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As maluquices econômicas que deixam a Argentina à beira do abismo

Nosso vizinho tem uma lista de intervenções na economia de causar “inveja” aos tempos de hiperinflação no Brasil

Comércio na Rua Florida: inflação muito alta tira a referência do consumidor argentino (Wikimedia Commons)

Comércio na Rua Florida: inflação muito alta tira a referência do consumidor argentino (Wikimedia Commons)

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Da Redação

Publicado em 13 de setembro de 2011 às 08h42.

São Paulo – A Argentina vive uma onda de populismo econômico que, aos olhares mais desatentos, tem gerado bons resultados. No ano passado, por exemplo, o país cresceu 9,2%, índice superior aos 7,5% do Brasil.

Especialistas dizem, no entanto, que o caminho escolhido pela presidente Cristina Kirchner não é sustentável e pode jogar o país num abismo. O cenário torna-se ainda mais perigoso para o nosso vizinho se houver um agravamento da crise internacional, com queda nos preços das commodities.

Em ano eleitoral, o governo tem turbinado os gastos públicos, que pressionam os elevadíssimos índices de inflação. O quadro só não é oficialmente pior porque o instituto responsável pela coleta de preços está sob intervenção da Casa Rosada há cinco anos, gerando estatísticas manipuladas e sem nenhuma credibilidade.

“Cada vez que aumenta a inflação, o governo dá mais subsídios e piora o déficit fiscal”, diz o doutor em Economia pela USP Roberto Luis Troster, que é argentino e vive há 36 anos no Brasil, onde já trabalhou em consultorias e foi economista-chefe da Federação Brasileira de Bancos (Febraban).

“O quadro da economia argentina é ruim e o crescimento já durou mais do que se imaginava. O governo deve segurar o câmbio até as eleições, quando haverá outra desvalorização do peso”, diz o economista-chefe da área de macroeconomia e sócio da Tendências Consultoria, Juan Jensen, que é argentino, vive no Brasil há 35 anos e faz questão de dizer que torce pela Argentina na Copa do Mundo.

A proximidade de Cristina Kirchner com Hugo Chávez e Evo Morales também não é vista com bons olhos pelos investidores. A insegurança em relação ao futuro da economia é tanta que os argentinos mais ricos repetem a mesma estratégia do passado para se defender de surpresas: compram dólares e mandam para o exterior.


Tabelamento de preços, medidas protecionistas, estatização de fundos de pensão e uso irresponsável das reservas internacionais estão na lista de esquisitices econômicas na Argentina. EXAME.com elencou dez e as colocou sob a análise de Roberto Luis Troster e Juan Jensen.

1 Inflação de dois dígitos

Em 2010, a inflação oficial foi de 10,9% Ainda que esse resultado fosse verdadeiro (sem maquiagem), já estaria num patamar extremamente elevado. Para 2011, o governo prevê alta de 11%, enquanto os institutos privados estimam variação de 25% a 30% nos preços, com tendência de alta para os próximos anos. “O problema é que o processo de aceleração da inflação é sempre mais rápido do que o de desaceleração. Trocar um pouco de inflação por mais crescimento significa, na verdade, trocar um pouquinho de crescimento agora por muito menos crescimento lá na frente”, diz Roberto Luis Troster.

2 Manipulação do índice de inflação

É consenso entre os analistas que os índices são fabricados no Instituto Nacional de Estadística y Censos (INDEC), que deveria ter a mesma independência do IBGE, mas vive sob intervenção da Casa Rosada há cinco anos. Para piorar, a Argentina não tem institutos privados com ilibada reputação como a FGV e a Fipe, o que dificulta a divulgação paralela de estatísticas confiáveis. As consultorias privadas que divulgam uma inflação maior que a oficial correm o risco de serem multadas. Em abril deste ano, uma missão do Fundo Monetário Internacional (FMI) foi à Argentina para assessorar o governo na criação de uma nova metodologia para o índice de inflação. “A inflação elevada desorganiza a vida das pessoas. Com a manipulação, elas perdem a referência do que é barato e do que é caro”, diz Juan Jensen.

3 Reajustes e indexação

Esse filme o Brasil já viveu. Com a inflação elevada, cresce a pressão para que os reajustes salariais recomponham o poder de compra dos trabalhadores. As categorias mais fortes estão conseguindo aumentos de 30%. Em ano eleitoral, o governo Cristina autorizou um reajuste de 25% no salário mínimo. “A lógica desse reajuste é apenas política, visando a eleição”, afirma Troster. “Fica muito difícil fazer investimentos num ambiente em que você não sabe, por exemplo, quanto vai custar a mão de obra no mês seguinte”, diz Jensen.


4 Tabelamento de preços

Mais um capítulo da história econômica brasileira que se repete na Argentina. O governo Cristina faz acordo com empresários para que alguns preços sejam congelados. Sem alternativa e de olho em futuros benefícios, os empresários topam a proposta. Os acordos informais foram apelidados de “morenismo” em homenagem ao polêmico secretário de Comércio Interior, Guillermo Moreno, que é o responsável pela intervenção no INDEC. Recentemente, o governo também iniciou a abertura de mercados populares administrados pelos próprios produtores de alimentos, que vendem produtos mais baratos que os supermercados. A ideia dos “sacolões” foi importada da Venezuela, de Hugo Chávez. “O Moreno é o responsável por segurar preços, e o ministro da Economia, Amado Boudou, que conduz as ações econômicas, virou candidato a vice-presidente na chapa de Cristina”, lembra o economista Roberto Luiz Troster.

5 Protecionismo industrial

Com o objetivo de obter o apoio dos empresários, o governo Cristina não perde a oportunidade de conceder subsídios aos produtores argentinos e de dificultar a entrada de produtos importados. O Brasil já foi prejudicado várias vezes por decisões unilaterais do país vizinho. O problema maior dessa política é proteger setores ineficientes e alimentar a inflação. “A interferência do governo afasta os investimentos produtivos. É uma política de fôlego curto, está acabando o gás. No curto prazo, ajuda os industriais, mas a médio e longo prazos é um tiro no pé”, explica Troster. O economista Juan Jesen, da Tendências, lembra que o governo taxa as exportações para aumentar as receitas e garantir sobra de produtos para o mercado interno. “Isso dá um alívio apenas temporário na inflação à custa de quem está exportando.”

6 Voo de galinha

A Argentina deve crescer 6% este ano ante 9,2% do ano passado. A queda no ritmo de crescimento deve prosseguir nos próximos anos, segundo os especialistas. Há uma expectativa de que Cristina Kirchner, se vencer a eleição, fará um “inevitável” ajuste fiscal que reduzirá a expansão do PIB para a casa de 4% em 2012. “A Argentina está consumindo o futuro agora. A conta virá lá na frente se não houver ajustes. O consumo não pode crescer indefinidamente mais que a produção”, afirma o doutor em Economia pela USP, Roberto Luis Troster. Juan Jensen diz que "esse tipo de política econômica espanta – em vez de atrair – investimentos estrangeiros, que poderiam dar fôlego à economia".

7 A ilusão das commodities sempre em alta

O crescimento econômico da Argentina tem sido impulsionado pela alta das commodities, como soja, milho, trigo e carnes. Com a perspectiva de agravamento da crise internacional, não há garantias de que as cotações continuarão subindo. No entanto, o governo Cristina “vende” para a população a ideia de que a expansão do PIB é sustentável. “A participação da Argentina no PIB mundial está caindo em vez de subir. Não dá para garantir que, com a desaceleração mundial, os preços vão continuar subindo. As commodities não vão ser aquele motor que foram até agora para a economia argentina”, diz Troster. O economista Juan Jensen salienta que o câmbio desvalorizado, que poderia impulsionar as exportações, é "corroído" pela inflação alta.


8 Aumento de gastos públicos

O aumento dos gastos públicos não é uma exclusividade da Argentina. Basta observar os Estados Unidos e os países da periferia europeia para verificar que a situação é caótica em muitas nações. O risco, no entanto, é achar que é possível sustentar um ritmo elevado de crescimento da economia por meio da injeção indiscriminada de recursos públicos. Por causa do histórico de calotes, o governo argentino tem dificuldades de financiar as suas dívidas no exterior, o que pode demandar juros mais altos no futuro. “Comprar título do governo argentino é muito arriscado”, diz Juan Jensen, da Tendências. Segundo o economista Roberto Luiz Troster, “os gastos públicos na Argentina são ruins, com poucos investimentos públicos em infraestrutura, educação e segurança”.

9 Uso das reservas para pagamento de dívidas

A presidente do Banco Central da Argentina, Mercedes Marcó del Pont, defende a utilização das reservas internacionais para o pagamento de dívidas. Aliás, foi esse o motivo que a levou a ser escolhida por Cristina Kirchner para o cargo que ficou vago após a saída de Martín Redrado, que se recusou a fazer esse tipo de operação no começo de 2010. “O governo quis avançar sobre as reservas, sobre o Banco Central (...) A indignação foi mais forte", afirmou Redrado, na ocasião de sua saída. Coincidência ou não, a atual presidente do Banco Central da Argentina tem a pior nota de um ranking mundial. “São as ações desse tipo que aumentam a desconfiança dos estrangeiros em relação à Argentina”, diz Troster. “Não há certeza nem sobre o tamanho das reservas argentinas”, lamenta Jensen.

10 Estatização dos fundos de pensão

Em 2008, após o estouro da crise internacional, o governo Cristina tomou uma decisão polêmica de usar os recursos dos fundos de pensão, tanto de empresas públicas quanto de empresas privadas, como se fossem recursos do governo. Quase 10 milhões de trabalhadores são associados aos fundos de previdência que movimentam 30 bilhões de dólares. “O problema das aposentadorias é uma bomba que vai explodir lá na frente”, alerta o doutor em Economia pela USP, Roberto Luiz Troster. “Os poupadores, que já não confiavam no sistema financeiro, agora têm medo de colocar dinheiro nesses fundos que são obrigados pelo governo a comprar ativos domésticos”, explica o economista-chefe da área de macroeconomia e sócio da Tendências Consultoria, Juan Jensen.

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