Após três mortos e dia de protestos, Chile decreta novo toque de recolher
Em meio à extensão da convulsão social que afeta o país, o governo informou que até este domingo 1.462 pessoas foram detidas em todo o país
AFP
Publicado em 20 de outubro de 2019 às 17h09.
Santiago — Autoridades chilenas decretaram neste domingo toque de recolher no Chile pelo segundo dia, adiantando o início da medida para as 19h00 (horário local), em meio à extensão da convulsão social que afeta o país com manifestações violentas e saques.
A medida vigora "a partir das sete da tarde; estejam em calma e estejam todos em suas casas", disse o general Javier Iturriaga, ao anunciar a medida tomada em meio ao "estado de emergência" em cinco regiões do país.
O Ministério Público informou que até este domingo 1.462 pessoas foram detidas em todo Chile. Desse total de detenções, 614 ocorreram em Santiago e 848 no restante do país.
Os saques ao comércio se estendem por vários pontos de Santiago. Apesar dos grandes supermercados permanecerem fechados, grupos de pessoas forçavam as entradas e entravam, arrasando tudo pela passagem.
Imagens que circulam nas redes sociais mostram como pessoas, na maioria, jovens, forçaram os acessos a um supermercado da rede Jumbo, e outro da rede Lider, em Peñalolén, levando televisões, roupa e outros acessórios. Situações parecidas aconteceram em outros bairros de Santiago.
A Polícia e os militares — encarregados da segurança após a instauração do estado de emergência no sábado — tentavam impedir os saques, mas pareciam sobrecarregados.
O centro de Santiago virou um cenário de destruição: semáforos no chão, ônibus queimados, lojas saqueadas e milhares de destroços nas ruas após os protestos iniciados na sexta-feira com o aumento do preço da passagem do metrô, uma notícia que foi o estopim para uma série de reivindicações sociais.
Apesar do toque de recolher ter sido decretado e da mobilização de quase 10.000 militares nas ruas, os distúrbios prosseguiram durante a madrugada em Santiago e outras cidades, como Valparaíso e Concepción, que também foram afetadas pela medida que restringe a movimentação.
Na capital do país, duas pessoas morreram em um grande incêndio após o saque de um supermercado da rede Líder, um dos muitos alvos de ataques dos manifestantes nas últimas horas.
Inicialmente as autoridades haviam anunciado três vítimas fatais no incêndio do supermercado no bairro de San Bernardo, ao sul de Santiago, mas o balanço oficial divulgado neste domingo pelo ministro do Interior e Segurança, Andrés Chadwick, modificou o número.
Ele disse que uma terceira pessoa ficou gravemente ferida, com 75% do corpo queimado.
Chadwick informou ainda que durante a madrugada duas pessoas foram feridas a tiros após um incidente com uma patrulha policial entre Puente Alto e La Pintana.
Os manifestantes também atacaram ônibus e estações do metrô. De acordo com o governo, 78 estações foram atingidas e algumas ficaram completamente destruídas.
O prejuízo ao metrô de Santiago supera 300 milhões de dólares e algumas estações e linhas demorarão meses para voltar a funcionar, afirmou o presidente da companhia estatal, Louis de Grange.
Eixo do transporte público da capital chilena, com quase três milhões de passageiros por dia, o metrô sofreu uma "destruição brutal", afirmou declarou Grange.
Aos gritos de "basta de abusos" e com o lema que dominou as redes sociais "ChileAcordou", o país enfrenta críticas a um modelo econômico em que o acesso à saúde e à educação é praticamente privado, com elevada desigualdade social, valores de pensões reduzidos e alta do preço dos serviços básicos.
A manifestação não tem um líder definido nem uma lista precisa de demandas. Até o momento aparece como uma crítica generalizada a um sistema econômico neoliberal que, por trás do êxito aparente dos índices macroeconômicos, esconde um profundo descontentamento social.
As autoridades informaram que 716 pessoas foram detidas nos protestos, os mais violentos desde o retorno da democracia após o fim da ditadura de Augusto Pinochet (1973-1990).
Cidade paralisada e desolada
Os supermercados e shoppings anunciaram que permaneceriam fechados neste domingo, para evitar saques. O metrô está paralisado e quase não circulam ônibus pela cidade.
Os táxis e os carros que são chamados por aplicativos para celulares - com tarifas muito acima do normal - eram praticamente a única forma de deslocamento na cidade de sete milhões de habitantes, que passou por dois dias de violência extrema.
No porto de Valparaíso, os bombeiros lutavam contra as chamas do incêndio que destruiu por completo um supermercado da cidade.
"Estamos vivendo elevadíssimos níveis de delinquência e saques", afirmou Alberto Espina, ministro da Defesa.
O presidente Sebastián Piñera - que suspendeu no sábado o aumento das passagens do metrô - se reunirá com os ministros neste domingo para abordar a situação.
Protestos de tal magnitude eram inimagináveis há poucos dias, quando o próprio presidente afirmou que Chile era um "oásis" de tranquilidade na região.
A Câmara dos Deputados também convocou uma sessão especial para domingo.
Universidades e escolas suspenderam as aulas na segunda-feira, mas os estudantes convocaram um novo dia de protestos.