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Ainda faltam certificados de biocombustíveis para aviação

Diferença de princípios e critérios adotados pelos três principais certificados de sustentabilidade poderá interferir na expansão e adesão deles pelos produtores no país

EXAME.com (EXAME.com)

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Da Redação

Publicado em 11 de outubro de 2012 às 15h11.

São Paulo - Certificações técnicas para biocombustíveis que podem ser utilizados em aviões já existem, mas, de acordo com especialistas, ainda não há um certificado de sustentabilidade que ateste que um determinado combustível obtido de biomassa – e que se revele um candidato potencial para substituir o querosene utilizado na aviação comercial – seja produzido levando em consideração critérios como o bom uso da terra, a conservação da biodiversidade e o cumprimento das legislações trabalhista e ambiental.

Isso porque, apesar de existirem biocombustíveis produzidos no exterior a partir de diferentes biomassas – que inclusive obtiveram certificação técnica para utilização e vêm sendo usados em voos de demonstração e até mesmo comerciais –, nenhum deles ainda é produzido e comercializado em grande escala – o que dispensa por ora a necessidade de terem certificação de sustentabilidade.

De modo a se antecipar a esse estágio, um estudo realizado pelo Instituto de Estudos do Comércio e Negociações Internacionais (Icone) comparou as principais certificações globais para biocombustíveis existentes atualmente com o objetivo de identificar gargalos para sua implementação no Brasil, país referência mundial em biocombustíveis e com uma série de iniciativas para a produção de combustíveis “verdes” para aviação.

Financiado pela Boeing, Embraer e Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), o estudo analisou as certificações Bonsucro, Roundtable on Sustainable Biofuels (RBS) e International Sustainability & Carbon Certification (ISCC).

Adotadas para certificação de biocombustíveis para diferentes aplicações, as três certificações também poderiam ser utilizadas para certificar biocombustíveis de aviação.

“Como os biocombustíveis de aviação ainda representam um mercado muito novo, não há uma certificação de sustentabilidade com foco específico para eles. Mas as certificações atuais para biocombustíveis, em geral, provavelmente também serviriam para certificar biocombustíveis de aviação porque eles não terão grandes diferenças na produção”, disse Paula Moura, uma das autoras do estudo.


De acordo com a pesquisadora, o estudo teve como foco uma tecnologia desenvolvida pela empresa norte-americana Amyris para produzir bioquerosene de aviação a partir da cana-de-açúcar – uma das diversas opções de biomassa utilizadas para esta finalidade.

Como a tecnologia desenvolvida pela Amyris tem potencial de desenvolvimento em escala – e para isso deverá requerer uma certificação de sustentabilidade –, os pesquisadores fizeram uma comparação entre os padrões adotados pelas certificações Bonsucro, RBS e ISCC de modo a avaliar os desafios com os quais a tecnologia deparará no futuro para adotá-las.

Uma das principais constatações do estudo feito pelo Icone é que os padrões de sustentabilidade das três certificações são bastante similares e se baseiam no cumprimento da legislação ambiental vigente no país e no exterior. Entretanto, a principal diferença entre eles está na exigência de alguns critérios adicionais, que poderão interferir na expansão e adesão pelos produtores.

Critérios da União Europeia

Os critérios adicionais estão relacionados à “Diretiva de Energia Renovável”, anunciada pela União Europeia em 2010, que estabeleceu um conjunto de regras sobre como deve ser implementada a certificação de sustentabilidade da produção de biocombustíveis em geral.

Algumas das exigências dos países europeus são que os biocombustíveis não podem ser provenientes de áreas de floresta, pântanos e áreas de reserva ambiental e que possibilitem diminuir significativamente as emissões de gases de efeito estufa em comparação com os combustíveis fósseis.

Para possibilitar que os produtores brasileiros possam atender também a essas exigências externas, o Bonsucro – única certificação para biocombustíveis derivados de cana-de-açúcar implementada no Brasil – incluiu algumas das exigências da União Europeia.


Mas, por pressão dos produtores, a certificação optou por não tratar ou abordar de forma genérica questões que ainda estão sendo discutidas e para as quais ainda não há uma metodologia bem definida para apurar o cumprimento. Entre elas estão a limitação de expansão da produção em áreas de alto valor de conservação, mudanças indiretas no uso da terra e segurança alimentar.

Como a RBS e a ISCC já adotaram alguns desses critérios, a Bonsucro seria mais fácil de ser implementada no Brasil em curto prazo, de acordo com o estudo do Icone.

“Hoje, a maior parte dos certificados pela Bonsucro são os grandes produtores de cana-de-açúcar, que já têm uma série de outras certificações de gestão e qualidade, mas que ainda não têm 100% da produção certificada”, disse Moura.

Entretanto, na avaliação de Moura, um dos principais desafios para expansão dessa certificação no país será aumentar sua abrangência e adesão pelos pequenos e médios produtores e terceiros fornecedores de cana-de-açúcar, que têm maior dificuldade em cumprir alguns pontos da legislação trabalhista e ambiental brasileira.

A International Air Transport Association (Iata), entidade privada internacional de representação do setor de aviação, indicou a RSB como a certificação de sustentabilidade de biocombustíveis que irá adotar para os biocombustíveis que poderão ser utilizados na aviação.

A Organização Internacional de Aviação Civil (Ical), principal órgão público da aviação, ainda não definiu qual modelo de certificação de sustentabilidade de produção de biocombustíveis para aviação deverá reconhecer.

De acordo com Moura, independentemente da decisão dos órgãos internacionais de aviação, isso não inviabilizará a existência das três certificações existentes hoje.


“Pode ser que os órgãos de aviação reconheçam mais de uma certificação. E a partir do momento que reconhecerem, isso exigirá um esforço das certificadoras em realizar adaptações, que dependerão muito mais deles do que da indústria de aviação”, avaliou a pesquisadora.

Convênio com Boeing e Embraer

Coordenado por André Nassar, membro da coordenação do Programa Fapesp de Pesquisa em Bioenergia (BIOEN), os resultados do estudo foram apresentados em um workshop sobre sustentabilidade que integra uma série de oito encontros que estão sendo realizados pela Fapesp, Boeing e Embraer, no âmbito de um acordo firmado em outubro de 2011 com o objetivo de estabelecer um centro de pesquisa e desenvolvimento de biocombustíveis para aviação comercial no Brasil envolvendo as três instituições.

Iniciada no fim de abril, a série de oito workshops tem o objetivo de coletar dados com pesquisadores, integrantes da cadeia de produção de biocombustíveis, além de representantes do setor de aviação e do governo, para identificar os principais desafios científicos, tecnológicos, sociais e econômicos para o desenvolvimento e adoção de biocombustíveis pelo setor de aviação comercial e executiva no Brasil.

Em seguida, Fapesp, Boeing e Embraer realizarão um projeto de pesquisa conjunto sobre os temas prioritários apontados nos workshops e lançarão uma chamada de propostas para o estabelecimento de um centro de pesquisa e desenvolvimento de biocombustíveis para aviação comercial.

O último workshop, em que serão apresentadas as conclusões do estudo, está previsto para ser realizado ainda este ano na Fapesp.

O estudo Benchmark of cane-derived renewable jet fuel against major sustainability standards, de Paula Moura e outros, pode ser acessado online.

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