Antes oásis da covid, Uruguai tem recorde de casos e mortes
Nesta semana, o presidente Lacalle Pou estendeu restrições até o final de abril, quando o programa de vacinas do governo deve começar a mostrar os primeiros resultados
Bloomberg
Publicado em 11 de abril de 2021 às 08h00.
Durante a maior parte do ano passado, o Uruguai foi um oásis da pandemia. Enquanto argentinos ricos atravessavam a fronteira para estabelecer residência no pequeno e bem administrado país, o governo reabria escolas e escritórios e tentava não fazer alarde. O total de mortes permaneceu na casa das dezenas.
Hoje, o Uruguai enfrenta uma das maiores taxas de infecção de Covid-19 do mundo, com dezenas de mortes semanais, escolas fechadas e uma população confusa e cansada em busca de respostas.
“Agora, estão morrendo pessoas que não deveriam ter morrido”, lamentou Raúl Correa, que liderou um protesto nesta semana de donos de ônibus escolares em frente ao gabinete do presidente do Uruguai, Luis Lacalle Pou. Ele culpa o desprezo das medidas de prevenção e a relutância do governo em reduzir ainda mais a mobilidade.
Seja qual for o motivo - e a mudança de padrões da pandemia em todos os continentes sugere que a humildade é um requisito analítico -, Gonzalo Moratorio, um importante virologista uruguaio, culpa a complacência, a fronteira de 1.067 km com o Brasil e a decisão do governo priorizar a economia.
“Fomos vítimas de nosso próprio sucesso. Cantamos vitória antes do tempo”, disse Moratorio, do Institut Pasteur de Montevidéu, que foi destaque na revista Nature como o “caçador do coronavírus” por suas contribuições à ciência na lista das 10 pessoas mais importantes de 2020.
Encravado entre a Argentina e o Brasil, onde a Covid mata milhares de pessoas diariamente, o Uruguai, com apenas 3,5 milhões de pessoas, se sentia seguro até outubro, quando os casos começaram a aumentar. Depois de uma breve calmaria no verão, o aumento atual ameaça sobrecarregar os hospitais, que têm 47% dos leitos de terapia intensiva ocupados por vítimas de Covid.
O Uruguai agora ocupa o primeiro lugar no mundo segundo um indicador de infecções, com 6.071 novos casos por 1 milhão de pessoas na última semana, de acordo com dados compilados pela Bloomberg. Cerca de 86% das 1.275 mortes de Covid desde o início da pandemia foram registradas neste ano, com uma série de óbitos em lares de idosos nas últimas semanas, incluindo mais de 20 em um único centro. A proliferação da cepa mais contagiosa P1 do Brasil não está ajudando.
Nesta semana, o presidente Lacalle Pou estendeu restrições até o final de abril, quando o programa de vacinas do governo deve começar a mostrar os primeiros resultados. Um fervoroso defensor da liberdade pessoal - o primeiro conservador a ocupar o cargo em 15 anos -, ele disse que não transformaria seu país em um “estado policial” ao declarar um confinamento rigoroso.
“Do meu ponto de vista, as medidas são suficientes se forem cumpridas”, disse Lacalle Pou, de 47 anos, reconhecendo que o cumprimento é insuficiente.
Até agora, o agravamento da crise de saúde, a pobreza no maior nível em oito anos e a queda de 5,9% do PIB no ano passado não diminuíram seu apoio. Seu índice de aprovação subiu quatro pontos percentuais, para 58% em pesquisa realizada em março pela Equipos Consultores, embora tenha caído em relação aos 65% em março de 2020, no início de seu mandato de cinco anos.
“O contexto atual é interpretado como uma questão global e internacional com a qual temos que conviver e que não é culpa do governo”, disse em entrevista Felipe Arocena, sociólogo da Universidade da República.
--Com a colaboração de Sebastian Boyd.