em outro sentido, sou um alto falante que denunciará atrocidades do governo Jair Bolsonaro. Tenho eventos, conferências e participações políticas já programadas dentro e fora da Espanha nas quais irei expor qualquer atrocidade que houver contra os direitos humanos. Levamos muitos anos para conseguir direitos básicos e em cem dias esse governo já destruiu tanto as conquistas das pautas identitárias que de boca cheia direi quem ele é e o combaterei como puder.

Os movimentos sociais, no Brasil e na Espanha, estão mais ativos contra a extrema-direita?

Maria Dantas: Sim, a Espanha está passando por uma época sobretudo do movimento de pessoas racializadas, pois há um esforço para mudar as leis ligadas a nacionalidade. No Esquerda Republicana, por exemplo, tivemos um crescimento de migrantes e racionalizados nas listas de políticos. Percebo o crescimento dos movimentos, especialmente periféricos, também no Brasil. A juventude vem com força para tomar seus espaços e conquistar direitos.

O que te motivou a morar em Barcelona, na Espanha?

Maria Dantas: Há quase 25 anos, quando me mudei para Barcelona, estava formada em direito pela Universidade Federal de Sergipe -- instituição muito mal falada pelo atual governo brasileiro -- tinha emprego na delegacia local, mas fatores pessoais e econômicos, como a crise pré-plano real, dificultavam a vida. Era mais caro ir a São Paulo estudar do que a Barcelona. Vendi um carro simples que tinha e  encarei a vida de trabalhos informais junto a minha filha nascida no Brasil. Por aqui, tive mais dois filhos e enfrentei situações legais nos primeiros anos, que são, inclusive, parte da minha motivação nos movimentos sociais.

Qual tipo de situação?

Maria Dantas: A empresa de informática na qual eu trabalhava havia pedido ao governo a legalização da minha residência e do contrário eu poderia ter que deixar a Espanha, mas houve um embate. Uma decisão judicial não me permitia sair do país sem a autorização do pai dos meus filhos mais novos, enquanto que o poder legislativo ainda não aprovara minha permanência aqui.

Na época, por ser um caso extraordinário, a imprensa local muito me ajudou até que, ao vivo, consegui agendar um horário com o governador civil. Durante aquela semana me tornei “A” imigrante da Catalunha por uma sequência de erros do poder.

E foi nesse momento que a senhora entrou na militância de movimentos sociais?

Maria Dantas: Na verdade começou na Associação de Pais e Alunos para promover melhorias educacionais e mais inclusão entre os diferentes imigrantes da região. Mas passei os últimos vinte anos em diferentes movimentos sociais e me tornei um rosto público. Sou anti racismo, islamofobia, LGBTfobia, fascismo, etc. O vínculo a um partido, porém, é muito mais recente.

Qual a diferença de atuar no movimento social e em um partido?

Maria Dantas: Há oito anos me tornei amiga de um partido no qual me mantive por três anos. É a possibilidade que tive de auxiliar a criação de programas políticos, mas sem me filiar de fato. Nos últimos cinco anos, porém, preferi me dedicar 100% aos movimentos sociais.

De início, acreditava que nos movimentos sociais haviam maior diversidade de pensamentos e mais clareza entre os interesses e pautas discutidas.  Foi só no fim do ano passado que fui convencida a participar do partido Esquerda Republicana da Catalunha.

E a sua candidatura teve influência de figuras brasileiras como Marielle Franco?

Maria Dantas: No fim do ano passado eu tinha acabado de recusar um convite de candidatura, mas me pediram para que eu considerasse e entendesse que eu mesma reclamo da falta de representatividade de mulheres, imigrantes e outros tantos no congresso, mas que eu poderia ajudar a mudar esse cenário.

Muito pensei, pedi a opinião de amigos e me inspirei em um vídeo no qual Marielle dizia algo como: sempre fui ativista e quando me chamaram para a política disse que não ia, mas tem que ter mulher, sapatão, pretos e mais nas instituições. Foi assim que percebi que posso contribuir mais próxima das legislações a garantir e conquistar direitos.

 

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