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Falkland: celeuma no Atlântico

Rafael Kato Ao assumir o Itamaraty, o senador Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP) terá uma papa caliente nas mãos. Trata-se de um imbróglio com a Argentina. O país vizinho realizou uma reclamação pública sobre o comportamento do Brasil ao permitir que seis voos da Real Força Aérea Britânica fizessem escala no país quando tinham como destino as Ilhas […]

ILHAS FALKLAND: arquipélago disputado por Argentina e Reino Unido tem pouco menos de 3.000 habitantes / Peter Macdiarmid/ Getty Images

ILHAS FALKLAND: arquipélago disputado por Argentina e Reino Unido tem pouco menos de 3.000 habitantes / Peter Macdiarmid/ Getty Images

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Da Redação

Publicado em 3 de março de 2017 às 06h30.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h30.

Rafael Kato

Ao assumir o Itamaraty, o senador Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP) terá uma papa caliente nas mãos. Trata-se de um imbróglio com a Argentina. O país vizinho realizou uma reclamação pública sobre o comportamento do Brasil ao permitir que seis voos da Real Força Aérea Britânica fizessem escala no país quando tinham como destino as Ilhas Malvinas (Falkland para os britânicos) ao longo do ano de 2016.

A questão, segundo os argentinos, é que os países do Mercosul estão unidos na questão das Malvinas e há um entendimento entre eles de que aviões e navios militares britânicos com destino ao arquipélago no Atlântico Sul não podem fazer escalas na região. O Ministério da Defesa do Brasil afirma que o caso está sendo investigado. O Itamaraty diz que não se manifestará oficialmente, embora as primeiras informações de bastidores davam conta que a resposta brasileira havia sido de que se tratava de voos humanitários, esses permitidos pelo acordo do Mercosul.

Segundo os argentinos, outros 12 voos semelhantes aconteceram em 2015. O destino seria sempre a base aérea de Mount Pleasant, chamada de Monte Agradable pelos argentinos. Embora não se saiba o conteúdo dos aviões, é razoável pensar que boa parte da carga seja apenas de alimentos e insumos básicos — itens que as ilhas não produzem. Além da via marítima, a única maneira de se chegar até o arquipélago é por meio de demorada escala aérea em Punta Arenas, no Chile, cidade próxima do Estreito de Magalhães.

Com menos de 3.000 habitantes, uma economia que depende basicamente da pesca e da criação de ovelhas e um clima hostil, viver no arquipélago não é tarefa fácil. Internet, apenas via satélite — e com velocidade tão baixa que impossibilita distrações modernas como o Netflix. Poucos vegetais e frutas resistem ao clima ora chuvoso e com ventos fortes e ora com um frio de -11 ºC. Não há curso superior e até pouco tempo não havia nem ensimo médio. O governo local paga os estudos universitários dos islanders, moradores das Falkland, no exterior e não exige o retorno deles às ilhas — embora a maioria volte após uma temporada de vivência internacional que, além dos estudos, inclui também trabalho em empresas multinacionais.

Apesar das condições, os moradores da Ilha não querem deixar de ser um território ultramarino britânico. Em 2013, 98% da população decidiu em referendo por continuar a fazer parte do Reino Unido. No entanto, em encontro recente com um grupo de moradores das Falkland em visita a São Paulo, EXAME Hoje pode constatar que há uma grande vontade de aproximação com a Argentina, deixando para trás as disputas recentes.

As ilhas são controladas pelo Reino Unido desde 1833. A Argentina reclama direito sobre a região desde então. Entre os anos 1960 e 1970, os britânicos, num processo de desmonte do império colonial, chegaram a negociar a devolução das Falkland aos argentinos. Os moradores foram contra — uma vez que não seria bom negócio fazer parte de uma violenta ditadura sul-americana da noite para o dia — e os britânicos desistiram do acordo.

Na tentativa de recuperar sua popularidade e fazer valer o que havia sido previamente acertado, a ditadura argentina tentou sem sucesso capturar as ilhas na guerra de 1982, que durou pouco mais de dois meses e deixou 907 mortos (dos quais 649 argentinos, 255 britânicos e 3 islanders). Com a vitória britânica, o resultado prático foi que, desde então, o arquipélago passou a contar com uma base militar britânica ainda mais fortificada, o que, claro, não é visto com bons olhos pela Argentina.

O caso recente dos aviões mostra a importância que a Argentina dá ao tema. O comunicado do ministério das relações exteriores argentino surpreendeu as autoridades brasileiras pelo tom, ainda mais por tornar pública uma questão que poderia ser tratada pelos canais habituais das chancelarias. Segundo uma pessoa próxima das contínuas negociações entre as ilhas e o governo argentino afirmou a EXAME Hoje, o caso dos aviões é a tentativa de usar novamente a questão das Malvinas, assim como foi na guerra de 1982, como um boi de piranha da política interna argentina.

O Brasil, que durante a guerra se manteve neutro, até por temer que uma vitória argentina viesse a provocar também a reclamação sobre os recursos energéticos do rio Paraná, pode agora usar o imbróglio dos aviões para desempenhar um papel importante na solução da questão das Malvinas ao oferecer um olhar econômico sobre a questão. Além do potencial do turismo de aventura, as Malvinas são uma importante reserva de petróleo offshore, que permanece pouco explorada pela falta um entreposto na costa argentina. O melhor a se fazer é o convite ao diálogo e mostrar que tanto o arquipélago como os argentinos estão perdendo oportunidades ao não cicatrizarem as feridas do passado.

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