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70 anos depois, mulheres que resistiram ao nazismo são enterradas

Restos microscópicos de pessoas cujos corpos foram objeto de experimentos médicos na Segunda Guerra são sepultados na Alemanha

Enterro de restos de vítimas do nazismo na Alemanha: corpos foram usados em experimentos médicos durante o nazismo (Fabrizio Bensch/Reuters)

Enterro de restos de vítimas do nazismo na Alemanha: corpos foram usados em experimentos médicos durante o nazismo (Fabrizio Bensch/Reuters)

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AFP

Publicado em 14 de maio de 2019 às 14h46.

A cidade de Berlim (Alemanha) enterrou nesta semana, na presença dos descendentes, os restos microscópicos encontrados recentemente de vítimas do nazismo cujos corpos foram objeto de experimentos médicos durante a guerra, um episódio relativamente desconhecido do período nacional-socialista.

A cerimônia é uma iniciativa do grande hospital da capital alemã, Charité, após três anos de pesquisas, e aconteceu no cemitério de Dorotheestadt, na presença de um rabino e de integrantes da Igreja protestante.

"Com o enterro das mostras microscópicas extraídas naquele momento dos corpos, queremos dar um pouco de dignidade às vítimas", afirmou o diretor do hospital Charité, Karl Marx Einhäupl.

Para Saskia von Brockdorff, cuja mãe, Erika von Brockdorff, foi assassinada na prisão de Ploetzensee, trata-se de "pôr fim a esta história". "Agora eu sei onde posso chorar minha mãe, executada em 13 de maio de 1943. Estou feliz por vir aqui", disse a idosa à AFP.

Iniciativa

A iniciativa é uma demonstração dos esforços recentes do hospital para "enfrentar o passado", destaca o memorial da Resistência Alemã, que também organiza a cerimônia.

"Porque muitos de seus médicos, que ocupavam cargos na direção, transformaram, durante o período nacional-socialista, suas clínicas e institutos em locais que praticavam a medicina racial e de destruição dos nazistas", completou.

Dos opositores ao regime nazista que serão enterrados não restam mais que 300 tecidos dispostos em lâminas de laboratório que os herdeiros do médico anatomista que fazia os experimentos na época, Hermann Stieve, encontraram em uma pequena caixa.

Os restos mortais, pouco visíveis, foram entregues em 2016 ao professor Andreas Winkelmann para uma tentativa de identificação.

"Em geral, não se consideraria que tecidos tão minúsculos mereceriam o enterro, mas neste caso a história é particular, pois procedem de pessoas que tiveram o sepultamento deliberadamente negado para que seus parentes não soubessem onde estavam", explicou Winkelmann à AFP.

Embora não tenha conseguido determinar exatamente a quantas pessoas pertenceram as 300 mostras, Winkelmann trabalhou a partir de 20 nomes e de algumas pistas cifradas que estabeleciam um vínculo claro com a prisão de Plötzensee, onde 2.800 pessoas foram enforcadas ou degoladas pelos nazistas entre 1933 e 1945.

A pedido das famílias, os nomes das vítimas que serão enterradas não serão divulgados. Mas foi possível saber que a maioria eram mulheres.

Isto porque Hermann Stieve, que foi diretor do Instituto Universitário de Anatomia de Berlim de 1935 até sua morte, em 1952, se especializou no estudo dos efeitos do estresse e do medo no sistema reprodutivo feminino.

Frieza

Para avançar em suas pesquisas, este renomado cientista estudava, em particular, os tecidos histológicos genitais extraídos de mulheres executadas pelo regime nazista.

Entre seus objetos de pesquisa estavam 13 das 18 resistentes do grupo berlinense Orquestra Vermelha, incluindo a americana Mildred Fish Harnack, guilhotinada em 1943 a pedido expresso de Hitler.

Ao contrário de outros cientistas mais conhecidos por sua crueldade, como Josef Mengele, "o anjo da morte" de Auschwitz, Hermann Stieve não pertencia ao Partido Nacional-Socialista (NSDAP) e não fez experimentos com pessoas vivas. Ele sabia perfeitamente, porém, que os cadáveres que usava como cobaias haviam sido torturados.

"Isso mostra sua frieza. Via estas pessoas como simples objetos", afirma Andreas Wikelmann.

Pouco interessado em seu âmbito científico, o regime de Hitler saía ganhando, "porque era uma nova maneira de humilhar as vítimas" e de privá-las de uma sepultura, diante da qual familiares e partidários poderiam ter-se reunido. Os corpos foram, provavelmente, lançados em fossas comuns.

Depois da guerra, Hermann Stieve não se preocupou com a Justiça e continuou sua carreira, como muitos outros cientistas que trabalharam com e para os nazistas.

Apenas os mais altos responsáveis médicos do Terceiro Reich foram condenados durante o "Julgamento dos Médicos" de Nuremberg, organizado pelos aliados vitoriosos.

Hoje, porém, a ginecologia moderna considera seus resultados importantes, apesar das condições de suas pesquisas. Continua sendo "membro de honra a título póstumo" da Sociedade Alemã de Ginecologia e Obstetrícia.

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