Bachelet: "Nós, mulheres do Chile, conquistamos ou reconquistamos um direito básico" (Cris Bouroncle/AFP)
AFP
Publicado em 14 de setembro de 2017 às 22h26.
A presidente chilena, Michelle Bachelet, promulgou nesta quinta-feira a lei do aborto terapêutico, concluindo um processo de dois anos e meio nos quais a norma promovida por ela superou duros embates de igrejas e partidos de direita.
Aprovada no Congresso em agosto, a lei que descrimina o aborto em caso de inviabilidade do feto, risco de vida para a mãe e estupro conseguiu passar pelo Tribunal Constitucional, que rejeitou recursos apresentados por legisladores conservadores.
"Enfim! Assinamos a lei que consagra o direito de todas mulheres a decidir sobre seu corpo e sua gravidez em três casos sumamente precisos e humanamente difíceis", disse Bachelet com entusiasmo a cerca de 1.500 pessoas que presenciaram o ato no palácio de La Moneda, em sua maioria mulheres.
"Nós, mulheres do Chile, conquistamos ou reconquistamos um direito básico, o de poder decidir por nós mesmas diante de casos extremos", acrescentou.
A presidente socialista, que entregará o poder em março de 2018, levou adiante uma defesa constante do projeto que, transformado em lei, tira o país de uma ínfima lista de nações que proíbem qualquer tipo de aborto.
O Estado chileno rompe, assim, décadas durante as quais sua resposta perante situações extremas vividas por milhares de mulheres foi "a punição, a condenação e a recusa absoluta ao direito de decidir", acrescentou a presidente.
Para a Miles, organização pelos direitos sexuais e reprodutivos, a lei é um "ato de justiça histórico para as mulheres, em especial para as mais pobres".
Desde 1931 e por mais de 50 anos, o aborto foi permitido no Chile em casos de perigo para a vida da mãe ou inviabilidade do feto, mas o ditador Augusto Pinochet, apoiado pela Igreja católica, proibiu a prática pouco antes do fim do seu regime (1973-1990).
A aprovação da norma é considerada uma das grandes vitórias de Bachelet, que nos últimos meses do seu segundo governo acelerou o passo para completar um ambicioso pacote de reformas e deixar para trás leis aprovadas durante a ditadura de Pinochet que foram mantidas após sua queda, em 1990.
Após a aprovação do acordo de união civil, que incluiu casais homossexuais, e de reformas do sistema educativo - para garantir, pela primeira vez em décadas, a gratuidade dos estudos a milhares de jovens -, a presidente pretende encerrar sua gestão com avanços na discussão do casamento igualitário.
Essas mudanças sacudiram as bases de uma sociedade chilena que por décadas manteve quase em sua totalidade as normas ditadas por Pinochet.
Subindo o tom, em meios aos aplausos, Bachelet disse: "Hoje somos um país mais justo, mais compreensivo e mais respeitoso, (...) ganhamos o direito de debater este e todos os assuntos sem censuras, sem medos, sem mordaças".
A partir da promulgação, o governo tem um prazo máximo de 90 dias para regulamentar a implementação da norma, que conta com 70% de aprovação da população, segundo pesquisas.
O maior desafio será assegurar em todo o país a atenção médica às mulheres que decidam abortar, depois do Tribunal Constitucional aceitar um recurso dos partidos de direita que estendem a objeção de consciência às instituições, e não só aos profissionais da saúde, como previa a norma.