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A justiça universal e o arrependimento do congresso dos EUA

A legislação permite processar pela primeira vez em tribunais americanos um país que não é considerado patrocinador do terrorismo pela Casa Branca


	11 de setembro: legislação permite processar pela primeira vez um país que não é considerado patrocinador do terrorismo pela Casa Branca
 (Andrew Kelly/Reuters)

11 de setembro: legislação permite processar pela primeira vez um país que não é considerado patrocinador do terrorismo pela Casa Branca (Andrew Kelly/Reuters)

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Da Redação

Publicado em 3 de outubro de 2016 às 10h29.

Washington - Os legisladores americanos sabem o que votam ou a angústia pela reeleição nubla seu julgamento? Esta é a pergunta que paira no ar após a aprovação de uma legislação que consagra o princípio de justiça universal e da qual os congressistas se arrependeram poucos minutos depois.

Concretamente, foram 30 minutos o que demoraram senadores e congressistas americanos para passar das celebrações - por conseguir uma maioria bipartidária não vista em anos para revogar um veto presidencial - para expressar suas dúvidas pela chamada Lei de Justiça contra Patrocinadores do Terrorismo, que permite processar à Arábia Saudita em tribunais americanos.

O líder dos republicanos no Senado, Mitch McConnell, saiu aos corredores do Capitólio para lamentar as "ramificações" da lei que tinha votado horas antes, enquanto o presidente da Câmara dos Representantes, Paul Ryan, prometia às vítimas seu "dia nos tribunais", mas com uma lei que garanta que os militares americanos não serão inundados com processos por todo o mundo.

A lei, que era debatida no conturbado período eleitoral, tinha sido produto do levantamento do segredo sobre 28 páginas de relatório dos atentados de 11 de setembro de 2001 que demonstrava conexões indiretas com membros da família real saudita e a rede de financiamento dos terroristas envolvidos.

A legislação permite processar pela primeira vez em tribunais americanos um país que não é considerado patrocinador do terrorismo pela Casa Branca.

O que era um assunto que sempre cobra juros políticos nos Estados Unidos - ajudar às famílias das vítimas dos brutais atentados do 11 de setembro - se transformou na primeira vez que os Estados Unidos amparam a possibilidade de processar funcionários de um país estrangeiro em outro país, um princípio conhecido como justiça universal, e ao qual Washington se opôs insistentemente.

A tramitação fez história também porque foi a primeira vez nos quase oitos anos de mandato de Barack Obama que o Congresso conseguiu votos suficientes para invalidar o poder de veto do presidente, que estava há meses avisando que com esta lei seriam amparados, por reciprocidade, processos contra militares ou funcionários americanos no mundo todo.

"Imaginemos que a Síria decida processar os EUA por apoiar os rebeldes moderados, que Damasco considera terroristas. Isso não importaria muito porque há poucos interesses americanos expostos na Síria, mas as consequências seriam imprevisíveis se isso acontecesse no Egito ou na Arábia Saudita", ponderou o professor de Direito da Universidade do Texas, Stephen Vladeck.

Como já tinha avisado insistentemente a Casa Branca enquanto o Congresso ameaçava com o veto, a lei permitiria processar, por exemplo, militares americanos em tribunais estrangeiros, como o que tentou a família do jornalista espanhol José Couso na Espanha para processar os soldados que dispararam o projétil que acabou com a vida do cinegrafista em Bagdá em 2003.

Perante este panorama, o doce momento que significava obter a primeira supermaioria do mandato de Obama abriu passagem para a amarga realidade, aparentemente ignorada por dezenas de senadores e congressistas, de que a lei não era um mero afago às vítimas do 11/9, mas a aceitação da justiça universal.

"O que é certo na escola elementar é certo no Congresso dos Estados Unidos, a ignorância não é uma desculpa, particularmente quando se trata de segurança nacional e da segurança de nossos diplomatas e militares", explicou na última quinta-feira visivelmente zangado o porta-voz da Casa Branca, Josh Earnest.

Earnest tachou de "vergonhoso" o comportamento de um terço do Senado que lamentou no próprio dia da aprovação as "consequências não propositais da lei", ou dos membros da Câmara que lamentaram quase de maneira imediata o "sim" que deram.

A razão dada pelos legisladores não pôde ser mais própria da burocrática Washington: a Casa Branca não fez lobby suficiente para explicar as ramificações da lei aos assistentes dos ocupados senadores, muitos dos quais tentarão a reeleição nas eleições de 8 de novembro.

A receita para emendar a ofensa foi também um clássico da capital americana: a modificação ou morte da lei durante a chamada "sessão do pato manco", que acontece após as eleições de 8 de novembro e perante a renovação do Executivo e o Legislativo, quando suas senhorias já saberão se manterão a cadeira por alguns anos mais. 

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