O que esperar da política externa de Jair Bolsonaro?
Apesar das incertezas, uma possível mudança será a descentralização do polo de decisão, até então reservado ao Itamaraty, com participação de novos atores
Gabriela Ruic
Publicado em 8 de dezembro de 2018 às 06h00.
Última atualização em 2 de abril de 2019 às 11h25.
São Paulo – Com o ano de 2019 no horizonte e o dia da posse do governo eleito se aproximando, continuam as incertezas acerca dos rumos que a política externa do Brasil tomará sob o comando de Jair Bolsonaro e seu chanceler, Ernesto Araújo.
Durante a campanha, Bolsonaro deu declarações polêmicas que criaram tensão na relação com a China, por exemplo, e até com países árabes pela promessa de mudança da embaixada brasileira em Israel de Tel Aviv para Jerusalém, cidade que é um ponto central no conflito árabe-israelense. Disse ainda que quer uma política externa “sem conotação ideológica”.
Diplomata de carreira, Araújo foi anunciado como futuro número um do Itamaraty em meados de novembro, num movimento que surpreendeu a comunidade diplomática, que esperava um nome mais experiente. A nomeação também causou furor em razão de posições pessoais repercutidas pela imprensa e publicadas por ele em um blog pessoal. Entre elas, a ideia de “libertar o Itamaraty do marxismo cultural”, críticas às mudanças climáticas e ao “globalismo”.
Aos poucos, as peças parecem ir se encaixando: nesta semana, foi anunciado que Otávio Brandelli, atual diretor do Departamento de Mercosul, será o secretário-geral da pasta. Ao contrário da nomeação do chanceler, a indicação de Brandelli, que na prática será o número dois do Ministério, rendeu menos polêmicas e foi bem recebida por membros do Itamaraty.
Expectativas
Especialistas ouvidos por EXAME estão divididos sobre o grau de mudança ou ruptura que está no horizonte. Concordam, contudo, sobre as incertezas que circundam essa esfera. “De um lado, ao ler o que ele (Araújo) já produziu, vemos o discurso de confrontação. Por outro, essa operacionalização não está clara”, diz Denilde Holzhacker, professora de Relações Internacionais da ESPM.
Ainda assim, a especialista espera novidades. As mais óbvias são a aproximação dos Estados Unidos e a preferência por arranjos bilaterais. Esses são pontos nos quais o Brasil tem uma tradição histórica divergente: o não alinhamento e a aposta no multilateralismo.
Outra mudança que a professora Holzhacker considera ainda mais relevante é a perspectiva de descentralização da política externa , até então reservada à esfera do Itamaraty. “A pasta irá sofrer a influência de outros atores, cujos papeis ainda não estão claros. E para entender o que está por vir, precisaremos compreender como eles irão se expressar e agir”, disse ela.
Entre os novos polos de decisão estariam o futuro ministro da Fazenda, Paulo Guedes, e o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), filho do presidente eleito e alguém que teve influência no processo de escolha da chancelaria. “Vejo como uma situação inusitada na qual o filho não tem uma posição no governo, mas atua como espécie de porta-voz”, afirmou ela, comparando a situação com aquela da filha de Trump, Ivanka, e seu genro, Jared Kushner.
Discurso vs. ação
Na visão de Anna Jaguaribe, professora do Centro de Estudos Brasil-China e conselheira do CEBRI (Centro Brasileiro de Relações Internacionais), há que se considerar o limite entre o discurso e a possibilidade real de ação.
“Ele (Araújo) é um homem do Itamaraty e acredito de que irá respeitar práticas e crenças consolidadas, como o papel que o Brasil tem na política multilateral”, disse, lembrando que é nesse espaço que atuam os países que desejam aumentar sua inserção internacional. "Já que o ambiente de negociação é mais favorável”.
A professora Jaguaribe vê com ceticismo a ideia de alinhamento aos Estados Unidos, pois o a divisão bipolar da Guerra Fria não existe mais e hoje o mundo se divide em polos assimétricos de poder. Ela crítica, portanto, a diferenciação entre países capitalista versus comunistas para definir os países com quem o Brasil irá se relacionar. “É preciso atualizar essa conversa, entender os fluxos de poder e buscar as aberturas de inserção que o país pode ter”, afirma.
O historiador Amado Cervo, da UnB e professor do Instituto Rio Branco, a escola diplomática do Brasil, também aposta que a força e a tradição do Itamaraty irão se sobrepor às grandes mudanças e disse a EXAME que não espera muitas novidades fora o que chamou de “ênfase liberal”. Ele nota que o presidente eleito “ainda não sabe bem o que fazer no miúdo da ação” e que algumas de suas declarações, como a questão da embaixada, são “pouco convenientes”.
Retrocesso?
A possibilidade de uma mudança brusca na política externa é vista com preocupação por Pedro Costa, professor de relações internacionais das Faculdades Integradas Rio Branco. Para o cientista político, a quebra de confiança do mundo ante o Itamaraty pode custar caro ao Brasil pelo fato de a máquina diplomática brasileira ser tão bem vista mundo afora.
“O Itamaraty é uma espécie de transatlântico. As mudanças são lentas, pesadas, mas o presidente eleito deixou claro que faria uma ruptura séria na política externa e vejo que isso é sincero”, diz o professor Costa. “Mesmo que venha outro governo, um choque de confiabilidade é algo que custa caro e demora para ser revertido e isso será decisivo.”