Após investigação frustrada sobre Trump, tática democrata muda
A oposição busca uma mudança de rota rumo à corrida pela Casa Branca em 2020
Estadão Conteúdo
Publicado em 31 de março de 2019 às 09h46.
Última atualização em 31 de março de 2019 às 09h48.
Washington - O fim das investigações sobre a campanha de 2016 de Donald Trump , um alívio para o presidente americano, empurrou os democratas para uma redefinição de estratégia. Depois de terem apostado as fichas na investigação - com duras críticas a Trump -, a oposição busca uma mudança de rota rumo à corrida pela Casa Branca em 2020.
Há uma semana, o secretário de Justiça americano, William Barr, comunicou aos congressistas que o procurador especial Robert Mueller não havia acusado a campanha do presidente de conluio com a Rússia, nem reunido elementos suficientes para acusar Trump por obstrução de Justiça.
Desde então, os democratas passaram a pressionar pela divulgação do relatório completo do procurador, mas simultaneamente tiraram o caso dos holofotes. Análise de parte do partido e de cientistas políticos é a de que os democratas devem tomar o fim das investigações como uma oportunidade de reorientar o discurso do partido.
Os democratas precisam ganhar os votos dos eleitores independentes se quiserem vencer a eleição de 2020. O jornal The New York Times acompanhou eventos eleitorais de candidatos democratas no sábado prévio à divulgação do relatório. O caso, conduzido pelo procurador Robert Mueller, mal chega a ser mencionado pelo público em perguntas ou observações aos pré-candidatos.
Darrell West, vice-presidente do centro de estudos sobre governança do Instituto Brookings, em Washington, e autor do livro Divided Politics, Divided Nation (Política dividida, nação dividida, em tradução livre) avalia que os democratas podem tirar vantagem desse momento se passarem a focar em questões econômicas e domésticas.
"A conclusão do relatório de Mueller tira a ideia de conspiração da mesa. Vai ser difícil para os democratas usarem isso contra Trump, e também retira a possibilidade de um impeachment, pois não há evidências suficientes para isso prosseguir", afirma West.
"Há um benefício escondido para os democratas, que é o de que eles ficam liberados para focar nas discussões econômicas e domésticas. A economia parece estar perdendo força e há mais argumentos para que os democratas se concentrem nisso."
Cautela
Após a divulgação das conclusões de Mueller, os pré-candidatos do partido passaram a adotar um outro tom. No domingo, quando o secretário de Justiça divulgou o resumo da investigação, o senador Bernie Sanders defendeu a divulgação de todo o relatório de Mueller.
Nos dias seguintes, contudo, ele não destinou mais postagens nas redes sociais ao assunto. A senadora Kamala Harris adotou a mesma estratégia: dedicou uma única declaração ao tema, com cobrança para que a íntegra do documento venha a público. Beto O'Rourke também limitou sua manifestação a um pedido por "transparência e prestação de contas".
Steve Bannon, ex-estrategista da campanha de Trump em 2016, avalia que o discurso de que os democratas também saem ganhando com o final das investigações é "descolado da realidade". "Nenhum deles acredita de verdade nisso", afirma. "Eles colocaram tanta atenção nisso que não sabem como se reagrupar, estão atordoados com o fato de que não houve indicação de obstrução de Justiça", afirma Bannon.
Na avaliação dele, os democratas conseguiram ganhar a maioria da Câmara nas eleições legislativas de 2018 graças a uma campanha com foco em críticas a Trump e informações das investigações sobre o presidente. "Eles poderão mudar o discurso agora e se voltar para o sistema de saúde? Podem, mas não é pelo o que estavam trabalhando", avalia Bannon.
Em Michigan, no primeiro evento eleitoral após a divulgação das conclusões da investigação de Mueller, Trump passou boa parte do tempo com críticas aos democratas e à imprensa - que ele acusa de ter feito uma cobertura parcial do caso.
West lembra ainda que o cenário dos pré-candidatos democratas à eleição de 2020 ainda está muito congestionado e não é possível identificar um candidato de oposição que possa se favorecer com o resultado do fim das investigações. "Tudo continua em aberto", afirma West. Pelo menos 16 pré-candidatos já se apresentaram pelo Partido Democrata para tentar tirar Trump da Casa Branca em 2020 e outros não anunciaram a candidatura, mas são cotados na disputa, como o ex-vice presidente Joe Biden.
Gary Nordlinger, especialista em estratégia política e professor da Universidade George Washington avalia que a questão da investigação de Mueller será uma notícia velha quando começarem as primárias: "Os fatores que definirão o candidato democrata serão quem consegue bater Trump, carisma e posições sobre os problemas."