Aliado de Putin, anti-UE: quem é Viktor Orbán, premiê reeleito da Hungria
O premiê húngaro Viktor Orbán chega ao quinto mandato com maioria absoluta. Observadores internacionais têm sido categóricos em dizer que as eleições húngaras são livres, mas não justas
Carolina Riveira
Publicado em 4 de abril de 2022 às 20h40.
Última atualização em 7 de abril de 2022 às 23h40.
A eleição de 2022 na Hungria foi diferente, mas não o bastante: o dia em 3 de abril terminou com o primeiro-ministro Viktor Orbán fazendo seu discurso da vitória em Budapeste, após vencer de forma avassaladora a frente unificada oposição.
O partido de Orbán, o ultraconservador e nacionalista Fidesz, conseguiu 135 de 199 cadeiras. A coalizão do candidato conservador Péter Márki-Zay, que teve seis partidos da esquerda à direita, teve somente 56, segundo os resultados preliminares.
No cargodesde2010 (e, antes disso, entre 1998 e 2002), o premiê húngaro chega agora a um quinto mandato, enquanto é questionado a cada ano por enfraquecer instituições, sequestrar o sistema judiciário a seu favor e usar a máquina pública e a imprensa alinhada ao governo para esmagar o espaço da oposição.
Com uma retórica anti-europeia e conservadora, Orbán se tornou na última década uma das figuras mais importantes da direita na Europa e no mundo. A Hungria entrou até mesmo no radar dos brasileiros nos últimos meses, após uma visita em fevereiro do presidente Jair Bolsonaro a Orbán, a quem chamou de “irmão”.
No pleito de 2022, a aliança unificada em torno de Péter Márki-Zay - um político de 49 anos, do interior e religioso, visto como o perfil mais indicado para fazer frente a Orbán - foi "o maior esforço da oposição em 12 anos", segundo Petra Bárd, pesquisadora do Instituto da Democracia da Universidade da Europa Central e professora da Universidade Eötvös Loránd em Budapeste, que falou à EXAME antes da votação.
Esperava-se que Orbán, mesmo que vencesse, tivesse participação menor do que nas eleições anteriores, quando já havia levado dois terços das cadeiras no Parlamento. Mas não foi o caso, com o Fidesz vencendo novamente com maioria muito consolidada.
"Tivemos uma vitória tão grande que você pode vê-la da lua, e com certeza pode vê-la de Bruxelas", disse Orbán em discurso após a vitória, reforçando sua plataforma de antagonismo com a União Europeia.
A candidatura de oposição chegou a ter boas perspectivas no início da campanha, mas as últimas pesquisas antes do pleito já mostravam favoritismo para Orbán. O premiê teve um eleitorado com voto mais fiel, enquanto a oposição tinha mais eleitores indecisos. As intenções de voto do Fidesz também subiram após o início da guerra na Ucrânia.
“Geralmente, toda guerra é em favor do governo no poder, porque as pessoas preferem ter estabilidade em vez de mudanças”, disse em entrevista, antes da eleição, o historiador András Gero, diretor do Instituto Habsburg em Budapeste. “As pessoas têm o sentimento de que suas vidas como são estão em perigo e que é preciso mantê-las.”
Da oposição ao poder
Hoje com 58 anos, Orbán nasceu em 1963 em uma família rural de classe média, em Székesfehérvár, a pouco mais de 60 quilômetros da capital Budapeste.
Sua infância e adolescência foram vividas ainda com a Hungria na esfera de influência da União Soviética. Formado em Direito na Universidade Eötvös Loránd, Orbán diz que passou a criticar o governo comunista do país sobretudo após se alistar no serviço militar.
Em 1988, o agora premiê fundaria o Fidesz, que nasceu primeiro como partido liberal de centro-direita, oposição aos partidos de orientação comunista na época. O Fidesz seria oficialmente registrado em 1990, mas logo o partido se afastou das raízes liberais clássicas e começou a caminhar, sob liderança de Orbán, para uma ideologia liberal conservadora e, mais tarde, também nacionalista.
Orbán conseguiu seu primeiro mandato como premiê em uma coalizão de centro-direita em 1998, mas o Fidesz perdeu popularidade por escândalos de corrupção. Entre 2002 e 2010, o político seguiu uma das figuras mais importantes da Hungria como líder da oposição frente ao então governo de centro-esquerda. Em 2010, por fim, conseguiria nova vitória ampla, que abriu caminho para as mudanças que começariam no país.
Desde então, em todas as últimas eleições, observadores internacionais têm sido categóricos em dizer que as eleições húngaras são livres, mas não justas.
Com maioria absoluta no Parlamento, Orbán conseguiu logo no primeiro mandato a partir de 2010 alterar a Constituição, mudando distritos eleitorais para favorecer o Fidesz. O caso húngaro é visto como um exemplo de como mudanças dentro do próprio sistema podem minar instituições democráticas, ainda que sem uma ditadura efetiva. É o que tem se chamado na Europa - e pelo próprio Orbán - de um “governo iliberal”.
“A sociedade é constantemente lembrada de que estar em bons termos com o Fidesz do senhor Orbán e com o governo é uma condição necessária em muitos aspectos da vida social, econômica e até cultural”, disse anteriormente àEXAME Zoltán Adám, especializado em econômica política e professor na Universidade Corvinus de Budapeste (as opiniões expressadas por ele são pessoais e não representam a opinião de sua instituição).
Há visões distintas dentro da Hungria. Orbán tem apoio sobretudo entre a população mais velha, fora das grandes cidades e com pouco acesso a informações que não estejam na língua húngara.
É neste grupo que o governo deposita seu foco, com falas frequentes contra minorias LGBTQIA+, imigrantes e em defesa da família - e com medidas financeiras práticas, como recente aumento das aposentadorias a auxílios para famílias com filhos, tudo meses antes da eleição.
Além disso, o governo usa com frequência temas de costumes para energizar apoiadores. Um exemplo veio na própria eleição deste ano, quando, além de votar para o Parlamento, os húngaros responderam na cédula a um referendo sobre se eram favoráveis a que crianças recebessem informações sobre transição de gênero, entre outros temas similares.
“O governo tem perseguido uma política de permanente mobilização do eleitorado nesses últimos 12 anos”, disse Adám, “focando na criação e estabilização de um eleitorado ‘duro’ e devoto do Fidesz, que segue o senhor Orbán independentemente de qualquer coisa.”
Orbán e seus apoiadores, por sua vez, afirmam que a Hungria tenta apenas “reconquistar sua soberania”. O discurso vem em um país historicamente palco de ocupações e ataques — do fim do grandioso Império Austro-Húngaro à posterior ocupação nazista e, por fim, uma república na esfera soviética e com pouca autonomia.
Entre episódios marcantes da história recente estão, por exemplo, a Revolução Húngara de 1956. Civis e grupos progressistas saíram às ruas para apoiar movimentos de reforma no governo, pedindo mais autonomia frente a Moscou. Foi um massacre, como seria anos mais tarde a Primavera de Praga na República Tcheca, em 1968.
“São países na Europa Central notadamente marcados por esse trauma, gerações mais velhas que são saudosistas de um certo passado de glórias, ou que até hoje querem se ver livres de não se sabe o que — e nomes ultraconservadores como Orbán agora direcionam esse inimigo para Bruxelas, para a União Europeia”, disseem entrevista anterioro filósofo e historiador Estevão Chaves de Rezende Martins, da Universidade de Brasília.
“No início, Orbán utilizou essas forças nacionais conservadoras que já existiam na cultura húngara, dizendo que apoia a família, os valores cristãos. Mas teve também uma espécie de apoio econômico e intelectual, sobretudo entre empresários e o judiciário”, disse Rezende.
“Até que, com o tempo, o que era uma maioria estreita foi crescendo e tornando quase impossível que a oposição o ameaçasse.”
A inesperada liderança húngara
Momentos como a crise econômica europeia pós-2008 e a crise dos refugiados em 2015 foram divisores de águas na política da Hungria e de toda a Europa. Orbán ganhou popularidade por choques com a ex-chanceler alemã, Angela Merkel , que se notabilizou por defender que a União Europeia recebesse (e dividisse) parte dos refugiados.
“De modo geral, a extrema-direita no mundo passou por uma chamada ‘quarta onda’, com pontos em comum como defesa de supostos valores judaico-cristãos, nacionalismo e contra minorias como a comunidade LGBTQIA+”, disse em entrevista anterior à EXAME Karina Stange Calandrin, doutora em Relações Internacionais pelo programa San Tiago Dantas (Unesp, Unicamp e PUC-SP), pesquisadora do Instituto de Relações Internacionais da USP e professora da Universidade de Sorocaba.
Ela apontou, no entanto, que houve derrotas recentes deste grupo: Donald Trump perdeu a eleição nos EUA, a extremista Alternativa para a Alemanha quase não se manteve no Parlamento alemão e Benjamin Netanyahu foi derrotado em Israel.
E é neste contexto que Orbán ganhou mais espaço, ainda que a Hungria esteja somente entre as 60 maiores economias do mundo, e com o comércio com o Brasil perto de somente US$ 500 milhões em 2021.
“Há até pouco tempo ninguém falava do Orbán”, disse Calandrin. “Mas especialmente após a derrota do Trump, ele surge como uma figura que representa essa nova direita no mundo. Por isso, líderes como Bolsonaro e Narendra Modi [da Índia] se aproximaram muito da Hungria — e temos que considerar que é um país não tão importante globalmente.”
Europa dividida
Na esfera internacional, a guerra na Ucrânia traz ainda outra frente de discussão sobre o futuro húngaro. Orbán, que é relativamente próximo do presidente russo, Vladimir Putin, tem tentado se portar como ator “neutro”, disseanteriormente à EXAMEo cientista político Endre Borbáth, da Universidade Livre de Berlim, na Alemanha.
Isso o coloca de forma oposta a vizinhos na Europa Central, sobretudo a Polônia, cujo partido conservador Lei e Justiça é o principal aliado político e ideológico da Hungria na região, mas onde o sentimento anti-Putin é também extremamente forte.
“Orbán não foi com outros países da região à visita a Kiev, e agora os quatro líderes do Visegrad [além da Hungria, o grupo inclui Polônia, República Tcheca e Eslováquia] cancelaram uma visita a Budapeste”, disse Borbáth.
Dentro de casa, segundo Gero, do Habsburg, a mensagem é que a Hungria está disposta a demonstrar solidariedade com os refugiados ucranianos — foram mais de 300 mil no país até agora —, mas que a guerra “não é da Hungria”, o que agrada a boa parte da população.
O cenário político na Hungria é também tema central para os demais líderes da União Europeia, como França e Alemanha, que há anos vêm sendo pressionados a lidar de forma mais assertiva com o caso húngaro.
“Eu não consigo enfatizar o suficiente o quanto a situação húngara é absolutamente essencial para o equilíbrio europeu”, afirmou anteriormente Bárd, da Universidade da Europa Central, afirmando que o cenário que se consolida, com judiciários de outros países temendo enviar presos ou processos à Hungria devido à ingerência de Orbán, "é totalmente contra a perspectiva de um bloco de livre comércio".
Ao mesmo tempo, analistas afirmam que, sem um grande líder europeu pós-Merkel, Emmanuel Macron disputando uma concorrida eleição neste ano e a guerra na Ucrânia sem prazo para acabar, uma briga com Orbán pode não ser o foco por ora.
Com o governo reeleito, o modus operandi em Budapeste a partir de agora deve ser, no mínimo, uma repetição dos três últimos mandatos, com o Fidesz caminhando para dobrar a aposta nas medidas contra a oposição, contra minorias e em embate com a União Europeia. Somado a isso, as brigas com os vizinhos em relação a Putin e a Rússia seguirão no radar - em seu discurso da vitória, Orbán chegou a citar o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, com quem vem trocando farpas.
"Lembraremos esta vitória até o fim das nossas vidas, porque tivemos que lutar contra uma enorme quantidade de adversários: a esquerda local, a esquerda internacional, burocratas de Bruxelas, todo o dinheiro e instituições do império Soros, os grandes conglomerados de comunicação social e o presidente ucraniano também", disse Orbán. "Nunca tivemos tantos adversários ao mesmo tempo."